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Com iminência de implementação de reforma curricular no Ensino Médio, pesquisadores apontam equívocos e retrocessos em retomadas que remontam aos anos 40
O Governo decide, até o fim da semana que vem, se envia ao Congresso Nacional medida provisória referente à reforma do Ensino Médio, segundo informações do Ministro da Educação (MEC), Mendonça Filho.
A partir do baixo resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o ministro afirmou que a situação da última etapa da educação básica é crítica e prioridade no momento. A meta esperada para 2015 nas escolas públicas era de 4,3, porém o índice ficou em 3,7.
A medida provisória aparece como uma opção para o ministro, em caso de dificuldade para aprovação do projeto de lei sobre a mesma temática, que já está em tramitação no Congresso.
Para Paulo Carrano, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), 1º Secretário da ANPEd e pesquisador na área de educação e juventude, um resultado baixo no IDEB já era esperado pelas condições das escolas atualmente, mas ressalta que, apesar dessa nota, tal índice é apenas um dos parâmetros de qualidade e não deve ser absolutizado.
“Agora, esta [proposta] do ministro querer resolver a qualidade da educação por decreto chega a ser risível. Mas, exemplifica o caráter autoritário deste governo que não aposta no princípio da formulação participativa das políticas públicas. A Medida Provisória exemplifica, neste caso, a ausência de legitimidade política dos que chegaram ao poder sem o voto popular.”
A nova proposta prevê uma flexibilização do Ensino Médio — as disciplinas seriam organizadas por áreas de conhecimento, com todos os alunos frequentando um ano e meio de aulas comuns e, após esse período, podendo optar por áreas específicas de estudo ou iniciar um percurso de ensino técnico profissionalizante.
Em entrevista ao portal de notícias O Globo, a secretária-executiva do MEC afirma que é preciso fazer uma mudança estrutural na organização de todo o Ensino Médio.
“Seria uma forma de estimular alunos a ter mais compromisso e vontade de aprender, com a possibilidade de itinerários formativos de acordo com suas aspirações. O mais importante é que o jovem, com a nossa proposta, terá a possibilidade de um duplo diploma: de ensino técnico e de ensino médio. Hoje, ele tem que cursar o ensino médio para depois fazer um técnico, ou então cursar o médio de manhã e o técnico à tarde.”
Para Dante Henrique Moura, professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), essa flexibilização está relacionada ao objetivo de baratear o ensino público, comprometendo a educação das classes mais empobrecidas do país.
“Os que ocupam posição mais privilegiada na hierarquia socioeconômica nunca se submeteram nem se submeterão aos limites das reformas educacionais, como foi no caso da reforma promovida pela Lei n. 5.692/1971.”, relembra.
Ele afirma que a direção que o governo do Presidente Michel Temer está seguindo, não apenas na Educação, é um ataque aos direitos sociais e de subordinação aos interesses do mercado.
“Não é à toa que no documento Ponte para o Futuro (que futuro?) está explícito que ‘é necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação…’. Além disso, e de forma coerente com essa racionalidade, os discursos e ações do atual governo colocam a questão da desvinculação como medidas centrais, juntamente com a reforma da previdência que visa eliminar direitos da classe trabalhadora.”
Desde 2013, dois Projetos de Lei (6.840/2013 e o 5.115/2013) tramitavam no Congresso Nacional com objetivo de reformar essa etapa do ensino. Atualmente o PL 5.115/2013 foi apensado ao 6.840/2013, com o objetivo de alinhar o projeto de lei às diretrizes da Base Nacional para o Ensino Médio, que atualmente está em fase de construção.
Para diversos intelectuais, professores e pesquisadores da área, esses PLs representam um regresso de 40 anos na educação e comparam ao modelo instaurado na Ditadura da Era Vargas.
Nomeado de Reforma Capanema, esse sistema se organizaria a partir de uma divisão econômico-social do trabalho. Os estudiosos ressaltam que a reforma afetará apenas a escola pública, com estes alunos sendo privados de um Ensino Médio completo, com todas as disciplinas e em seu caráter de unidade.
O professor Moura mostra preocupação com a dualidade estrutural do sistema acadêmico a partir da separação obrigatória do Ensino Médio e do Ensino Profissionalizante técnico de nível médio, resultado do PL 5.115/2013.
“A proposta avança ainda mais, porque além de manter a vinculação do prosseguimento de estudos em nível superior à área do curso técnico cursado, restringe o acesso apenas aos cursos de graduação tecnológica, proibindo que os concluintes de cursos técnicos ingressem em cursos de licenciatura ou de bacharelado. Por esse aspecto, o retrocesso é, no mínimo, aos anos 1940.”
No início do ano, o MEC adiou a entrega da parte condizente ao Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para março de 2017, que pela lei deveria ser entregue em junho deste ano.
Isso ocorre devido a enxurrada de críticas à primeira versão do texto da BNCC, que apontaram incoerências na sua construção. A segunda versão já foi encaminhada ao MEC no final de agosto, construída a partir de um comitê gestor organizado pelo ministério, contando com consulta on-line (12 milhões de contribuições) e seminários estaduais realizados entre os dias 23 de julho e 9 de agosto.
Contudo, para Dante a construção dessa reforma não dialoga de forma eficaz com os professores, que estariam “simplesmente alijados do processo em curso. Sequer os dirigentes das instituições educacionais da rede federal de EP e das secretarias estaduais de educação estão sendo comunicados do que está concebido”.
