sábado, 20 de janeiro de 2018

"Qualquer um, no lugar de Moro, estaria impedido de julgar Lula", diz criminalista

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Para o criminalista e professor da PUC de Porto Alegre, Aury Lopes Jr., há razões para anular o processo de Lula. - Divulgação

O professor da PUC de Porto Alegre Aury Lopes Jr. defende que o envolvimento do juiz Sérgio Moro no início das investigações visando Lula seria uma das razões possíveis para anular o processo contra o ex-presidente. Para o especialista, a fragilidade das provas também pesa a favor do ex-chefe de Estado.

Marcela Donini, de Porto Alegre

Não são poucas as alegações da defesa do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva para reverter a condenação em primeiro grau a 9 anos e 6 meses por corrupção e lavagem de dinheiro. O caso será julgado em segunda instância na próxima quarta-feira (24), no Tribunal Regional Federal da 4a Região em Porto Alegre. Para o criminalista e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Aury Lopes Jr., há razões para anular o processo, embora as chances de isso acontecer sejam remotas.
O envolvimento pré-processual do juiz Sérgio Moro nas investigações anteriores seria um dos motivos para tanto, afirma Lopes Jr. Além disso, o advogado acredita que a prova apresentada contra Lula é "fragilíssima" e que não se poderia condenar com base nela.

Ainda em 2017, a defesa de Lula alegou que Moro seria suspeito para seguir julgando os processos da Operação Lava-Jato por ter ordenado buscas e apreensões, conduções coercitivas e interceptações telefônicas ilegais, entre outros fatos. O pedido, no entanto, foi negado pelo relator de segundo grau, desembargador federal João Pedro Gebran Neto. Segundo ele, a determinação de diligências e a decretação de prisões na fase pré-processual fazem parte do cotidiano jurisdicional.

Lopes Jr. falou à RFI sobre possíveis resultados da sessão do dia 24 de janeiro. Um dos cenários mais prováveis, diz, é haver um pedido de vista, que poderia arrastar o julgamento por meses. O professor também falou sobre detalhes do processo e a relação do poder judiciário com a imprensa e a política.

RFIRecentemente, o senhor manifestou em seu perfil no Facebook a possibilidade de haver um pedido de vista no julgamento do Lula, que esvaziaria o “circo” montado em torno do processo. O que leva o senhor a crer que a ação não se encerrará no dia 24?

Aury Lopes Jr. – Aquilo foi um comentário irônico de Facebook. É um julgamento extremamente complexo, sobre o qual se criou uma gigantesca expectativa, como se as coisas fossem se encerrar no dia 24 e isso não necessariamente vai acontecer. É muito possível e até provável que se tenha o voto do relator, o desembargador Gebran (João Pedro Gebran Neto), talvez o revisor Leandro Paulsen até vote e depois tenhamos um pedido de vista do vogal Victor Laus, que, como regra, é aquele que menos contato tem com o processo. Um pedido de vista é bem provável, pela complexidade do caso. Aí suspende-se o julgamento, que será trazido nas próximas sessões sem necessidade de intimação de partes etc.

RFI O presidente da Associação dos Juízes Federais, Roberto Veloso, falou à imprensa sobre o que considera um "alarde desnecessário" em torno do julgamento já que a decisão final não será anunciada agora. O senhor concorda que se trata de um "alarde desnecessário"?

Lopes Jr. – Criou-se uma grande expectativa pela figura política. Mas, juridicamente, é mais um julgamento que tem possíveis e diversas variáveis em termos de horizonte decisório. Por exemplo, o pedido de vista quebra toda a dinâmica do julgamento e não é nada anormal, é uma situação recorrente. Mas vai quebrar a expectativa popular criada. Esse julgamento na semana que vem tem diversas possibilidades. Você pode ter uma situação de absolvição plena, anulação do processo, há a possibilidade de aumentar a pena ou diminuí-la. E todas essas decisões podem ser por 3 a 0 ou 2 a 1. Se for 2 a 1, tem que ver qual o conteúdo do voto vencido. Se for mais favorável para o acusado, cabem embargos infringentes, em que só serão discutidos objetos divergentes. Como por exemplo, se Lula for condenado por 3 a 0 e houver divergência sobre a pena de um mês. E os embargos infringentes podem levar meses para serem julgados.

