Sob críticas internas, a realpolitik do Partido dos Trabalhadores emperra a reação ao golpe
por Miguel Martins // http://www.cartacapital.com.br/
Quando o impeachment de Dilma Rousseffainda era uma farsa em fabricação, Lula pregou uma “revolução” no Partido dos Trabalhadores para recuperar a utopia perdida pela legenda ao longo de mais de uma década de governo. “Nós temos de definir se queremos salvar nossa pele, nossos cargos ou nosso projeto”, afirmou o ex-presidente em um seminário organizado em 2015.
Em meio ao afastamento provisório da presidenta eleita e momentos antes da votação final no Senado que pode consolidar o golpe, a missão de impedir a efetivação de Michel Temer parece esbarrar no velho pragmatismo dos tempos de poder. A perenidade da realpolitik nutrida pelo PT nos últimos anos tem incomodado parlamentares da legenda e reflete-se na tímida capacidade atual de mobilização contra o interino.
Embora municiada por vitórias jurídicas relevantes, a campanha de Dilma para comprovar a ilegalidade de seu afastamento não tem conseguido produzir fatos políticos relevantes a reforçar sua defesa.
Com 22 votos favoráveis na sessão do Senado que definiu o afastamento, a presidenta eleita precisa em tese de mais seis senadores, ou de ausências em mesmo número, para garantir seu retorno ao poder. Sua defesa foi subsidiada por importantes decisões recentes: enquanto o Ministério Público concluiu não ter havido crime comum nas chamadas “pedaladas fiscais”, uma perícia realizada pela comissão do impeachment no Senado não constatou ação direta da presidenta eleita.
Nos bastidores, a confiança dos parlamentares sobre a volta de Dilma parece abalada. Em conversas reservadas, um parlamentar petista admite a dificuldade para conquistar votos contra o impeachment e afirma que o campo majoritário do partido está “atordoado” e segue sem acompanhar a guinada à esquerda da base militante.
A eleição de Rodrigo Maia, do DEM, como novo presidente da Câmara revelou-se uma oportunidade perdida para os partidos de esquerda demonstrarem união em um momento desfavorável. As articulações de deputados do PT e do PCdoB para apoiar Maia foram alvo de críticas de parlamentares de ambos os partidos.
No segundo turno, quando o democrata derrotou Rogério Rosso, do PSD, a divisão interna do PT ficou clara: de 56 deputados que votaram na sessão, 25 deixaram o plenário por não aceitar apoiar um candidato favorável ao afastamento de Dilma. A outra parcela, formada principalmente por nomes do campo majoritário, aderiu à tese do “mal menor” ao preferir derrotar Rosso, aliado de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, com o suposto objetivo de elevar o nível dos trabalhos na Casa.
Em seu discurso de posse, Maia fez questão de agradecer aos seus “amigos” Orlando Silva e Aldo Rebelo, do PCdoB, e a Afonso Florence, líder do PT na Câmara, “pela confiança”. Ao investir no discurso de pacificação e expor o apoio de petistas e comunistas à sua candidatura, o democrata criou uma saia justa para os caciques de ambos os partidos.
Para Lindbergh, o PT não pode apostar no jogo do Congresso e tem de olhar para fora. ( Edilson Rodrigues/ Agência Senado)
Wadih Damous foi um dos deputados petistas que preferiram deixar a sessão. “Os dois candidatos eram símbolos do golpe parlamentar”, justifica. “O Rosso presidiu a Comissão Especial de Impeachment e o Maia foi um dos coordenadores do processo. Não havia como apoiá-los.” A perspectiva de um “mal menor” não o convenceu. “Essa eleição não merecia tanta atenção de nossa bancada, é um mandato de apenas seis meses.”
Embora não tenha lançado candidato próprio, o PT concentrou seus votos no primeiro turno no peemedebista Marcelo Castro, ex-ministro da Saúde de Dilma e contrário ao impedimento, que terminou em terceiro na disputa. Para a votação de segundo turno, não houve orientação de bancada.
José Guimarães, ex-líder do governo de Dilma na Câmara, foi um dos deputados que optaram por votar. Perguntado sobre o incômodo de petistas com a articulação com Maia, ele diz que o partido está unido na luta contra o golpe. “Opiniões divergentes são periféricas.” Sobre o apoio ao democrata, Guimarães afirma que “essa pauta já passou”. “Maia não pensa como a gente e nem pensamos como ele, mas precisamos de regras de civilidade na disputa.”
