Os metroviários decidiram em assembleia realizada na última quarta (16) pela paralisação da categoria durante todo o dia de ontem, 17. O Sindicato dos Metroviários reivindica a não privatização das linhas 5 e 7 do metrô, que foram a leilão hoje. A categoria denuncia que leilão das linhas teria sido feito sob medida para a compra pela CCR, que acabou vencedora do certame.
Na licitação, o governo estipula um critério de habilitação técnica altamente limitador, destinando o contrato apenas às empresas que comprovarem a operação de sistema de Metrô com média de 400 mil passageiros diários, conforme nota divulgada pelo mandato da Vereadora Sâmia Bomfim, do PSOL/SP. Sendo o Grupo CCR/AS o único Grupo com capacidade econômica para disputar o Edital e que se enquadraria nesta exigência, o que indica um direcionamento dos critérios da licitação para favorecer o Grupo CCR, que já opera hoje a Linha 4- Amarela do Metrô. Vencendo a licitação, o grupo consolidaria o seu monopólio no transporte público sobre trilhos na cidade de São Paulo.
A greve atingiu todas as linhas do metrô As poucas estações e trens em funcionamento estão sendo operados por chefias de pessoal, sob ordens do Metrô. O sindicato denuncia a prática como antissindical, além de irresponsável com os passageiros, em razão do risco de acidentes. A greve também ocorre no contexto do aumento das passagens do transporte público da cidade de São Paulo, de R$3,80 para R$4,00.
Tornou-se chavão dizer que o Direito de Greve é constitucionalmente garantido, e que este é uma Direito Humano previsto em instrumentos internacionais de organizações como a dos Estados Americanos, da Organização Internacional do Trabalho. Infelizmente, essa realidade se deve em função do quanto esse direito é violado e não por reflexo da importância que a sociedade brasileira lhe confere.
Apesar de estar garantido em diversos instrumentos, o Direito de Greve no Brasil é violado de forma corriqueira, constante e institucionalizada por empresas e pelo Estado. Sem entrarmos em grandes detalhes, empresas, com o auxílio da grande mídia, incentivam constantemente a prática de “fura-greves” resumindo um debate de natureza coletiva à escolha individual de cada trabalhador de exercer, ou não, seu “direito de trabalhar”. De outra parte, o judiciário, por meio de ações de natureza possessória desfigura o conflito laboral, além de simplesmente encerrar diversas greves impondo multas surreais.
O Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho, formado por representantes de governos, empresário e trabalhadores, responsável por analisar queixas de violação à liberdade sindical, tem há muito se pronunciando pelo caráter antissindical dessas condutas. Para esse importante órgão da OIT, que desempenha um papel de interprete último nessa matéria, o transporte público não deve ser considerado “atividade essencial”, e, portanto, as restrições impostas pelos Estados a greves neste setor devem ser mínimas.
Mas o debate real não é esse. O debate real é o de qual modelo de sociedade está se reafirmando. Mas esse debate não interessa para a grande mídia, para as empresas e para o Estado. O caso da greve dos metroviários é sintomático. A greve é colocada como causa de problemas à sociedade e não como consequência de problemas preexistentes. Assim, enfatizam-se os diversos problemas situacionais causados pela greve ao invés de se observar a situação cotidiana dos trabalhadores e trabalhadoras, do transporte público, da locomoção e do acesso à cidade.
Vamos às perguntas que deveriam estar sendo feitas:
- Por que o direito de ir e vir e a qualidade da circulação de pessoas pela cidade só ganha destaque quando há greves?
- Por que os cidadãos devem aceitar a violência cotidiana de se submeter à vagões ultra lotados para chegar ao trabalho?
- Por que as passagens sobem de preço e não há nenhuma melhoria no transporte público?
- Por que as estações do metrô demoram décadas para serem entregues, e só o são em ano de eleição?
- Frente os diversos indícios de fraude e ilegalidade nas obras e licitações envolvendo os metros de São Paulo, não deveria ser feita uma grande investigação com ampla publicização?
- Se transporte é um direito, por que é tratado como um serviço?
- Por que nos sujeitamos à diversas formas de violência cotidiana, mas o problema é a “violência” das greves?
- A política do Governo do Estado de São Paulo de privatizar o transporte sobre trilhos é o caminho correto para dar mais efetividade ao direito ao transporte público à locomoção e acesso à cidade?
Em nossa visão, a greve dos e das metroviárias mostra que as violações ao direito à cidade da população paulistana podem ser verificadas muito antes no aumento reiterado do valor das passagens, que ocorre todos os anos; na demora e nas repetidos adiamentos de entrega de obras de novas linhas do metrô; nas repetidas falhas técnicas, atrasos e superlotação dos trens em horários de pico; no deliberado sucateamento do serviço com o intuito de justificar privatizações; a manipulação de licitações para favorecimento de empresas e formação de cartel; no calote de mais de 1 bilhão de reais do governo do estado ao Metrô entre 2011 e 2015; nas tentativas de terceirização das bilheterias, o que já aconteceu com os postos de recarga de bilhete único, com o intuito de baratear os custos com a operação cortando gastos com os trabalhadores – fazendo recair novamente sobre eles os ônus de salários mais baixos, desagregação sindical e falta de estrutura de trabalho e segurança (como foi o caso da trabalhadora estuprada por dois homens dentro da cabine de Recarga de Bilhete Único em abril de 2015).
Parabéns ao Sindicato dos e das Metroviárias pela greve! Sua violência é ínfima, e justa e comparação com a violência cotidiana perpetrada pelo Governo do Estado de São Paulo.
Lúcia Midori Kajino, Mariana Salinas Serrano e Fábio Tibirçá Bon, Sócias de SKB Advocacia.
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