RFIQual desses cenários é mais provável que aconteça na sua opinião?

Lopes Jr. – É uma situação complexa, que tem, a meu juízo, alguns atropelos de regras do processo neste e em outros casos, que poderiam gerar uma nulidade. O ponto nevrálgico está na valoração probatória. A prova, que para o juiz Sérgio Moro foi suficiente para condenar, pode não ser suficiente para um outro jurista ou juiz. Eu, particularmente, entendo que a prova é fragilíssima e que não se poderia condenar com base nela. Mas o tribunal pode entender que é suficiente.

RFI – A sentença que condena Lula diz que "a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício", que seria a ação do agente público realizada em contrapartida à propina. Nesse sentido, as investigações de casos de corrupção não ficariam muito dependente de delações?

Lopes Jr. – São duas questões diferentes. Uma é uma discussão jurídica sobre a necessidade ou não do ato de ofício, ato determinado para fins de corrupção. Isso é uma discussão jurídica complexa, há tribunais que dizem que sim outros não. A outra questão é o problema delação premiada. Há inúmeras ilegalidades acontecendo no Brasil, além da própria banalização da delação premiada. Há falta de observância das chamadas regras de corroboração, ou seja, um excesso de valoração da palavra do delator, quando você não poderia condenar com base só nisso. Sem falar que a delação premiada à brasileira, como a gente está chamando, pra mim, é absolutamente ilegal, por questões básicas de reserva de lei. O Ministério Público não poderia negociar certas condições, nem o juiz homologar certas delações como vem sendo feito.

RFI – O senhor comentou sobre a possibilidade de uma nulidade do processo. Essa nulidade se deveria a que?

Lopes Jr. – Primeiro, a defesa do ex-presidente Lula alega a incompetência da 13a Vara, já que tem casos que não deviam estar lá. Tem ainda um problema muito sério de suspeição do juiz. Existe uma contaminação muito grande daquele juiz pela excessiva atuação que ele teve na fase pré-processual, que faz com que não exista a necessária imparcialidade. Quando começou a operação Lava-Jato, eu escrevi um artigo questionando quem é que iria julgar os processos, porque, obviamente, não poderia ser o mesmo juiz que participou de toda investigação. É uma coisa elementar! Se você tem um juiz que decreta tua prisão, a quebra do teu sigilo bancário, fiscal, telefônico, homologa delações sobre ti, você acha, honestamente, que, depois de todo esse envolvimento, ele pode entrar em um processo com afastamento, alheamento,estranhamento para julgar o teu caso? 
Óbvio que não! É uma questão básica, primária, salta aos olhos. O mundo inteiro sabe disso. Não é uma questão pessoal com o Moro, não é isso. Qualquer um, no seu lugar, estaria absolutamente impedido de julgar. A Europa inteira sabe que juiz prevento (aquele que teve o primeiro contato com o caso) é juiz contaminado e não pode julgar, mas no Brasil pode. É uma questão que não vão acolher, mas é seríssima. Tem ainda cerceamento de defesa, porque o juiz indeferiu diversos pedidos feitos pela defesa. Também tem um problema sério de violação da correlação, um princípio básico do processo. Você tem que decidir nos limites do que foi pedido. Aqui, a defesa do Lula vai mostrar que a sentença vai além do objeto da acusação. A denúncia diz que tem uma vantagem indevida proveniente de três contratos específicos entre a construtora OAS e a Petrobras e a sentença sai disso e vai condená-lo por uma situação que não está descrita claramente na denúncia. Ele foi acusado de ter recebido a propriedade do apartamento e a sentença condenatória afirma que a ele teria sido atribuído o apartamento. E depois vem o mérito. Por exemplo, o pedido de um novo interrogatório do Lula foi negado pelo tribunal. Isso, amanhã ou depois, pode ser objeto de uma anulação.

