Caso a infame reforma previdenciária defendida pelo Governo não passe, gerações atuais e futuras não correrão o menor risco de não receberem seus proventos quando se aposentarem. Ao fazer uma escalada de ameaças em sentido contrário, Michel Temer mente. Ele não tem poder de mudar as regras por conta própria. De fato, não há brecha constitucional para que o sistema atual venha a falir. O financiamento da Seguridade Social é um bem protegido pela Constituição. Cumprida a Constituição, ela será tão viável quanto sempre foi.
Com a infame reforma, o Governo busca empurrar grande parte da população, hoje atendida pelo sistema previdenciário público, para a previdência complementar. São bilhões de reais a serem carreados para os bancos. Isso não tem nada a ver com a fragilidade atuarial do sistema. Para melhor entender o processo basta uma lida ligeira na Constituição. Ela criou o Sistema de Seguridade Social, incluindo Previdência, Saúde e Assistência Social. A Previdência é financiada por trabalhadores e patrões. Ela se paga e gera superávit.
Saúde e Assistência Social são financiadas por outras fontes, a saber, Cofins, Contribuição sobre o Lucro Líquido, rendimentos de fundos públicos, loterias. Também seriam superavitárias se o Governo não usasse esses recursos para fazer superávit primário e pagar os indecentes juros da dívida . Por que o Governo quer de toda a forma meter a mão nos cofres da Previdência? É simplesmente porque o fluxo líquido de recursos da Seguridade a serem presenteados aos bancos vem das contribuições previdenciárias, e não das outras fontes.
Vejamos como se pretende organizar esse processo de alta rapinagem. Se o Governo quiser transferir ao setor privado recursos do Cofins e da CLL, por exemplo, não teria como fazê-lo. Mesmo pessoas tão bondosas com os Marinho não teriam acesso direto ao caixa do Tesouro. A situação muda com a Previdência. Se o Governo cortar o teto da contribuição pública num nível, digamos, de R$ 5 400, como previsto, o trabalhador de classe média que ganha mais do que isso terá que se virar junto a uma previdência complementar privada para manter próximos ao salário seus proventos na inatividade.
Quando o genocida Augusto Pinochet se apossou do Chile nos anos 70 e 80, e trouxe para ajudá-lo a quadrilha do Milton Friedman, o consenso entre esses facínoras foi privatizar a Previdência. De um regime que matou dezenas de milhares de opositores, com franco patrocínio dos Estados Unidos, não se podia esperar outra coisa. A Previdência como esquema solidário – a geração atual paga pela geração passada, e a geração futura paga pela geração atual – cedeu lugar ao sistema de capitalização, que não passa de uma gigantesca picaretagem com a massa de contribuições de trabalhadores.
A "liberdade de mercado" do sistema previdenciário chileno, algo que se quer generalizar aqui, está expressa em taxas de carregamento cobradas por algumas administradoras de fundos que vão de 12% a 25%. Nem todo mundo está acostumado com essa terminologia, de forma que é bom explicar o que se entende por carregamento. É a taxa cobrada pela administradora para gerir o dinheiro do depositante. Imagine você fazendo uma poupança de 100 por mês. Para cada depósito que você fizer, a administradora fica com 25. E aplica ao bel prazer os seus 75. É claro que isso é um insulto à boa fé das pessoas.
O sistema previdenciário chileno foi imposto no início dos anos 80. Os grandes liberais do mundo inteiro o saudaram como uma solução definitiva para os problemas previdenciários e orçamentários do Governo. Os "bagrinhos" que dispunham de salários muito baixos foram remetidos a um sistema público residual em que pagavam 10% do que recebiam e tinham a perspectiva de se aposentarem com 70% do salário. Todo o sistema ruiu, e hoje é visto com ódio pelos chilenos, dos quais 2 milhões foram às ruas em recente manifestação de protesto.
Já as grandes administradoras de fundo vão muito bem. Gerem algo como 250 bilhões de dólares de patrimônio!
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