O Brasil vive um dos piores capítulos da sua História. Além da insegurança jurídica, da ausência de garantias constitucionais e da supressão da presunção de inocência, que deixaram todos os brasileiros à mercê dos humores e simpatias políticas de magistrados, o país vive hoje sob o domínio do ódio, da hipocrisia, do cinismo e da farsa, cujas consequências são visíveis no comportamento dos três poderes, que apresentam talvez a mais medíocre composição da sua História.
Executivo, Legislativo e Judiciário de repente ficaram parecidos, como se os seus integrantes, com raras e honrosas exceções, fossem originários da mesma escola e com o mesmo pensamento: nenhum deles revela o menor compromisso com os interesses do Brasil e do seu povo. Todos se mostram mais preocupados com os seus próprios interesses, de poder e de sobrevivência, indiferentes às consequências dos seus atos para a população e para o futuro da Nação. As instituições perderam a credibilidade e a confiança, transformadas em instrumentos político-partidários, o que evidencía a sua falência.
Os exemplos são muitos e o mais recente foi o decreto de intervenção militar no sistema de segurança do Rio de Janeiro. O ato do presidente golpista Michel Temer, aparentemente destinado a solucionar o problema da violência naquela cidade, na verdade não passa de uma encenação, sem nenhum resultado prático, com o objetivo, entre outros, de captar o apoio daqueles que acreditam que só agindo com dureza será possível por um fim na criminalidade. Temer, ao que parece, decidiu aproveitar o sucesso do deputado Jair Bolsonaro, que foi aplaudido de pé por cerca de mil executivos quando prometeu metralhar a Rocinha, como solução para acabar com a bandidagem naquela favela.
Foi precisamente com essa bandeira que Bolsonaro avançou na corrida sucessória presidencial, conquistando o segundo lugar, logo atrás do ex-presidente Lula, nas pesquisas de intenção de votos. Temer provavelmente pensa, com essa jogada, iludir os que se deixaram enganar pela Globo que, ao invés de dar destaque ao carnaval em seus noticiários, exibiu insistentemente cenas isoladas de assaltos e arrastões para dar a impressão de que o Rio está totalmente tomado pela violência.
Com essa estratégia, só não percebida pelos que foram imbecilizados pela emissora, os Marinho criaram o cenário ideal para a intervenção, certamente de comum acordo com o presidente golpista, dentro da parceria que os une desde a execução do golpe. Até porque o Rio não é hoje o Estado mais violento do país, estando bem atrás de Sergipe, Alagoas, Ceará, Goiás e outros, conforme recente estatística, não havendo, portanto, justificativa para a intervenção. Aparentemente, considerando a importância do Rio de Janeiro no cenário nacional, a decisão tem outros objetivos ocultos que não são necessariamente o combate à criminalidade.
Tudo leva a crer que o objetivo mesmo seria intimidar a população pobre, sobretudo os moradores dos morros, depois da faixa colocada na entrada da Rocinha avisando que "Se prenderem Lula o morro desce". A intervenção, portanto, teria objetivos políticos, preparando o terreno para a repressão diante de uma eventual prisão de Lula, ao mesmo tempo em que abre a perspectiva para a possibilidade de uma intervenção de caráter nacional, dependendo das repercussões da medida de exceção no Rio. Resumindo: um balão de ensaio para uma intervenção maior.
A iniciativa, porém, além das suas implicações constitucionais que poderão provocar demandas no Judiciário, corre o risco de se transformar num tiro pela culatra. Afinal, todo mundo sabe que as frequentes ações das Forças Armadas nas favelas em nada mudaram a situação e, portanto, não será agora que um decreto, por um passe de mágica, extinguirá a criminalidade e devolverá a tranquilidade aos morros cariocas e, sobretudo, à classe média da zona sul. Deve-se considerar, ainda, a possibilidade de confrontos com vítimas entre a população pobre inocente, o que fará da intervenção uma medida desastrosa, mesmo que as mortes recebam aplausos dos que aplaudem os métodos violentos de Bolsonaro.
Em outra época seria normal esperar-se que o Supremo, como guardião da Constituição, suspendesse a intervenção, mas como a Suprema Corte parece afinada com o governo Temer, dando-lhe sempre ganho de causa em todas as questões, não se deve alimentar ilusões sobre o seu comportamento. Prova disso é que a ministra Rosa Weber negou dois mandados de segurança impetrados contra a intervenção, o que significa que ela se consumará, já que dificilmente esse Congresso, sempre conivente com o presidente golpista, deixará de aprovar o decreto. Pena que o Exército, uma das instituições de maior credibilidade do país, seja usado para esse tipo de encenação, sob as ordens de um presidente apontado pela Policia Federal como chefe de quadrilha.
O senador Roberto Requião descreve a situação como "o crime organizado de colarinho branco combatendo o crime organizado dos pobres". Parece um paradoxo. Na verdade, a situação não será bem essa, porque não se estará combatendo nada, apenas sugerindo a idéia, com a valiosa ajuda da Globo, de que o governo Temer está solucionando o problema da violência na Cidade Maravilhosa. Tudo isso foi bem planejado pela parceria Temer-Globo para tentar captar, entre os que defendem uma ação mais vigorosa contra os bandidos – na realidade o grosso do eleitorado de Bolsonaro – algum apoio popular ao presidente golpista, que já anuncia, surpreendentemente, a disposição de concorrer à reeleição, uma piada diante dos seus 3% de aprovação.
De qualquer modo, vale a pena ficar atento a essas manobras, que podem ser parte de um plano muito mais amplo destinado a mantê-lo no poder, pois ele não dá sinais de que pretende deixá-lo. Temer, afinal, já deu mostras de que sabe usar muito bem o poder, sem qualquer escrúpulo, não sendo de todo impossível que vislumbre a possibilidade de destruir o que resta da Constituição para implantar um regime de exceção, com a cumplicidade dos mesmos parceiros que promoveram o golpe e o colocaram no Palácio do Planalto. E com a aprovação silenciosa das Forças Armadas, que tem se mantido inertes diante da escandalosa entrega do nosso petróleo ao capital estrangeiro.
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