domingo, 17 de dezembro de 2017

Volkswagen fazia até Boletim de Ocorrência

Departamento de Segurança Industrial da montadora alemã atuava no Brasil em parceria com o Dops, a polícia política da ditadura

LUIZA VILLAMÉA

Imagem do acervo do Dops indica “agitador” nas imediações da VWFoto: Arquivo Público do Estado de São Paulo

É no mínimo surreal. O Departamento de Segurança Industrial da Volkswagen registrava até Boletim de Ocorrência (B.O.). Depois, despachava cópia para o Dops, a polícia política da ditadura. Apenas a Coleção “OS 1148” do acervo sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo contém cópia de 155 boletins lavrados pela empresa e remetidos ao Dops durante 13 dias – de 25 de abril a 8 de maio de 1980.
O período se encaixa entre os 41dias de uma greve por reajuste salarial que estremeceu o ABC paulista em 1980 e envolveu intervenção federal no sindicato, além da prisão de lideranças como Luiz Inácio Lula da Silva. A maioria dos B.Os. relata episódios de agressão ou ameaça de agressão por parte de piqueteiros a fura-greves. Algumas das denúncias, no entanto, são relativas a episódios ocorridos fora das dependências da empresa.

B.O. da “evasão de funcionário de hospital” com carimbo rosa do Dops Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo

Um dos B.Os. mais instigantes trata de “Evasão de funcionário VW de hospital”. Registra que um guarda da VW foi à casa de um funcionário do setor de prensas pesadas que abandonara o Hospital Bartira, em Santo André, “sendo o mesmo recolhido e conduzido àquele nosocômio naquela oportunidade, alegando ter se evadido do Hospital em questão por não conseguir dormir, em razão do barulho produzido por um outro paciente”.

Pelo registro da empresa remetido ao Dops, o funcionário tinha dado entrada no hospital devido a um “Trauma Craneano”. Não contente em conduzi-lo de volta ao hospital, o guarda da VW tratou de investigar o cidadão. Junto aos vizinhos, descobriu que ele “participava ativamente de Piquetes”. No final, a turma da Segurança Industrial avisa que o B.O. estava sendo elaborado “para registro dos fatos e posteriores deliberações”.

Não se sabe quais foram as “posteriores deliberações”. O certo é que o B.O. chegou ao Dops. No alto direito do documento foi inclusive estampado o carimbo rosa com cavalo marinho que simbolizava aquela polícia política. Quase 40 anos depois, a montadora ainda não acertou as contas com aqueles que espionou e denunciou. Só recentemente a VW da Alemanha reconheceu os erros e assumiu que há uma fatura em aberto.

Enquanto o tempo passa e a reparação não acontece, uma simples pesquisa no acervo do Dops traz à tona o passado comprometedor. Na ânsia de se alinhar aos que ocupavam o poder, a VW espionou até o clero, como mostra documento da Pasta 43 (“Informações e Relatórios da Volkswagen”), da Coleção “OS 320”. Trata-se de relatório sobre ato litúrgico celebrado por dom Angélico Sândalo Bernardino e outros dois bispos na Igreja da Consolação, em São Paulo. Oferta da VW à ditadura.

Polícia política catalogava e arquivava relatórios enviados pela VWFoto: Arquivo Público do Estado de São Paulo

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