Com a geopolitização das relações econômicas internacionais, Trump busca repetir aquela máxima de que quando há uma ameaça externa a população tende a apoiar o presidente, manobra que costuma ter alto efeito eleitoral
Por John Saxe-Fernández - La Jornada
Hoje não é novidade o vínculo da diplomacia de força usada pelo regime de alta militarização de Donald Trump contra Irã, Coreia do Norte e Venezuela, enquanto seu próprio país viverá eleições legislativas em 2018 na qual os republicanos terão que defender o controle do Senado e da Câmara, pensando em manter um cenário favorável para as presidenciais de 2020. Gestar uma guerra de agressão por razões eleitoreiras, como vimos na reeleição da fórmula Bush/Cheney em 2004, é todo u crime de lesa humanidade, embora seja um ingrediente antigo usado por políticos estadunidenses que almejam a Casa Branca. Com a geopolitização das relações econômicas internacionais, Trump busca repetir aquela máxima de que quando há uma ameaça externa a população tende a apoiar o presidente, manobra que costuma ter alto efeito eleitoral, ainda mais numa economia permanentemente em guerra para a qual é essencial a mobilização de recursos humanos e materiais contra inimigos internos ou externos, reais ou fabricados.
Entretanto, quando isso ocorre num contexto de estancamento secular, com a pobreza em alta, magna desigualdade salarial, econômica e social, além de crescente oligarquização do poder, a agressão de classe e a unilateralidade bélica é um coquetel de alto risco doméstico e externo. Segundo estudo do Centro Stanford sobre Pobreza e inequidade, nos últimos 30 anos a inequidade salarial nos Estados Unidos se aproximou, em 2011, do nível extremo prevalecente antes da Grande Depressão, enquanto a diferença entre o salário dos gerentes e a média de um trabalhador industrial ou de produção passou de 24 vezes em 1965 a 185 vezes em 2009. A concentração da riqueza familiar se intensificou desde os Anos 80. Os 10% mais ricos em 1983 controlavam 68,2% da riqueza total dos Estados Unidos. Já em 2007, esse controle passou a 73,1%. A inequidade seguiu em aumento por gênero, raça, idade e nível de educação.
A piora da desigualdade social no país, com Trump a pouco menos de um ano no poder, não só é notável como também alimenta a rejeição a ele em sua própria base eleitoral, ao crescer a dissonância cognoscitiva entre as falácias do magnata-candidato em prol dos trabalhadores e da classe média e a inequidade do magnata-presidente cuja política fiscal agride de fato as famílias e a renda dos setores baixo e médio.
Para Bernie Sanders, que mobilizou em 2016 cerca de 46% do voto presidencial democrata, o corte de impostos recém aprovado pelo Senado “é uma vitória para os multimilionários e um desastre para a população dos Estados Unidos”. Em entrevista transmitida pela CNN, Jack Tapper disse a Sanders: “entendo que você não está de acordo com a nova lei, mas segundo o Tax Policy Center, em 2018 essa lei outorgará cortes impositivos a 91% dos estadunidenses de renda média, isso não é bom?”. Sanders respondeu: “sim, claro que é algo bom. Mas deveriam fazer cortes permanentes. O que os republicanos fizeram foram cortes impositivos permanentes para as grandes corporações, enquanto os cortes para a classe média serão temporários”.
Citando o Tax Policy Center aludido por Tapper, Sanders lembrou que, segundo essa fonte, “após dez anos, 83% dos benefícios irão em favor do 1% de maior renda e 60% dos benefícios vão a um décimo desse 1%, ou seja, nessa década, mais de 80 milhões de estadunidenses estarão pagando mais em impostos e, como resultado dessa legislação, mais de 13 milhões perderão seu seguro de saúde e teremos um déficit adicional de 1,4, bilhão de dólares como resultado, e Paul Ryan (porta-voz da maioria republicana na Câmara) anda por aí dizendo: `devemos realizar cortes nos seguros de saúde´. Para responder a sua pregunta: devemos fazer cortes segundo as necessidades da classe média?´ sim, devemos. Mas nesta legislação a massa dos benefícios é para as grandes e lucrativas corporações e para os multimilionários”.
Como se mostra em estudos do economista Mark Weisbrot, do Center for Economic and Policy Research, as receitas do FMI para os países da Eurozona ou da América Latina fracassaram. São guerra de classes. No México, com um meio paramilitar alimentado pelos Estados Unidos, a receita de alta de impostos a alimentos e combustíveis é matéria de alto perigo. Já o escritório da ONU contra a Droga e o Delito recordou que há 6,7 mil negócios clandestinos de armas ao longo da fronteira com México, fonte de uma torrente anual 730 mil armas ilegais. Também nos Estados Unidos, o classismo de Trump e as vendas da NRA (sigla em inglês da Associação Nacional do Rifle), gestam alta explosividade. Gestar outro crime de lesa humanidade para reverter custos eleitorais é gasolina lançada contra um planeta em chamas.
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