sábado, 2 de julho de 2016

Por que é provável que o Reino Unido permaneça na União Europeia?

Os sinais crescem de que, apesar de tudo, o Reino Unido, após um período pantanoso, não deixará a união Européia.

          Robert Kuttner // www.cartamaior.com.br
O Primeiro Ministro David Cameron, o homem que causou essa confusão desnecessária ao inventar um referendo para tentar passar a limpo uma disputa interna ao Partido Conservador, está demissionário. Mas Cameron, deixou claro que não iniciará o processo formal de exclusão sob o Artigo 50 do Tratado de Lisboa da União Europeia. Ele está deixando para seu sucessor, ainda para ser escolhido.
Como o jornal inglês The Guardian observou, Cameron assim deixou a seu sucessor um “cálice envenenado”. À medida em que as implicações da saída do Reino Unido vão se tornando mais claras e muitos eleitores que apoiaram o Brexit estão sentem o “remorso do comprador”, é difícil imaginar que o próximo primeiro ministro britânico invoque o Artigo 50 sem um voto claro da Câmara dos Comuns.

E, com três quartos dos congressistas opostos ao Brexit, é ainda mais difícil imaginar a Câmara dos Comuns votando para aprovar a saída.

Mas, não seria isso violar o desejo dos eleitores britânicos? Não, não seria. A situação da opinião pública atual , mais bem informada, é diferente do que foi uma semana atrás. Pesquisas mostramque pelo menos um milhão de pessoas que votaram pela saída agora querem que continue. E, por fim, mais de 3,4 milhões de britânicos assinaram uma petição solicitando a reversão do veredicto do irrefletido referendo.

Mas afinal, o que a estreita vitória do voto para deixar a União Europeia diz respeito afinal?

Recentemente, temos lido comentários variados a respeito de alguns temas, ad nauseam. Todos contêm elementos da verdade, mas todos perdem o ponto básico.

Racismo irracional. Esse voto foi mais uma reação racista por parte dos britânicos ressentidos com a presença em seu meio de estrangeiros de pele mais escura e, erradamente, acusam a União Europeia por isso. O Reino Unido tem, de fato, mais controle sobre suas fronteiras que a maioria dos membros da U.E., uma vez que Londres nunca assinou o Acordo Schengen de 1985, que eliminou as fronteiras para os estrangeiros através da maioria da U.E. Antes de entrar no Reino Unido, os europeus têm que passar pelo controle de passaportes, da mesma forma que sírios ou norte-americanos.

Tomar a União Europeia como o bode expiatório pelas frustrações econômicas. O Reino Unido, de fato, está se saindo melhor que a maioria das nações da U.E. Para os principiantes, ele manteve sua própria moeda e os controles sobre suas políticas monetária e fiscal. Mas, como membro da U.E., o Reino Unido tem tarifa livre para suas exportações para o continente e Londres opera como um grande centro financeiro europeu. Tudo isso agora está ameaçado.

A União Europeia está ultrapassada. Bruxelas é uma burocracia distante, que não presta contas e que impõe regulações fora do controle democrático. O voto, certo ou errado, é um anseio pela soberania nacional.

Rejeição ao internacionalismo liberal. O Reino Unido tem crescido bem desde que juntou-se à U.E. Globalização veio para ficar. O pessoal que votou pelo Brexit são pessoas de tipo estreitas e mal informadas e falhou em compreender que estão atirando em seus próprios pés.

O que está errado com esses comentários? Todos falham em entender que há mais que uma forma de internacionalismo liberal. O tipo representado pela União Europeia desde os anos 90 (e o Tetcherismo desde o final dos anos 70) tem sido operado basicamente pelo e para as elites financeiras.

Quando as instituições originais, do que viria a se tornar a União Europeia, foram criadas nos 40s e 50s, o sistema internacional estava desenhado sobre as cinzas da depressão e da guerra para reconstruir uma economia de pleno emprego e prosperidade para todos. O sistema funcionou admiravelmente bem.

Nos 80s, como uma reação aos deslocações dos 70s, Margaret Tatcher subiu ao poder no Reino Unido (e Ronald Reagan nos Estados Unidos). Suas políticas voltaram a um tipo de capitalismo “homem é o lobo do homem” que veio a beneficiar as elites e prejudicar as pessoas comuns. Nos 90s quando a Comunidade Econômica Europeia veio a se tornar a União Europeia, mais integrada, ela também veio a se tornar um agente do neoliberalismo.

As políticas de desregulamentação terminaram no colapso financeiro de 2008. A cura pela austeridade, imposta pelos gnomos de Bruxelas, Frankfurt e Berlim é, de muitas formas, pior que a doença.

O crescente descontentamento falhou em destronar as elites responsáveis por essas políticas, mas resultou na perda de confiança nas instituições. O um por cento venceu nas políticas mas perdeu as pessoas.

