Recém-contratado pelo Brasiliense, o ex-lateral da seleção se arrepende de ter trocado o Real Madrid por dinheiro e conta como a depressão e o alcoolismo frearam sua carreira
Cicinho, defendendo o Real Madrid, em 2006. AFP
Hoje, Cicinho, com passagens por Real Madrid, Roma e São Paulo, faz sua estreia pelo Brasiliense – clube que já figurou na Série A do Campeonato Brasileiro, mas atualmente está na última divisão nacional. Aos 37 anos, ele se motiva por um desafio de longo prazo: reconduzir a equipe de Taguatinga, no Distrito Federal, à elite do futebol. Em entrevista ao EL PAÍS, o ex-lateral da seleção brasileira reconhece que o alcoolismo e o deslumbramento com o sucesso prejudicaram seu percurso na Europa. E conta como driblou a depressão para retomar o prazer de jogar.
Pergunta. Para um jogador que já defendeu clubes como Real Madrid e a seleção brasileira, qual é a expectativa de voltar a jogar em um time de menor expressão?
Resposta. A expectativa é a melhor possível. E de ganhar títulos. Vamos participar de várias competições, como o Candango, Copa do Brasil e Série D. Eu estava parado há mais de um ano por causa de lesão. Voltar a jogar futebol é muito prazeroso. Ainda mais com o desafio de ajudar o Brasiliense a ser novamente um time grande no cenário nacional.
P. A motivação é semelhante à do início de carreira?
R. Motivação é o que não me falta. Eu creio que ainda tenho condições de jogar mais uns dois ou três anos. Para muitos, minha chegada ao Brasiliense é vista como fim de carreira. Mas eu vejo como um recomeço. Pelo que se tornou o futebol brasileiro hoje em dia, eu sei que tenho condições de apresentar um bom desempenho e voltar a jogar uma Série A, por que não?
P. O fato de ser um jogador com experiência internacional contribui em seu retorno?
R. Ajuda, mas também existe a cobrança. Eu fui contratado pra mostrar resultado, não pra jogar com nome. O futebol não funciona mais dessa maneira. Vou dar o máximo para superar as expectativas do clube e dos torcedores do Brasiliense.
P. O que representou para você a passagem pelo Real Madri?
R. Fui contratado pelo Real Madrid na época dos galácticos. Ali, foi o auge da minha carreira. Nunca imaginei jogar um dia num clube como o Real Madrid. Era o sonho de todo jogador. Vou poder dizer aos meus netos que fiz parte de um dos maiores times da história.
P. Por não ser tão conhecido na Europa, enfrentou alguma resistência de jogadores e torcedores ao chegar a Madri?
R. Quando cheguei ao Real Madrid, o Michel Salgado completava 11 anos de clube. Ele começou a sentir a posição ameaçada, algo que nunca tinha acontecido. Isso é natural no futebol. Mas não teve resistência. Eu fui muito bem recebido por todos no clube. A verdade é que, às vezes, até eu me perguntava o que estava fazendo ali [risos]. Era um vestiário cheio de craques. Vivi um sonho jogando em Madri.
P. Esperava que o Zidane, seu ex-colega de time, pudesse se tornar um treinador bem-sucedido?
R. Sinceramente, não. Eu não enxergava no Zidane o perfil de treinador. Liderança, ele sempre teve. Mas não imaginava que pudesse exercer uma função de comando. O técnico precisa cobrar muito, e o Zidane tinha mais o perfil de auxiliar, um apaziguador. Mas ele está provando que é bom em tudo que faz. Merece todo o sucesso que está tendo como treinador.
P. Ao deixar o São Paulo, quais eram seus planos para a empreitada no clube espanhol?
R. No Brasil, eu era uma unanimidade, já estava na seleção brasileira. Mas o Real Madrid era uma seleção mundial. Então eu sabia que seria preciso algo mais. No primeiro ano, consegui ir muito bem. Depois, me machuquei e as coisas acabaram não saindo como eu imaginava.