Como uma das justificativas para reforma, a secretária-executiva do MEC afirma que a maioria dos alunos saem da escola porque não veem sentido nela.
“É preciso renovar as práticas pedagógicas em sala de aula, de modo que os professores trabalhem tanto conhecimentos gerais quanto habilidades socioemocionais. Os alunos precisam ter acesso às novas tecnologias, porque a escola de Ensino Médio se tornou monótona, desagradável. Não faz sentido para o jovem digital, conectado o tempo todo. Ele não tem paciência para uma aula expositiva de um conteúdo que muitas vezes não faz sentido para ele.”
Gaudêncio Frigotto, professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador na área de educação e ensino tecnológico, afirma que hoje existe um fetichismo tecnológico, e por mais que o professor tenha que se atualizar as escolas precisam antes de tudo oferecer recursos e condições para o professor exercer seu trabalho com qualidade.
“Esses reformistas usam o argumento do aluno digital para seduzir e falsear a questão por trás disso na Reforma do EM. Se o professor tiver, como o PNE diz, 20h em sala de aula no máximo e 20h para se preparar, ele vai fazer aulas boas.”
Para o 1º Secretário da ANPEd, Paulo Carano, é importante “lembrar do interesse dos jovens em participar da reformulação do Ensino Médio, de modo que as aprendizagens façam sentido em suas vidas”.
O pesquisador acompanhou os movimentos de ocupações e afirma que o jovem expõe a falta de envolvimento e diálogo nas escolas.
“De fato o Ensino Médio precisa de uma profunda transformação mas em diálogo com as experiências e expectativas de estudantes e professores que produzem os cotidianos das escolas.”
A reforma também recebe outras críticas, que expõem o distanciamento da proposta com a realidade da juventude brasileira. Um dos pontos é a vinculação do ensino superior à opção realizada no EM, numa idade (apenas 16 ou 17 anos) em que os estudantes estão em constante mudança e desenvolvimento.
Dante analisa isso como desrespeito à liberdade de escolha da trajetória acadêmica e de vida dos sujeitos, “simplesmente impensável em um regime democrático e de direito, mesmo considerando uma concepção liberal de sociedade e de direito”.
Para Monica Ribeiro da Silva, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do Movimento em Defesa do Ensino Médio, outro ponto falho é a exigência do cumprimento da jornada completa de 7 horas diárias. Isso se dá pelo fato de que no Brasil aproximadamente 2 milhões de jovens trabalham e estudam, dessa forma eles não teriam condições de cumprir essa jornada dupla.
Ela ressalta que as escolas também não possuem estrutura física e material para tal. “Propor a obrigatoriedade do tempo integral demonstra total ignorância sobre quem são os brasileiros que estudam no Ensino Médio. Demonstra também o desconhecimento a respeito da rede de escolas que temos, o desconhecimento das condições em que se realiza atualmente a formação e o trabalho docente, dentre outros aspectos fundamentais para um ensino médio de qualidade.”
A professora ressalta que uma reformulação no EM não pode ser apenas curricular.
“É preciso pensar nessa amplitude de elementos: a formação do professores; as condições do trabalho docente; a estrutura física e material das escolas; políticas de assistência ao estudante, dentre eles. Colocar a reformulação do EM somente no currículo é um reducionismo, uma simplificação.”
Assim como Monica, outras pesquisadoras e pesquisadores deixam claro a necessidade de melhores estruturas físicas e materiais na educação. Maria Margarida Machado, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e ex-presidente da ANPEd, pontua que cursos técnicos exigem condições como laboratórios e equipamentos.
“O arremedo de formação técnica que se propõe no PL nada mais tem a confirmar do que a volta a uma falácia dos anos 1970 e 1980: dizer que se está formando técnicos em cursos de baixo custo, que não demandarão das redes estaduais as mudanças necessárias que precisam ser feitas em torno dos equipamentos básicos para se pensar uma formação em um currículo integrado.”
Margarida relembra que no Plano Nacional de Educação (PNE) ficou estabelecido que até o final da década 10% do PIB deverá ser destinado à Educação, argumentando que tal meta é viável ao se levar em conta a posição do Brasil como maior economia da América Latina e 9ª maior economia do mundo em relação ao seu PIB.
“Temos a clareza de que a melhoria da educação pública brasileira está nas mãos de decisões políticas, não é um problema de fontes de recursos. O que passa nesse PL é que as intenções privatistas que o circundam deixam bem claro que o favorecimento das medidas propostas não é para o fortalecimento de uma educação pública de qualidade, mas para seguir sucateando essas escolas e favorecendo, com subsídios públicos a ampliação da matrícula do Ensino Médio no setor privado.”
Resistência
Para Dante, é necessário que as forças progressistas do país se organizem numa resistência em todas as frentes da sociedade para que medidas dessa natureza não se materializem.
“É necessária a união das forças que se opõem a esse ataque aos pequenos avanços alcançados nos últimos anos. Em um momento como o presente, é fundamental maximizar os pontos de convergência e minimizar as diferenças/divergências visando unificar as bandeiras de luta.”
Exemplo de mobilização e vigilância encontra-se no próprio Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, criado em 2014, além do Observatório do Ensino Médio, da UFPR.
A equipe de reportagem tentou entrar em contato com a assessoria da secretária-executiva, Maria Helena, mas não obteve resposta.
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