O desafio é colocar uma União Europeia mais equilibrada e progressista, mas no espírito de 1955, de volta ao cardápio inicial. Mas a saída do Reino Unido dará ainda mais poder à Alemanha de Angela Merkel, arquiteta e executora da austeridade. Paradoxicalmente, a austeridade generalizada favoreceu à Alemanha – um grande exportador também – mas afundou o resto da Europa.

A Europa corre o risco de se tornar, economicamente, mais parecida com a Grécia e, politicamente, mais próxima à direita britânica. Se o Reino Unido se for, mais movimentos populistas de direita surgirão para abandonar a U.E. Isso já começou na França e na Holanda, duas das nações fundadoras da Comunidade Europeia – e aquelas que se beneficiaram, ao final, da U.E.

Mas e a respeito de raça? Não foi um fator importante naquele voto?

Certamente foi. Mas vamos distinguir raça de imigração. A reação da direita britânica não foi só um retrocesso contra o recente influxo de refugiados e migrantes econômicos da Europa Oriental e do Oriente Médio. Desde os anos 50, quando o Reino Unido rebatizou o império como “Commonwealth”, ela tem tido uma política relativamente liberal de imigração para suas antigas colônias. Parte como uma “cenoura” para promover lealdade, parte como consciência culpada.

Ainda lá atrás, nos anos 60, Enoch Powell, um conservador de direita, já fazia campanha contra imigrantes com motes como “se você quer um negro como vizinho vote trabalhista”.

Em 2001, 13 anos atrás, o Reino Unido já era 8 % não branco. Enquanto a indústria tradicional declinava e os padrões de vida caiam, populações não brancas aumentavam, gerando ressentimentos contra tanto o desfortúnio econômico quando às mudanças raciais.

O fluxo mais recente de imigrantes, tanto dos países da União Europeia com baixos salários (o proverbial “encanador polonês”) e do Oriente Médio, adicionaram mais tensão.

Mas a história do populismo de direita é invariavelmente uma mistura de fatores econômicos e sentimentos nativistas. Nos anos 60, quando a Europa tinha pleno emprego, houve pouca reação contra “trabalhadores convidados” estrangeiros. Nunca o antissemitismo esteve tão submergido na Europa, mas foi necessário o colapso econômico alemão nos anos 20 e 30 para produzir Hitler.

As revoltas direitistas sempre são substancialmente irracionais. Entretanto, quando os britânicos passaram a ter uma mobilidade negativa e entenderam que a União Europeia e que o modelo do neoliberalismo não estava, de fato, do seu lado, eles entenderam a verdade.

O que provocou esse voto tão trágico foi a ausência de liderança esclarecida, seja no Reino Unido, seja no continente, para propor algo melhor. O primeiro ministro David Cameron, que propôs o jogo imprudente do referendo como uma finta tática para escapar de um cisma intrapartido, pode ser agora o responsável pela dissolução de duas uniões: não apenas a União Europeia, mas o Reino Unido se a Escócia separar-se. Ele poderá vir a ser lembrado como o pior primeiro ministro britânico jamais, num quase empate com Neville Chamberlain. Mas ele será algo como um herói se usar sua influência remanescente para reverter o veredicto, como parece estar fazendo. Lembrem-se: Cameron convocou esse referendo para matar o Brexit, não para promovê-lo.

O líder trabalhista Jeremy Corbyn, que se opôs ao Brexit mas se recusou a fazer campanha ativa contra ele, não está em situação melhor. Os dois maiores partidos do Reino Unido estão em confusão.

Mas a linha divisória não está apenas na recusa da Câmara dos Comuns em aprovar o Brexit, mas na possível melhoria em ambos os partidos. Corbyn se comportou lamentavelmente. É provável que seja substituído. Também haverá um novo líder conservador.

Minha aposta é que haverá eleições gerais antecipadas sobre a questão do Brexit, com, talvez, algum tipo de coalisão de forças que queiram a permanência do Reino Unido e melhorias na União Europeia. Eles venceriam. Mas o realinhamento significativo da política britânica é alternativa de longo prazo.

O que os britânicos necessitam mais que qualquer coisa é um partido social democrático moderno. Não um partido trabalhista “blairista”, mas um partido realmente social democrata.

Há, hoje, um líder britânico, talvez a única que cresceu junto à política do país e ela se coloca nivelada acima dos demais. Poderia ser Nicola Strugeon, a líder dos nacionalistas escoceses e primeira ministra da Escócia. Os escoceses têm algo que se aproxima a uma real social democracia, com universidades livres e melhor sistema de saúde.

Se ela não estivesse tão comprometida com a Escócia, Sturgeon poderia ser votada primeira ministra do Reino Unido por aclamação.

A reversão do voto britânico é uma oportunidade para reformular a política e as escolhas políticas. Se o Reino Unido prosseguir com sua saída, estaremos em uma era cinzenta em que ultranacionalistas e neofascistas continuarão a ganhar terreno.

Créditos da foto: reprodução

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