quinta-feira, 22 de março de 2018

A extraordinária capacidade do legislativo brasileiro de produzir lixo

Nonato Menezes

Dos poderes da República, de longe, o mais democrático e que mais tem condições de manejar as prerrogativas republicanas e exercitar os princípios da livre manifestação é o Legislativo. Por sua própria natureza, dos três, é o que mais tem condições de demonstrar e exercer o poder. Visto, entre outros privilégios, o de criar as leis. 

Aceito assim, o Legislativo é o poder que mais está qualificado para apontar um rumo para o país. Desta perspectiva, cabe a ele a tarefa de liderar a democratização das instituições e dos outros poderes, para isto deve colocar a pauta de suas plenárias na boca do povo, como por exemplo, nas peladas, na hora da reza e nos encontros nos bares a discussão sobre a miséria e tantos outros temas de relevância.

Sendo o poder mais próximo do cidadão e o que mais tem condições de se misturar à população, não só para fiscalizar ou defender obras, que também são prerrogativas suas, mas para ouvir, para propor, para mobilizar e envolver as pessoas e as comunidades no entendimento dos problemas sociais, políticos e econômicos e na busca de saídas para os problemas coletivos. 

Mas nosso Legislativo é pura iniquidade. É a indiferença em verso e prosa, por isso é cruel com o povo e com os eleitores. É o poder que tem tudo “para ser, mas não é". Tem as condições mais favoráveis “para fazer, mas não faz”, e se faz, salvem-se as exceções, é como lixo, para nada. 

As provas do nada produzido por nossos legisladores enchem contêineres. Nos cantos e nas curvas do país, a produção legislativa é de se lamentar. São lamentos pelas condições deixadas de fora pela indiferença diante de tantos problemas que temos com os quais e pelos quais sofremos e morremos. O pior ainda é que essas questões têm soluções tão suscetíveis de iniciativas políticas, mas que são empurradas pela história por um caminho que parece não ter fim. 

Exemplos disto que se alastram e sobram estão a ser produzidos como numa linha de montagem, todos os dias e ano a ano, em seguidas legislaturas, é uma rotina de desastres. 

Vejamos, por exemplo, o que ocorre no município do Rio de Janeiro. Em 2016, 80% das leis produzidas eram inconstitucionais. Um luxo para uma cidade tão linda e “com tão poucos problemas”. 

O Distrito Federal segue a mesma toada, a inconstitucionalidade das leis produzidas em nossa Câmara Legislativa chega a 75%. Com uma ressalva: sabe-se que, senão todas, mas a maioria tem sua inconstitucionalidade previamente conhecida, mas mesmo assim o problema tem reincidência garantida pelos autores dos projetos de leis pretensamente produzidos para atender seus eleitores. 

Mas não é apenas a inconstitucionalidade que tem provado a produção do nada por nossos legisladores. Há muito mais a ser considerado como nada nesse celeiro de má vontade e de asfixia desta função tão necessária para promover a organização e a melhoria da vida em geral de nosso país, existem outras. Aqui entre nós, como por todos os parlamentos do Brasil, são tantas as leis produzidas na casa do povo, que mesmo não cometendo o pecado mortal da inconstitucionalidade, essas não escapam a outro, o da inutilidade, traço e prova maiores da incompetência de nossos deputados. Não são poucos os projetos de leis concebidos, promulgados ou sancionadas com total carência de utilidade. São produzidos, simplesmente para serem jogados no lixo. 

Vejamos um exemplo que vem da maior cidade do país, lá onde a garoa já deu samba, que bem ilustra o que se faz no Brasil inteiro, produzir leis bizarras. O exemplo é o seguinte: 

A LEI Nº 14.109, DE 28 DE MAIO DE 2010, muito bem denominada de Lei Ordinária, foi promulgada para inserir no calendário oficial da capital paulista o “Dia da Jóia Folheada”. 

Leis como esta servem para alguma coisa, ou só têm a intenção de provocar risos? 

Há exemplos tantos que podem encher contêineres, todos brotados em todas as casas legislativas. Há joias no Senado, sobram pérolas na Câmara Federal. Nas estaduais a produção do ridículo toma grande parte da rotina parlamentar e as Câmaras Municipais dispensam comentários. 

Têm ainda os projetos que envolvem, diuturnamente, o trabalho dos parlamentares e de suas grandes equipes de assessores e técnicos, ambos regiamente pagos pelo povo, consumindo assim enormes quantidades de tempo e dinheiro. A quase totalidade dessas “obras primas” não chega a bom termo em função de seus primorosos teores. “É pena que leis com conteúdos tão expressivos e necessários fiquem apenas nos registros e anais das casas do povo”. 

Para ilustrar esta situação citamos aqui o projeto de lei defendido por um vereador de Sertãozinho, SP, que propunha proibir a execução e canto, ou obrigava a criação de outra versão da cantiga de roda “Atirei o Pau no Gato”. Como justificativa o edil definia a proposta, indecorosa por sinal, como iniciativa jurídica baseada na lei de proteção aos animais. 

Então fiquemos com esta quase suficiente ilustração do que é produzido em nossos parlamentos, as democráticas e sonolentas casas do povo. Elas existem para pensar, discutir, elaborar e promulgar ou para conduzirem à sanção os instrumentos normativos da vida política, econômica, cultural e social de toda nação, mas, por vias da incontinência parlamentar, a maioria desses instrumentos só tem um destino: a lixeira. Por mais bizarro que isto possa parecer. 

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