Lula não foi condenado por corrupção, mas porque estava na frente das pesquisas
Por Raphael Silva Fangundes
A retórica é uma técnica discursiva usada por alguém que precisa encontrar provas que sejam capazes de comprovar a tese que defende. Essas provas estão no próprio discurso, pois a maneira pela qual o orador irá organizá-lo (como introduzir o assunto; seleção de exemplos; metáforas; a imagem que cria de si; os sentimentos que busca despertar nos ouvintes etc..) determinará o impacto de suas ideias, ampliando ou reduzindo a aptidão do público ao assentimento.
Quanto mais simples for o discurso, as probabilidades persuasivas tendem a aumentar. Quanto mais elementar for o argumento, mais parecerá que o ouvinte chegou a uma conclusão óbvia (lógica) através do seu próprio esforço, e não pelos elementos persuasivos usados pelo orador.
Desta maneira, frases como, “Lula foi condenado porque recebeu propina da OAS”, ou “O impeachment aconteceu por causa das pedaladas fiscais”, são objetivas, óbvias, diretas, lógicas, quase que científicas, que induzem o receptor da mensagem a não questioná-las. É como questionar o fato de que não é possível acender uma fogueira no espaço porque não há oxigênio, ou que o chão está escorregadio porque alguém acabou de molhá-lo.
No entanto, como dizem os estudiosos da retórica da Universidade de Liege, na Bélgica, liderados por J. Dubois, “toda palavra, é o feito de um destinador: não se poderia, sem precaução, considerá-la inocente”.[1] Esses discursos diretos, são chamados por eles de “grau zero”, pois possuem um número muito reduzido de redundâncias, de desvios que podem encharcar as ideias de sutilezas encantadoras,proficientes para o escopo persuasivo.
Mas precisamos compreender que isto também é uma estratégia retórica. Trata-seda tentativa de parecer o mais científico possível, isto é, o mais “verdadeiro” possível. A palavra descreve o fato e ponto final! Isso não é verdade. O filósofo Ludwig Wittgenstein destaca que o “nosso modo de falar não descreve os fatos como eles realmente são”.[2] Inventamos conexões com os nomes que damos aos objetos para que possam fazer sentido. Exemplo: “A televisão está sobre a mesa”. Não existe “A” na realidade, nem “está”, nem “sobre”. Essas descrições foram inventadas por nós para compreendermos o mundo que vemos.
E é exatamente dessa maneira que o alteramos. Não conseguimos compreender a natureza sem nela interferirmos, simplesmente porque ela não fala a nossa língua. Portanto, inventamos uma linguagem para descrevê-la. Humanizamos parte do mundo natural para apreendê-lo. Isso é ainda mais visível quando usamos os termos “porque” e “por causa”. É exatamente como nos lembra o sociólogo Ulrich Beck: “Suposições causais, no entanto, por definição escapam – como desde Hume já sabemos – à percepção. Elas são teoria”.[3] Ou seja, toda explicação causal, ou melhor, todo “porque”, não passa de uma teoria.
Essas frases objetivas que influenciam muita gente a defender a condenação de Lula ou o impeachment, escondem uma série de questões que compõem tal discurso acusatório. Cabe lembrar aqui, que retórica não é apenas o excesso de palavras, mas o silêncio também constitui um dos seus estratagemas, talvez o mais perfeito.
Uma teoria
A condenação de Lula não foi porque ele cometeu um crime (se cometeu ou não, tanto faz), mas porque ele está na frente das pesquisas de intenção de votos. A ideia de se prender alguém por corrupção no sistema capitalista é esdrúxula, nunca existiu e nunca existirá. Em política, prendem-se aqueles que não servem mais para o funcionamento da máquina. Os acusam do que há de mais óbvio, do que são por natureza.
O golpe não teria sentido se o ex-presidente se candidatasse e ganhasse o pleito presidencial. Tentou-se denegrir a imagem do PT e a de Lula, ao longo de três anos, mas não foi possível. Esperaram as pesquisas saírem e, quanto mais próximo das eleições, percebeu-se que seria necessário tomar decisões drásticas, isto é, torná-lo inelegível.
Por que não prenderam Aécio Neves? Porque ele é um político que se contrapõe ao PT. Do único partido capaz de se declarar claramente antipetista e ter parlamentares suficientes para conduzir um novo governo. Não se podia manchar a legenda.
Por que não prender Michel Temer? Porque este tem uma função chave. Sua imagem e a desaprovação ao seu governo é uma forma de desaprovar o PT. Alguns dizem que quem colocou Temer no poder foi a Dilma. A ideia era cultivar o ódio ao PT, talvez aumentá-lo, a medida que a rejeição a Temer ganhasse mais adeptos.
Por que, então, prenderam Cunha e outros políticos do PMDB? Os políticos do PMDB que foram presos não são capazes de confrontar Lula nas urnas. Muito menos de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais. A função deles era mostrar que Lula comandava uma rede de corrupção. Nenhum deles interfere no projeto político de ascensão do PSDB. São cartas fora do baralho. Tudo indica que algum candidato do PSDB irá ganhar as eleições desse ano. Pelo menos, esse é o plano.
A urdidura por onde passa os fios dessa trama foi traçada da seguinte maneira: tornar Lula inelegível para levar ao segundo turno algum candidato do PSDB ou um dos seus aliados para concorrer com Bolsonaro. A vitória contra Bolsonaro é certa. O político mais odiado do país não terá apoio das esquerdas, e estas, por sua vez, vão preferir um político de “centro”, já que seria um “mal menor”, exatamente como ocorreu nas eleições francesas do ano passado.
As asserções diretas e objetivas são fachadas. O espetáculo que a mídia promove é por si só prova disso. Cheio de redundâncias e desvios. Longe de querer dar uma resposta definitiva a questão, o que apresento aqui é só uma teoria, um futuro possível baseado em algo para além do simples, do discurso direto que conforta aquele que não quer pensar.
Raphael Silva Fangundes é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
[1] DUBOIS, J. et. all. Retórica Geral. Trad: Carlos Felipe Moisés, Dúlio Colombini e Elenir de Barros. São Paulo: Cutrix, 1974. p. 53.
[2] WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. 6 ed. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis. Vozes, 2009, p. 165.
[3] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011, p.33.
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