No Senado, o apoio de parte do PT a Maia também gerou críticas. Em um vídeo pessoal, o senador Lindbergh Farias desabafou ao afirmar que a esquerda “sujou as mãos” com o democrata. Para ele, PT, PCdoB e PSOL deviam ter se unido em torno de apenas uma candidatura. “Agora, apoiar Maia é inexplicável, ele traz uma agenda regressiva, de retirada de direitos”, diz. “No momento, ele prepara a votação da PEC que limita os gastos públicos à inflação do ano anterior e a entrega do pré-sal. O que ganhamos com esse acordo?”
Para o senador, o apoio a Maia dificulta a resistência ao impeachment. “Não podemos voltar à prática do pragmatismo. Sabemos o que sofremos com a aliança com o PMDB. Não se pode apenas jogar o jogo interno do Congresso, tem de se olhar para fora.” O parlamentar diz “não ter dúvida” de que a eleição do democrata foi positiva para Temer ao distanciar o governo interino de Cunha. “Ele se livrou de um problema.”
Aliado de longa data do PT, o PCdoB também revelou rusgas internas. O partido lançou a candidatura de Orlando Silva no primeiro turno. Amealhou apenas 16 votos. No segundo, a bancada do partido votou em peso, com exceção das deputadas Jandira Feghali e Alice Portugal. Após a eleição de Maia, Jandira criticou as articulações de seu correligionário para apoiá-lo. “Ele (Silva) foi autorizado a tentar construir uma candidatura de unidade.
Agora, com essa articulação direta entre os dois, fiquei muito surpreendida.” À época, ventilou-se a possibilidade de o apoio estar relacionado à anulação da CPI da União Nacional dos Estudantes, entidade na qual o PCdoB tem forte presença. Embora tenha sido um dos signatários da criação da comissão, Maia manteve a decisão de Waldir Maranhão, seu antecessor, de barrar a instalação da CPI.
Ao lançar sua candidatura como forma de marcar posição, Luiza Erundina, do PSOL, ganhou o apoio de 22 deputados no primeiro turno. Como a bancada da legenda tem seis integrantes, a candidata à prefeitura de São Paulo recebeu votos de outros partidos do campo progressista, o que reforça o desgaste de alguns deputados com o pragmatismo de suas legendas.
Nas duas maiores cidades do País, o PSOL mostra-se fortalecido em comparação ao PT e ao PCdoB na largada da disputa municipal deste ano. Em São Paulo, o prefeito petista Fernando Haddad está em quarto nas pesquisas, com 8% das intenções de voto, segundo levantamento mais recente do Datafolha. Erundina surge à frente do candidato à reeleição, com 10%. Apoiada pelo PT, Jandira lançou sua candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro, mas terá dificuldade em superar Marcelo Freixo, do PSOL, que surge em segundo em pesquisas preliminares, atrás de Marcelo Crivella, do PRB.
Carregado pela polícia ao tentar evitar uma reintegração de posse, Suplicy oferece a metáfora de uma velha utopia. (Marcelo Camargo/ ABr)
Enquanto o PSOL parece acenar para a parcela da esquerda desiludida com os equívocos petistas, a principal legenda do campo progressista deve lavar a roupa suja em um congresso a ser realizado após as eleições municipais. Enquanto Lindbergh defende “enterrar o pragmatismo” dos últimos anos, Damous afirma que o PT tem várias identidades em disputa. “Isso só vai ser resolvido em um grande debate com a militância partidária.”
Há quem ainda dê de ombros para o pragmatismo e valorize a importância de atos simbólicos no PT. Candidato à vereador paulistano, o ex-senador Eduardo Suplicy foi preso na segunda-feira 25 após protestar contra a reintegração de posse de um terreno ocupado por 350 famílias.
Suplicy deitou-se na rua e foi levado pela polícia militar após se recusar a deixar o local. As imagens do ex-senador sendo carregado pelos agentes rodaram o País. Embora o episódio tenha aspectos de autopromoção, os valores que moveram o senador a tentar barrar a reintegração são um alento para uma militância cada vez mais carente de referências. Se o objetivo é recuperar a utopia perdida, nada melhor que um pouco de rebeldia para animar as bases.
*Reportagem publicada originalmente na edição 912 de CartaCapital, com o título "O preço do pragmatismo". Assine CartaCapital.
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