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Jornal GGN - Uma exame da lista de juízes e desembargadores investigados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feito pela Agência Pública, mostra que, mesmo quando a acusação é de venda de sentença, o caso nem sempre segue para a Justiça criminal e a pena se reduz à aposentadoria. A reportagem teve acesso aos nomes de jupizes e desembargadores alvos do Conselho nos últimos anos e verificou que a maioria teve esse destino. Quando não, ainda aguarda recursos no Supremo Tribunal Federal.
Por Vinícius Assis
Na Agência Pública
“Podemos dizer que, em um universo de mais de 16 mil juízes, os casos de condenação criminal são raros, o que demonstra que, em sua imensa maioria, os juízes brasileiros são pessoas sérias e comprometidas com a função constitucional que desempenham”, diz o presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso (Ajufesp), Fernando Marcelo Mendes.
A recente condenação a seis anos de prisão da juíza federal Maria de Luca Barongeno, da 23a Vara Cível de São Paulo, em agosto passado, é citada por ele como exemplo de que “não há qualquer tipo de imunidade aos juízes que, como qualquer cidadão, respondem penalmente por atos que praticarem e que forem considerados crimes”.
No entanto, frisa o magistrado, cabe recurso e, portanto, “não é possível se fazer qualquer valoração quanto à responsabilidade dos fatos que estão sendo apurados” [nesse caso]. A ação tramita sob sigilo no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP-MS) e, de acordo com o advogado da juíza, Alberto Zacharias Toron, ela vai recorrer: “Nós já opusemos embargos declaratórios”, adiantou.
Há outros motivos para que os juízes raramente sejam processados além da citada integridade. A maioria das irregularidades cometidas por juízes no exercício de suas funções é investigada e punida no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão fiscalizador. São processos administrativos, não criminais, e, mesmo quando as denúncias se referem a crimes graves, como a venda de sentenças, a punição máxima que o CNJ pode aplicar é a aposentadoria compulsória.
“A aposentadoria com vencimentos como punição máxima não é algo adequado numa democracia. E já tem essa discussão no Supremo”, diz Ivar Hartmann, professor de Direito Constitucional e Direito de Tecnologia da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. “Só o Supremo Tribunal Federal [STF] está acima do CNJ. Portanto, é a única via de recurso”, afirma o professor.
Hartmann explica que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais têm o poder de abrir processos criminais contra magistrados (que podem terminar condenados à prisão) desde que denunciados pelo Ministério Público (MP) após inquérito policial. O MP também pode mover uma ação contra um magistrado julgado pelo CNJ sempre que considerar que o caso merece pena maior, mas isso não é obrigatório. Por outro lado, o CNJ pode abrir uma nova ação contra algum magistrado julgado pelas corregedorias locais se não concordar com a decisão final. “É positivo que as investigações e processos disciplinares ocorram paralelamente, que não sejam limitados a um só órgão. Quanto mais órgãos competentes para investigação existirem, melhor”, diz o professor da FGV.
A Pública teve acesso à lista dos 72 magistrados punidos pelo CNJ desde 2005, quando o Conselho começou a atuar. Os nomes obtidos pela reportagem foram confirmados pelo órgão. Foram 50 juízes e 22 desembargadores punidos, de um total de 101 investigações abertas pelo CNJ, chamadas formalmente de Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs). Entre esses 72 magistrados, 46 foram aposentados compulsoriamente. Em termos regionais, o Mato Grosso foi o estado que mais teve magistrados punidos: 11. Em relação ao período, 2010 foi o ano em que o CNJ mais puniu magistrados: 22 (em seis estados).
“É importante destacar que processar um juiz é mesmo algo complicado, de acordo com o nosso sistema legal, porque eles recorrem ao STF e muitas vezes nossas decisões monocráticas ou colegiadas do CNJ são revogadas até monocraticamente em medida cautelar”, disse a ministra Nancy Andrighi, que, após um mandato de dois anos como corregedora do CNJ, acaba de reassumir seu cargo na Terceira Turma do STJ.
Segundo a assessoria do STF, porém, 38 aposentados compulsoriamente pelo CNJ entraram com recursos no STF desde 2005. A grande maioria – 36 – não conseguiu reverter a situação.
Investigados de norte a sul
Qualquer cidadão pode encaminhar uma reclamação contra um magistrado ao CNJ, mas nem todas as sindicâncias se tornam Procedimentos Administrativos Disciplinares (PAD). Primeiro, o corregedor nacional de Justiça precisa convencer o plenário de que é necessário investigar o caso mais profundamente, garantindo, inclusive, o amplo direito de o magistrado se defender. Aprovado pela maioria, o PAD é aberto e pode terminar com a punição do investigado ou não.
“Nossa atuação não consiste apenas em punir, mas verificar in loco o que está acontecendo e orientar a busca da solução. Quando inicio a apuração de alguma conduta aparentemente irregular de magistrado, sempre decreto o sigilo porque procuro tratar tudo com muito cuidado. A honra das pessoas deve ser resguardada, e a honra de um juiz ainda mais por ser ele o guardião da Justiça na sua comarca”, diz a ministra Nancy Andrighi.
Tanta cautela resulta em longos processos para o CNJ afastar definitivamente o juiz. A Pública teve acesso a um PAD acolhido por unanimidade pelos conselheiros em junho deste ano que investiga o desembargador Amado Cilton Rosa, do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Acusado de venda de liminares de habeas corpus em uma ação penal originada em uma investigação da Polícia Federal (PF) sobre corrupção na Justiça de Tocantins em 2010, ele foi afastado do cargo no ano seguinte pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O CNJ, por sua vez, já havia instaurado uma sindicância sobre o caso em abril de 2011. Só agora, porém, com a autorização da abertura do PAD pelo plenário do CNJ, ele poderá ser aposentado compulsoriamente, mesmo que seja absolvido na Justiça criminal.
De acordo com as informações do PAD, as liminares seriam negociadas no gabinete do desembargador, com a participação da esposa dele, que trabalhava no TJTO como técnica judiciária. Ela foi afastada em junho de 2011 pelo STJ. Cada liminar custaria em média R$ 50 mil. O CNJ espera comprovar, como apontam as investigações, que esse teria sido o valor pago – em duas parcelas – pelo habeas corpus (HC 4986/TO) que beneficiou Fábio Pisoni, acusado de ter assassinado o estudante Vinícius Duarte de Oliveira, em 8 de dezembro de 2007, no município de Gurupi, a quase 250 km de Palmas. O habeas corpus teria sido negociado 11 dias após o crime, mas acabou derrubado pelo pleno do TJTO por 3 votos a 2.
O CNJ investiga também se o desembargador negociou com o mesmo advogado habeas corpus para dois presos, estes por tráfico de drogas, em 2011. A assessoria do TJTO disse que o tribunal não se manifesta sobre processos em andamento e não informou o contato do desembargador. A Pública não conseguiu localizá-lo.
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