por Laura Castanho
Mirada por políticos e marqueteiros, a maior rede social do Brasil é a única que ainda não instituiu uma forma de controlar notícias fraudulentas
Lula Marques/Twitter
O deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) em conversa no WhatsApp, na Câmara
Lugar comum no cotidiano de qualquer brasileiro com um smartphone e acesso à internet, o WhatsApp deve ser crucial nas eleições deste ano. Alvo prioritário de marqueteiros políticos, a rede social tem diversas características que a tornam central para a disputa política: é amplamente disseminada; fechada e, portanto, com conteúdo de difícil verificação; e, ao contrário do Facebook, que comprou o WhatsApp em 2014, ainda não tem uma preocupação explícita com a disseminação de notícias falsas, as chamadas fake news.
O WhatsApp é um colosso no Brasil. Segundo o mais recente levantamento próprio da empresa, de maio de 2017, são 120 milhões de usuários. No último dia 22, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 94,2% dos brasileiros entram na internet por telefones celulares e que 94,2% dos acessos têm como objetivo trocar mensagens de voz e imagens “por aplicativos diferentes de email”. Trata-se justamente das características do WhatsApp, o mais popular entre seus concorrentes. Uma pesquisa do Ibope publicada em junho do ano passado foi no mesmo sentido e revelou que o aplicativo é a principal rede social do Brasil, sendo utilizada por 91% dos internautas.
Com essa amplitude, o WhatsApp é visado pela classe política. O aplicativo é usado regularmente no setor pelo menos desde as eleições de 2014. Ele permite que, com pouco dinheiro (uma vez que a rede não tem a ferramenta de impulsionar publicações pagas), seja possível organizar apoiadores ativos de campanhas em grupos e encaminhar mensagens para pessoas de fora. “O Brasil é o país do WhatsApp”, diz o veterano marqueteiro político André Torretta. “Obviamente que a gente não consegue pegar 100% da população, mas pega um pedaço. Mas são pessoas mais aguerridas, pessoas com causa, que têm uma bandeira forte pra estar lá”, afirma.
Torretta recentemente se associou à Cambridge Analytica, empresa britânica conhecida por trabalhar para a campanha de Donald Trump, e criou a CA-Ponte. Ele avalia que o WhatsApp é estratégico, pois permite reunir e abastecer com informações esses apoiadores “aguerridos”, dispostos a compartilhar o conteúdo com outras pessoas, amplificando a capilaridade do WhatsApp. “A gente já está montando essas redes, de quem quer ouvir o que a gente quer falar.”
Torretta não revela seus clientes para 2018, mas afirma estar trabalhando em três campanhas estaduais. Segundo ele, todos os marqueteiros e todas as campanhas devem ter estratégias para agir no aplicativo. “Acho que todo mundo está usando nas campanhas, de uma forma ou de outra. Qualquer deputado hoje tem vários grupos no WhatsApp, tem todo um esquema pronto pra isso. Bem feito ou mal feito, mas tem. Já viu que não tem como não utilizar”, afirma.
O problema do uso do WhatsApp na política é que ele é terra fértil para a divulgação de notícias falsas. Em março de 2015, no início da crise que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff, reportagem de CartaCapital mostrou que o aplicativo era muito efetivo como ferramenta de mobilização política (os panelaços foram organizados por ele), mas ao mesmo tempo funcionava como uma máquina de boataria.
A realidade não mudou em três anos. O WhatsApp “leva vantagem” sobre as demais redes sociais na disseminação de boatos à medida que todo o seu conteúdo é compartilhado de maneira privada entre os usuários, o que traz maior sensação de confiança nas informações repassadas.
Por conta disso, o aplicativo também se tornou a principal ferramenta utilizada para espalhar golpes cibernéticos no Brasil. Somente no último trimestre de 2017, foram 44 milhões de ocorrências de links maliciosos na plataforma, segundo a empresa de segurança digital PSafe. “Eu diria que o WhatsApp é o maior canal de disseminação de notícias falsas hoje”, diz Márcio Vasconcelos, diretor do Instituto Tecnologia & Equidade (IT&E).
