Mais austeridade e a venda de patrimônios públicos importantes irão piorar a terrível recessão.
Andy Robinson, The Nation // www.cartamaior.com.br
“Sou o 'Papa Mike' – polícia militar”, disse o policial ao lado de sua BMW. Ele está preparado para acompanhar o novo trem do VLT (veículo leve sobre trilhos), em sua volta experimental, indo e voltando no melhorado Porto Maravilha, com seu deslumbrante Museu do Amanhã, idealizado por Santiago Calatrava, pelo velho centro do Rio de Janeiro e para dentro do Aeroporto Santos Dumont, que logo será privatizado. “Minhas ordens são para evitar que as pessoas sejam atropeladas”, ele explica enquanto o trem parte, passando por um sinal de alerta que lê: “Cuidado! O VLT não faz barulho.”
Quem poderia questionar a preocupação do prefeito Eduardo Paes com a segurança dos pedestres da cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos? Ainda assim, aqueles amontoados no trem, que ficam assim todos os dias nos ônibus nas viagens diárias intermináveis da vasta classe trabalhadora do Rio, devem se perguntar porquê tais precauções não foram tomadas para evitar o real perigo: a falência do estado do Rio, que suspendeu salários e pensões de dezenas de milhares de trabalhadores do setor público. Cortes draconianos foram feitos nas escolas, hospitais, e no tráfego, enquanto 39 bilhões de reais (quase $10 milhões) são gastos nas Olimpíadas. Dois em três brasileiros entrevistados essa semana pela Folha de S. Paulo disseram que as Olimpíadas trouxeram mais problemas que vantagens.
Outros dentro do trem podem se perguntar porquê proteções similares não são fornecidas aos três milhões de trabalhadores que perderam seus empregos desde 2013. A recessão, a pior do Brasil, desfez décadas de progresso na redução da pobreza em um país cuja desigualdade de renda chocou o mundo, ainda quando a desigualdade ainda causa choque. Ao final de 2016, a recessão terá limpado quase 9% do PIB do país em dois anos. A economia prevê uma maior contração, com um programa de austeridade oficialmente inserido em Brasília pelo governo de direita de Michel Temer, que assumiu o poder em maio depois do que muitos chamam de golpe parlamentar.
De muitas maneiras, Temer está continuando de onde a presidente impichada do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, parou sua conversa com a austeridade em um segundo mandato desastroso. Agora, no entanto, os cortes de gastos estão coincidindo com um programa radical de privatização. “Eles estão aplicando muitas das mesmas políticas de Dilma, mas com um chapéu neoliberal”, disse Luiz Eduardo Melin, conselheiro econômico, em tempos mais prósperos, do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-11). “Eles irão derrubar nossa economia em uma espiral negativa, mas eles não se importam pois não irão concorrer reeleição.”
Comumente no Rio, a depressão vem depois do Carnaval, mas mesmo antes da cerimônia de abertura das Olimpíadas, “já estamos de ressaca”, disse Joel Birman, psicoterapeuta que trabalha na área nobre da Gávea, enquanto a classe média carioca horrorizada e neurótica procura ajuda. Para a massa empobrecida, os macro-templos evangélicos realizam uma função similar. Aqui, o conservadorismo cristão burguês – um elemento chave do movimento que suspendeu Dilma – constrói sua base entre mais de um quinto da população.
“Eu descobri a liberdade; agora eu só me preocupo com a vida após a morte”, disse Luis, que está sentado na fileira de trás da Igreja Universal do Reino de Deus em Botafogo. Luis trabalha por R$1500 por mês como assistente de cozinheiro em um restaurante próximo e gasta R$200 por mês em transporte para sua casa, que fica 90 minutos do seu trabalho, em Duque de Caxias. A crise do petróleo pegou forte lá, dizimando os empregos na refinaria local e pelo interior industrial, e limpando os ativos da companhia de petróleo estatal, Petrobras.
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Uma vez a jóia da coroa do PT, a Petrobras foi rasgada ao meio pelo colapso do preço do petróleo e uma massiva investigação anti-corrupção. Pode estar agora em seu primeiro estágio de privatização. Nas salas de reunião subterrâneas embaixo do futurístico Congresso de Oscar Niemeyer em Brasília, a lei que iria abrir a exploração das reservas do pré-sal a multinacionais está sendo discutida. Os ativos da companhia na Argentina e no Chile também estão à venda. O enorme banco de desenvolvimento estatal, BNDES, cuja sede é localizada ao lado do prédio da Petrobras no Rio, foi forçado a vender sua participação em companhias como a Petrobras e o conglomerado de mineração, Vale. Em uma redução monumental, uma instituição que já emprestou mais dinheiro do que o Banco Mundial “ficará sem um centavo e irá pedir empréstimos aos credores do corporativismo brasileiro que já estão em sérios problemas devido a recessão”, disse Melin. “Quando estiverem no limite da falência, serão vendidos a alguém a preços excelentes”.
