Thomas Mann retrata, de forma insuperável, na sua obra, a decadência da burguesia. Uma classe que se sente esgotada, superada, perto da sua morte, e assim não consegue ver nada além de si mesma. Sua decadência é a decadência do mundo.
A triste decadência de FHC o faz viver algo assim. Sente que se exauriu, ele, seu partido, seu mundo. E não consegue ver nada além desse mundo podre. E confunde sua decadência, o esgotamento do que ele representou, a podridão daquilo em que se tornou, o partido que ele criou à sua imagem e semelhança, com a decadência, o esgotamento, a podridão do mundo. Autorreferente como ele é, confunde sua decadência com a decadência do mundo.
Ele pode dizer que viveu, na sua obra, a ascensão da burguesia brasileira, de forma crítica, depois se projetou como representante dela, mas já na sua fase decadente. Quanto chegou ao poder, acreditava – junto com os Frias, da Folha – que nada mais seria como antes no Brasil. Seria a Era FHC, como dizia o caderno dos Frias, que depois desapareceu de fininho.
FHC tomou seu governo como a vingança contra o PT, a esquerda, Lula, o movimento sindical e os movimentos populares em geral. Ele iria demonstrar como a história contemporânea caminhava em outra direção, sinalizada por Francois Mitterrand e por Felipe Gonzalez. Ele seria a voz inteligente da "terceira via" na selvageria do Terceiro Mundo.
Controlada a inflação, tudo se arranjaria no Brasil. Tanto assim que ele se elegeu e reelegeu no primeiro turno, duas vezes. Mas a terra se movia sob os seus pés e ele teimava em não se dar contra. Não ouvia, como não ouve ninguém. Da realidade, só o que o espelho lhe reflete.
Resultado: danou-se. A economia entrou na mais prolongada crise da sua história, da qual só saiu no governo Lula. Até o controle da inflação, que tinha eleito e reeleito FHC, desandou. Ele entregou o governo a Lula não só com essa crise, como com inflação de 12,5% ao ano. Não conseguiu eleger seu sucessor e, ao contrário, seu partido foi derrotado sucessivamente nas quatro eleições seguintes, demonstrando seu fracasso e a imagem negativa que o povo tem dele.
Mas o pior estaria por vir para o derrotado FHC: o sucesso de Lula como presidente, como estadista, como líder mundial, passou a ser o fantasma que não deixa dormir FHC, com sua vaidade ferida cotidianamente. O sucesso de Lula é a confirmação de seu fracasso. O amor do povo a Lula é o ódio do povo a ele. O prestígio de Lula no mundo apagou completamente a imagem de FHC.
Ele passou a dedicar todos os anos que lhe restam de vida a expressar esse rancor, essa frustração, a confundir sua decadência com a decadência do país, a decadência do seu partido com a decadência de todos os partidos. Nisso, sua mente se embotou. Ele não vê mais nada do que o fantasma do Lula, ele vê tudo na ótica do destino de Lula. Com o pânico de Lula voltar a ser candidato e retornar à presidência nos braços do voto do povo.
A visão de alguém na situação de FHC é a de confundir sua decadência com a decadência do país, do mundo, de tudo. Como ele não tem lugar no futuro do Brasil, nega que o país tenha futuro. Como o povo não o quer, nega a existência do povo. Como a democracia é a via para que de novo governos que neguem o que ele representou sigam triunfando, ele aderiu ao golpe e nega a democracia.
É um fim patético de carreira pública para FHC, em que ele se torna cada vez menor, identificando-se com o de mais cavernário existe no país, já sem qualquer espírito crítico ou de humor, apenas repetindo os clichês gerados pelo que de pior tem o país. Sua decadência irreversível se identifica com a decadência irreversível da direita brasileira, que fez dele seu ídolo e hoje tem nele uma de suas expressões mais degradadas e imorais.
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