terça-feira, 8 de novembro de 2016

Está cada vez mais difícil o devedor escapar do credor, por Percival Maricato

             http://jornalggn.com.br/

Direitos

Está cada vez mais difícil o devedor escapar do credor

por Percival Maricato

No mundo do futuro não haverá vida clandestina

Houve um tempo, em civilizações da antiguidade, que era comum o sujeito ser escravizado por não pagar a dívida. Posteriormente houve uma evolução e então se permitia apenas prisão. Nos tempos atuais, o credor pode penhorar recursos financeiros do devedor (dinheiro em conta bancária por exemplo) ou se não consegui-lo, penhorar bens e leva-los a leilão ou até ficar com eles em definitivo, se não aparecer quem os arremate. Não pode porém penhorar poupanças até 40 salários mínimos, salário ou aposentadoria, ou o bem de família (imóvel onde vive o devedor, ainda que solteiro, ou que seja um único que ele alugue para viver com os recursos obtidos).

Se o devedor nada mais possui, então não há como receber a dívida. Pode voltar a tentar cobrá-lo se ele mudar sua situação, receber uma herança ou ganhar na loteria.

Com a evolução da eletrônica está cada vez mais difícil fugir ao credor. Hoje em dia este pode lançar mão de vários expedientes impensáveis anos atrás. Pode por exemplo, pedir ao juiz que consulte onde o devedor reside, através do Serasajud, resultado de convênio entre o SERASA e o Judiciário ou pelo Infoseg, que faz buscas em cadastros de secretarias de segurança ou demais fóruns do país; se tem veículos pode consultar o Renajud; se tem recursos em bancos, o Bacenjud (convênio Judiciário-Banco Central); se tem bens declarados no imposto de renda, saberá pelo Infojud; se tem imóveis (muitas vezes não são declarados a Receita Federal), pelo SREI, Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis.

O juiz pode determinar buscas, ainda, nos tribunais eleitorais, empresas de telefonia celular, cartões de créditos, planos de saúde, enfim, em muitas de registro obrigatório ou que fornecem produtos e serviços que todos necessitam. Já está em funcionamento experimental equipamentos que interligam câmeras postas em prédios e ruas que identificam o sujeito pela face ou onde está um carro na cidade ou em rodovias, pela placa. Deixar de pagar dívidas, entrar nas relações de inadimplentes, significará mais que não ter crédito: o devedor poderá também não ter paz.

Tudo indica que no mundo do futuro, não haverá clandestinidade possível, algo tão usado por movimentos de resistência às ditaduras. A possibilidade do vivente desenvolver meios para fugir da localização imediata ou confundir os meios eletrônicos pode até acontecer, eventualmente, mas jamais competir com os que terão quem faz a busca.

O direito pode ajudar parte dos devedores, se evoluir no sentido prestigiar os avanços civilizatórios em vez de tomar o sentido contrário. A maioria dos devedores o são por se deixarem envolver por ofertas tentadoras de créditos oferecidos pelo sistema financeiro ou comercial, pelos apelos ao consumismo, o que pode obstar o uso de fórmulas abusivas quando ele não pode pagar. A prescrição da dívida, que ocorre em cinco anos, quando o credor não a cobra ativamente, pode ser reduzida. Considere-se ainda a responsabilidade também de quem oferece o crédito, a publicidade intensa, promessas de facilidades, de acesso ao paraíso. Por fim, muitos assumem dívidas para sobreviver, fazer um tratamento médico, manter a habitação etc. Muito mais que nas demais, a cobrança dessas dívidas poderão ter limites restritos, jamais se pode permitir que fira a dignidade do devedor, a humanidade inerente a existência e a vida em sociedade.

Mas tudo indica que não será fácil avançar por esse caminho. Se fôssemos tomar o momento atual como parâmetro, seria mais fácil acreditar na volta da prisão ou escravização do devedor.
Percival Maricato

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12