Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Num dia Pondé – aquele que não pega mulher porque é de direita - acusou os juízes de serem petistas, no outro Gilmar Mendes proibiu as conduções coercitivas ilegais. Em seguida, começamos a ver o Facebook e o Twitter serem inundados com ataques aos “juízes vermelhos”que supostamente dominam o STF. Herói dos golpistas por causa de suas decisões a favor de tucanos e contra petistas, Gilmar Mendes passou a ser atacado ferozmente pela imprensa e teve seu número de telefone publicado no Twitter.
O uso da expressão “juízes vermelhos” remete ao anti-comunismo. Essa modalidade de discurso, que era utilizada pela direita durante a Guerra Fria para criminalizar seus opositores, foi reciclado e ganhou força durante a intensa campanha contra Dilma Rousseff. Ao encaixar o velho anti-comunismo no anti-petismo (modalidade discursiva recente que se tornou popular em razão da campanha de Aécio Neves) a imprensa conseguiu ressuscitar o que há de mais irracional na política brasileira: o medo do vermelho e sua criminalização.
Nas igrejas evangélicas a cor da justiça, que passou a ser utilizada por comunistas e petistas por razões óbvias, se torna a cor do demônio.
NÃO USAR CORES PRETA E VERMELHA
Seja em objetos, roupas, calçados e etc. Essas são cores usadas para identificação satânicas. Relata o cavalo vermelho que veio tirar a paz da Terra e matar os homens e o preto como juiz (somos conhecedores que não temos esta autoridade: de sermos juízes). Em Ap 6:4,5
A referência bíblica torna o discurso plausível aos olhos dos crédulos e ignorantes:
4 E saiu outro cavalo, vermelho; e ao que estava assentado sobre ele foi dado que tirasse a paz da terra, e que se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada.
Na Antiguidade os tecidos vermelhos eram extremamente raros e caros. Segundo alguns especialistas, o livro do Apocalipse foi escrito durante a intensa perseguição dos cristãos por Nero. Isso talvez explique a cor do cavalo referido no texto, pois naquele contexto a rejeição do vermelho sempre poderia ser entendida como uma rejeição a suntuosidade da corte romana.
É óbvio, entretanto, que nenhum pastor anti-petista vai discutir a vida cotidiana da Antiguidade com seu público caso queira associar a cor vermelha (do PT) ao Apocalipse narrado no livro que ele utiliza como fonte de renda e ferramenta para a construção de consenso político. O vermelho é o mal e o apocalipse será comandado por um cavaleiro petista, portanto, vote apenas no candidato indicado pela sua igreja – esta é, em síntese, a mensagem que será gravada na consciência do crédulo.
A irracionalidade política só pode ser espalhada num ambiente religioso em que a verdade factual não é objeto de discussão e o temor reverencial ao pastor inibe perguntas incômodas. Fora das igrejas a ideologia se espalha de maneira bem mais singela: ódio.
Na farmácia da CAASP/OAB em São Paulo, um advogado a favor da privatização da Petrobras e da entrega do Pré-Sal aos estrangeiros interrompeu minha conversa com outra advogada. Ele acusou-me de ser vermelho. “Minha OAB é vermelha. A sua é amarela?” – respondi zombeteiro deixando-o ainda mais irritado.
A cor amaldiçoada pela extrema-direita brasileira e a justiça sempre andaram de mãos dadas. Na Alemanha os juízes da Suprema Corte usam becas vermelhas para não ser confundidos com os promotores e advogados.
Os juízes alemães puniram os criminosos nazistas que conseguiram localizar. Os neo-nazistas brasileiros que durante 20 anos massacraram os trabalhadores e seus representantes, torturando milhares de pessoas e matando vários deles, podem ser facilmente localizados, mas eles não foram punidos. Muito pelo contrário, alguns deles (este é o caso do Coronel Ustra) são tratados como se fossem heróis dentro e fora da Câmara dos Deputados.
Infelizmente não temos “juízes vermelhos”, ou seja, homens sensatos e justos capazes de fazer justiça inclusive e principalmente contra os neo-nazistas antigos e novos. Isso explica porque eles só se sentem à vontade na presença dos “outros juízes”, daqueles que ganham acima do teto, apoiaram o golpe de 2016 e instrumentalizam as ilegalidades cometidas pela Lava Jato.
Mas isto não quer dizer que Gilmar Mendes seja um “juiz vermelho”. Muito pelo contrário, desde que foi enfiado no STF ele forneceu provas inequívocas de que é, foi e sempre será um “juiz azul” fiel ao PSDB. Sem entrar no mérito da legalidade ou não da decisão dele, suponho que ele interrompeu os abusos judiciais apenas para proteger as lideranças tucanas de São Paulo. José Serra, Geraldo Alckmin et caterva afundaram num mar de lama que poderia muito bem justificar que dezenas de amigos deles sejam coercitivamente conduzidos para depor. O resultado seria a implosão final do partido de FHC.
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