RFI – O senhor acredita que o peso político é muito forte neste julgamento?

Lopes Jr. – Não, me refiro a questões jurídicas complexas e sérias. O tribunal é extremamente sério e acredito que não vá julgar a partir de influências políticas. Mas é claro que há um cenário bastante específico, algo único. Nunca se teve uma situação como essa. Então a pressão é por todos os lados.

RFI – O senhor acredita que há espetacularização da mídia? Qual o papel da imprensa nesse momento?

Lopes Jr. – Aí você vai abrir uma caixa de Pandora. A relação que se estabelece entre processo penal e mídia, direito de informar e ser informado de um lado, imagem, dignidade, presunção da inocência de outro. Acho que, nesse caso específico, a mídia, de certa maneira, está fazendo o papel dela, que é repercutir o julgamento, noticiá-lo. Não tenho crítica maior em relação a isso. A minha crítica está em outros casos, em que a influência é nefasta. No caso do Lula, há, digamos, espetacularização, mas eu não vejo como uma coisa negativa. A mídia está tratando o caso, o caso está aí. Não é o problema. O problema é quando você tem, por exemplo, uma ação sigilosa e um agente público qualquer vaza informações e a mídia cai em cima fazendo pré julgamentos.

RFI – Temos visto uma polarização na imprensa, que coloca de um lado Moro, o juiz, e de outro Lula, o réu...

Lopes Jr. – Sim, existe um setor da imprensa que tem tomado "partido", para um lado ou para o outro. Isso não é saudável. A mídia tem que divulgar. É como quando você me pergunta: se for condenado acontece isso, se for absolvido, se for anulado… Estamos trabalhando cenários possíveis, tu não estás sendo tendenciosa. Alguns setores da mídia estão, sim, sendo tendenciosos. Mas acho que não dá para generalizar.

RFI – Essa polarização se deve a que? À própria divisão em que se encontra a sociedade brasileira hoje?

Lopes Jr. – É sintoma de uma polarização política, de um cenário bem complexo no Brasil hoje, decorrente de uma desilusão, uma quebra de expectativa em relação à "esquerda", que gerou o crescimento de uma direita radical. Temos um cenário bastante maniqueísta, o que não é saudável. Da mesma maneira, a demonização da política é um erro. Nós temos problemas políticos. Mas problemas políticos devem ser resolvidos pela via da política, e não por intervenção militar, deixando de votar ou votar branco ou nulo. Isso é imaturidade política.

RFI – E a postura das duas personalidades envolvidas, tanto o juiz Sérgio Moro quanto o Lula, contribui para essa polarização?

Lopes Jr. – Agora você entrou em outro terreno bem complicado. Digamos que são duas figuras fortes. Sobre o Sérgio Moro, eu prefiro não falar. Mas realmente, são duas figuras que acabaram atraindo muito os holofotes. Um pela figura política que é, e o outro pela figura judicial em que se transformou.

RFI – Sem falar especificamente do Sérgio Moro, falando de maneira geral sobre o comportamento de magistrados, como lidar com a imprensa em um caso de tamanha repercussão? Como um juiz deve se comportar em um caso desses?

Lopes Jr. – Essa relação entre mídia e poderes, especialmente o poder judiciário, é extremamente sensível. Exige muita responsabilidade e consciência dos seus espaços, das consequências dos seus atos. Não é interessante nem saudável para o sistema de administração de justiça você ter um juiz midiático. Assim como não é saudável ter um juiz encastelado, isolado fora do mundo. Temos que tentar encontrar o difícil equilíbrio entre dois extremos.

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