“Apareceu a oportunidade de ganhar mais dinheiro na Roma. E aí eu pensei no dinheiro, não na carreira. Poderia ter ficado no Real Madrid por muitos anos”
P. Por algo relacionado com vaidades ou ciúmes dos companheiros de equipe?
R. Não era questão de ciúmes. Como o Real tinha um elenco muito recheado, acabavam aparecendo as vaidades. Sim, isso tinha. Mas eram os galácticos, pô! O importante é que tudo se resolvia no vestiário.
P. O que pesou, então, em sua decisão de deixar o clube depois de uma temporada e meia?
R. Apareceu a oportunidade de ganhar mais dinheiro na Roma. E aí eu pensei no dinheiro, não na carreira. Poderia ter ficado no Real Madrid por muitos anos.
P. Se arrepende de ter saído tão cedo?
R. Com a experiência que tenho agora, eu agiria de outra maneira. Falar que eu não me arrependo? É óbvio que me arrependo de ter deixado o Real Madrid da forma que eu deixei. Poderia ter construído uma história vitoriosa por lá. Mas eu tenho que me conformar. Não posso ficar chorando pelo que já passou e não volta mais.
P. Você ganhou títulos por Real Madrid e Roma. Mas a impressão que se tem é de que poderia ter sido ainda mais vitorioso em sua trajetória pelo futebol europeu...
R. Eu era jovem e bem empolgado com a vida. Queria aproveitar o momento. A explicação é muito simples: eu me preparei para chegar ao sucesso, mas não para mantê-lo. Quando cheguei, não soube o que fazer. Era muito glamour, muita distração. E isso me atrapalhou bastante.
P. Há alguns anos, você revelou que conviveu com o alcoolismo e a depressão durante as passagens por Espanha e Itália. Os clubes tentaram te ajudar de alguma maneira?
R. O Real Madrid não sabia dos meus problemas com a bebida. Essa questão só veio à tona quando eu já estava na Roma. Até então, eu achava que sair e beber a noite inteira era uma coisa normal. Os clubes não foram culpados. O culpado fui eu, que adotei um estilo de vida incompatível com o que se espera de um jogador profissional. Tanto no Real como na Roma, nunca contei pra ninguém que estava sofrendo com depressão ou alcoolismo. Na verdade, só fui me dar conta disso mais tarde. Eles não puderam fazer nada por mim.
“O sucesso vem e vai embora mais rápido do que se imagina. E, depois que um jogador deixa se levar pela fama, não dá pra voltar atrás”
P. Qual o balanço você faz da sua carreira como jogador até aqui?
R. Eu joguei em uma das melhores épocas da seleção. Tinha muito talento, muita concorrência em todas as posições. O futebol me deu mais coisas boas do que ruins. As lembranças de ter jogado com tantos craques, em tantas equipes que fizeram história, são maiores que todos os problemas que eu vivi.
P. Adriano Imperador, com quem você jogou na seleção e na Roma, também passou por problemas semelhantes. Depressão e alcoolismo entre jogadores são uma realidade encoberta pelo glamour do futebol?
R. Nós, jogadores, somos os maiores responsáveis pelo que acontece em nossas vidas. O futebol tem o poder de criar ilusões, a carreira do atleta é curta. A gente acaba se entregando aos prazeres momentâneos e se esquece de planejar o futuro. O sucesso vem e vai embora mais rápido do que se imagina. E, depois que um jogador deixa se levar pela fama, não dá pra voltar atrás.
P. Se pudesse, voltaria atrás em alguma coisa?
R. Felizmente eu consegui superar a depressão e o alcoolismo. Quando me dei conta de que minha vida não estava no rumo certo, eu me apeguei a Deus e à minha família, que me ajudaram a tirar um peso enorme das costas. Sou realizado como jogador, sinto prazer em jogar futebol e, o principal, me vejo como uma pessoa bem melhor.
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