Esse alguém pode ser encontrado em Wall Street ou em Houston. O governo Temer está “tentando criar as condições” para a privatização da Petrobras e dos bancos públicos, alertou Lula semana passada. O novo CEO da Petrobras negou a denúncia, declarando que “eu não acredito que a sociedade brasileira seja madura o suficiente” para uma venda total do mais valioso bem estatal na América Latina. Investidores internacionais, enquanto isso, estão se preparando para essa venda urgente. “Tendo em vista que a recessão afetou os lucros da empresa, os ativos podem ser adquiridos a preços que são mais atraentes aos compradores”, aconselhou o novo relatório do Conselho do Atlântico em Washington, entitulado graciosamente de “Petróleo e Gás no Brasil: um novo lado bom”.
As vendas – que também incluem aeroportos e correios – irão, cosmeticamente, abaixar o déficit orçamentário do país, que, a 10%, está fazendo subir a dívida pública. Ainda assim, como alerta a economista da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho, privatizações irão piorar as finanças públicas a longo prazo, pois os dividendos ao estado desaparecem. “É um truque de ilusionismo fiscal; até o FMI sabe disse”, disse Carvalho.
A ironia é raramente reconhecida pela mídia brasileira, mas o impeachment de Rousseff surgiu supostamente do seu uso administrativo das pedaladas, uma técnica de contabilidade comum e inócua, que reduz o déficit temporariamente. (O termo se refere ao drible rápido usado pelos jogadores de futebol para enganar um oponente). Mês passado, um comitê especial do impeachment no Senado brasileiro decretou que fazer uso da pedalada não era uma ofensa digna de impeachment. Ainda assim, há poucas chances de o Senado voltar atrás na segunda votação do impeachment em agosto. “A decisão do comitê não faz diferença nenhuma – esse é um golpe brando e parlamentar, e a pedalada foi só um pretexto”, disse Vladimir Safatle, filósofo da Universidade de São Paulo.
Sob pressão da confederação industrial FIESP, que financiou o impeachment, o ministro das Finanças Henrique Meirelles voltou atrás em suas promessas de aumentar os impostos e irá, ao invés, botar o fardo do programa de austeridade em mais cortes de gastos públicos e investimentos. Isso ameaçaria a fundação do programa anti-pobreza do PT. Uma proposta iria condicionar o financiamento de governos locais e estaduais já com muitas obrigações à sua habilidade em reduzir o número de famílias pobres recebendo o subsídio anti-pobreza. Pior, uma nova lei proposta iria estabelecer limites constitucionais aos gatos, aderindo à austeridade e eliminando a distribuição mínima de educação e saúde.
Os mercados financeiros estão contentes com tudo isso. Os investimentos mais lucrativos no mundo dos últimos seis meses têm sido o índice de ações da BM&F IBOVESPA em São Paulo e o real, que se valorizou cerca de 20% desde sua queda em 2015. Analistas tradicionais como o FMI confiam que a economia atingiu o fundo do poço e irá começar a se recompor ano que vem. Os lucros dos bancos – liderados pelo banco pró-impeachment Itaú, o maior da América Latina – subiram enquanto as taxas de juros estratosféricas oferecem oportunidades lucrativas para a especulação no mercado da dívida do governo. “A queda de Dilma estava selada quando ela tentou usar os bancos públicos para…. forçar os bancos a diminuírem suas taxas de juros”, disse uma economista do BNDES.
A esquerda está agora dividida entre aqueles que pensam que Lula – ainda o político mais popular no Brasil – pode levar o corpo do PT a uma vitória eleitoral em 2018, e aqueles que são a favor de uma alternativa. “Lula ainda pode conseguir, se não o prenderem”, disse a economista do BNDES, se referindo à investigação de corrupção da Petrobras. Mesmo se o ex-presidente evitar o julgamento, Lula precisa de um partido para liderar, e a existência do PT pode não ser certa depois das eleições municipais em outubro, que inclui 20 milhões de eleitores no Rio e em São Paulo. “O único argumento deles é criar medo do que a direita pode fazer; eles não têm nenhum programa alternativo”, disse Safatle.
Para alguns, a melhor esperança para a esquerda pode ser Marcelo Freixo, um jovem candidato socialista, para suceder Paes como prefeito do Rio. “Freixo deveria ser a prioridade agora”, disse Tania, eleitora do PT no Rio que se exilou em Paris durante os anos de ditadura militar no país. “Não há porquê gastar tempo com Dilma e Lula.”
Créditos da foto: Cacalos Garrastazu / FEBRABAN
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