Mike Hestrin, promotor de Riverside, anuncia as acusações contra os Turpin. LUCY NICHOLSON (REUTERS)
As 13 crianças sequestradas pelos pais dormiam de dia e tomavam banho uma vez por ano.
Nunca tinham visto um policial ou um remédio
PABLO XIMÉNEZ DE SANDOVAL / Riverside
Viviam de noite e dormiam de dia, por isso há anos ninguém os via. As crianças não comiam, não viam a luz do sol, não sabiam o que era um policial ou um remédio. Há dois anos estavam planejando a fuga. Finalmente, uma garota de 17 anos reuniu coragem suficiente para sair por uma janela de sua casa, ligar para a polícia e trazer à luz um dos casos mais terríveis de abuso infantil já visto nos Estados Unidos. Na quinta-feira foram conhecidos os primeiros detalhes da casa dos horrores de Perris, Califórnia, onde a polícia encontrou 13 irmãos entre dois e 29 anos, subnutridos e malcheirosos, sequestrados por seus próprios pais.
A conferência de imprensa do promotor do distrito de Riverside, Mike Hestrin, para explicar as acusações contra David e Louise Turpin revelou o inferno que estava escondido em uma casa de classe média a 120 quilômetros a leste de Los Angeles e que foi descoberto pela polícia às 7h da manhã do domingo, dia 14 de janeiro.
A família inteira dormia às 5h ou 6h da manhã, disse o promotor. Dormiam o dia todo e ficavam acordados a noite toda. A casa fedia. As crianças só tinham permissão de tomar banho uma vez por ano. Se lavassem as mãos acima dos pulsos, eram punidos pelos pais por desperdiçar água.
Essas punições incluíam surras e estrangulamento, mas principalmente consistiam em amarrá-los aos móveis. No início, amarravam com cordas. Depois que um escapou, começaram a usar correntes e cadeados. Essas punições “duravam semanas ou meses”. Na manhã de domingo, três crianças estavam acorrentadas quando a polícia chegou na casa dos Turpin. Dois deles, de 11 e 14 anos, foram desamarrados antes que os agentes entrassem na casa. Uma jovem de 22 anos continuava algemada. “Pelas provas encontradas na casa, não tinham permissão de ir ao banheiro” quando estavam de castigo.
A única atividade permitida para as crianças, aparentemente, era escrever diários. Há centenas de diários, afirma o promotor, que são considerados essenciais para a investigação.
A promotoria acredita que o abuso durou muito tempo, por isso os pais responderão a 12 acusações de tortura e 12 de sequestro. A promotoria de Riverside só se refere aos eventos ocorridos desde que a família se mudou para a Califórnia em 2010. Primeiro moraram em Murrieta e, desde 2014, em Perris, dentro do mesmo condado. Antes disso, moraram em Fort Worth, Texas, por 17 anos. Segundo o promotor, o abuso aumentou quando se mudaram para o oeste do país. São 12 acusações, não 13, porque o bebê de 2 anos parecia estar bem cuidado, disse o promotor.
Além das acusações de tortura e sequestro, vão responder a 7 acusações de abuso de adultos dependentes (pelos maiores de idade) e 6 acusações de abuso de menores, e pelo menos uma acusação de abuso sexual do pai sobre uma das meninas.
A promotoria só fez uma breve descrição da vida dessas crianças, mas foi o suficiente para dar uma ideia do espanto. Um dos meninos, de 12 anos, tem o peso normal de uma criança de 7 anos. Outra irmã, de 20 anos, pesa 37 quilos. A que conseguiu escapar e denunciar tinha 17 anos. Quando os policiais foram ao seu encontro pensaram que tinha 10.
Os 13 filhos estão hospitalizados e recebendo alimentação para se recuperar. Nenhum deles tinha visto um médico em pelo menos quatro anos. Além disso, pelas primeiras entrevistas com eles, muitos não têm conhecimento básico sobre a vida. Algumas crianças não sabiam o que era um policial. Quando perguntaram à de 17 anos se havia remédios em casa, perguntou o que era um remédio.
David Turpin tinha um emprego, mas o promotor não especificou qual era. Segundo informou o The New York Times na terça-feira, ele trabalhava como um empreiteiro para empresas de defesa e ganhava 140.000 dólares por ano. A família tinha quatro carros.
O abuso parecia também ter uma dimensão psicológica, um nível especial de crueldade. Os pais compravam comida, comiam na frente das crianças e não dividiam com eles. Compravam bolos, disse o promotor, deixavam sobre a mesa e proibiam que fossem tocados. Na casa havia também muitos brinquedos. Mas estavam em suas caixas. As crianças não tinham autorização de tocá-los.
“Esse é um comportamento depravado”, resumiu o promotor Hestrin. “Como promotor, há casos que nos afetam e atormentam. Às vezes você vê pura depravação humana. É o que estamos vendo aqui”.
Ainda há muitas questões sem resposta. Onde nasceram essas crianças (a promotoria acredita que foi em hospitais), como ninguém percebeu nas extensas famílias de David e Louise Turpin, como pelo menos um dos mais velhos conseguiu ir à escola sem levantar suspeitas (a mãe o levava, esperava na porta, e trazia de volta para a casa). A investigação sobre o maior horror infantil dos últimos tempos está apenas começando. “Alguém deve ter visto algo, alguém deve saber de algo, precisamos da sua ajuda”, disse o promotor Hestrin.
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