TEREZA CRUVINEL
Para quem falou a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, em seu discurso na abertura do ano judiciário, quando afirmou que desacatar a Justiça é inadmissível? Parece óbvio que foi para todos aqueles que discordam da condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4, sem apresentação de prova e com aumento de pena, e especialmente para aqueles que se insurgem contra a eventual prisão do ex-presidente, advertindo que haveria reação popular. É grande, porém, a distância entre a livre manifestação de discordância com uma decisão judicial e o desacato à Justiça. Depois da condenação, Lula acatou prontamente a ordem de entregar o passaporte, deixando de viajar para a Etiópia, embora muitos juristas tenham questionado a legalidade desta decisão, tomada por um juiz relacionado com outra ação, e não com o caso que gerou a condenação. Quando critica e até criminaliza a livre manifestação de discordância com a decisão judicial, Cármen Lúcia esquece-se daquele ditado popular que citou, há uns dois anos, para justificar seu voto a favor da publicação de biografias sem prévia autorização do biografado: “cala a boca já morreu”. Com seu pito, ela parece dizer que os defensores de Lula devem se calar.
“Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformá-la, pelos meios legais e nos juízos competentes. O que é inadmissível é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la", disse a ministra em seu discurso, sem identificar destinatários da mensagem. Ou seja, a defesa de Lula pode recorrer mas Sergio Moro e os desembargadores de Porto Alegre não podem ser criticados pela forma como julgaram Lula, embora o processo estejas espantando juristas mundo afora. Os criminalistas gaúchos, por exemplo, estão se insurgindo. Mas, segundo Cármen, as contestações não podem ser feitas fora dos autos.
Em matéria de desacato, vale recordar que, em 2016 o STF engoliu um, quando o ministro Marco Aurélio Mello determinou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado e este se recusou a deixar o cargo para o qual fora eleito por seus pares. Houve um começo de crise institucional. Sem medo de apequenar-se, o STF reformou a decisão, estabelecendo que, por ser réu, Renan apenas não poderia substituir Michel Temer na presidência da República quando o presidente da Câmara não pudesse fazê-lo. E assim foi feito. Renan terminou o mandato sem se sentar na cadeira do Planalto.
Com a declaração de hoje, Cármen alinhou-se a entidades de representação como a Ajufe (Associação dos Juizes Federais) e a ANPR (dos procuradores da República) que tomaram as dores dos juízes criticados. Sobre auxílio-moradia para quem tem imóvel e sobre a postura imoral do juiz Bretas, ao pedi-lo para si e para a mulher que é juíza, nenhuma palavra.
Depois de ter afirmado que seria apequenar o Supremo colocar em pauta a revisão da prisão a partir da condenação em segunda instância, em função do caso Lula, está claro que Cármen Lúcia usará a força do cargo para impedir que seja tomada a única medida que impediria a prisão de Lula.
Na cerimônia desta quinta-feira, coube à procuradora-geral Raquel Dodge defender a manutenção da controversa medida tomada em 2016. O STF, entretanto, é composto por 11 ministros e nem todos estão de acordo com Cármen e Dodge. A revisão ainda é possível.
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