No último trimestre de 2017, foram 44 milhões de ocorrências de links maliciosos na plataforma. (Foto: PxHere)
Apesar disso, a plataforma ainda não instituiu um mecanismo de combate às notícias falsas que são compartilhadas em conversas. Uma fonte interna da empresa confirmou a CartaCapital haver “movimentações a respeito disso” na empresa. A política contra as notícias falsas estaria ligada a uma ferramenta, ainda em fase de testes, que avisaria os usuários de que uma mensagem foi replicada várias vezes e seria, portanto, um spam ou uma corrente.
Para Vasconscelos, a iniciativa anti-spam do WhatsApp é positiva, mas ainda é só o início. “Em algum momento, ele também vai [precisar] ter a capacidade de eliminar da plataforma algumas mensagens, com base em checagens e denúncias confiáveis”, afirma. “A plataforma sinalizar que algo é uma corrente não elimina o poder dela. É muito comum que boatos voltem a circular depois de seis meses porque as pessoas continuam tendo acesso àquilo”, diz.
Vasconscelos critica a falta de abertura do WhatsApp para que sejam feitos estudos em sua rede. O Facebook e Twitter, em contrapartida, divulgam métricas sobre como as pessoas estão usando as redes. “O WhatsApp é muito fechado. Hoje em dia, a única forma que existe de fazer um estudo [lá] é criar uma conta, entrar dentro de um grupo e tirar informações de dentro dele. Mas só assim, e isso é uma fração do que acontece no aplicativo”, diz. “No WhatsApp, tem um bloqueio muito forte de informações, mas existe esse meio. Ele pode gerar propostas de melhora no médio prazo.”
Questões legais
O WhatsApp é o meio de comunicação digital mais difícil de monitorar devido à criptografia de ponta-a-ponta, uma tecnologia de segurança do aplicativo que “fecha” as mensagens dos usuários contra terceiros. A própria diz não ter a capacidade de acessar a conversa privada de duas pessoas. Trata-se de uma afirmação contestada.
“Como tem conteúdos que só circulam no WhatsApp e não são divulgados em locais externos [na internet], fica mais difícil de encontrar o indivíduo que primeiro divulgou essa notícia falsa”, afirma Gisele Truzzi, advogada especializada em direito digital. “Você precisa fazer um caminho reverso até chegar o mais próximo possível dessa pessoa, o que é bem complexo e detalhado.”
Legalmente, o Facebook é a empresa que responde toda vez que alguém entra em ação contra um conteúdo circulante no WhatsApp, por ser detentor do aplicativo de mensagens. Se o recorrente do processo pedir para que determinada mensagem, seja de texto, foto, áudio ou vídeo, seja removida do aplicativo, há uma disputa jurídica que esbarra em questões técnicas — que, segundo Truzzi, ainda não foram totalmente esclarecidas.
A empresa costuma alegar, nesses processos, que a criptografia a impediria de ter acesso a mensagens trocadas entre seus usuários, e, consequentemente, deletar conteúdos potencialmente prejudiciais. Nos termos de uso do WhatsApp, o aplicativo afirma, no entanto, poder retirar de circulação conteúdos que violam direitos autorais. “Se o WhatsApp fala que consegue identificar conteúdo violador da propriedade intelectual e eventualmente barrar esse material, ele por analogia conseguiria barrar todo o material circulante”, diz a advogada.
Além do arcabouço jurídico incipiente, a central de boataria do WhatsApp nas eleições deve contar com a falta de uma estratégia específica para o aplicativo por parte das autoridades brasileiras.
Preocupado com as possíveis consequências eleitorais das fake news, o Tribunal Superior Eleitoral criou um conselho consultivo e um grupo de trabalho para lidar com o problema. O tribunal ainda se reuniu com representantes das três principais redes sociais no início do ano. O aplicativo de conversa deve ser tratado de forma genérica, no entanto. “O WhatsApp tem o potencial de disseminar informação de forma muito mais rápida, então isso é uma preocupação”, afirma Eugênio Ricas, chefe da diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal. “Mas a forma como vai se dar a disseminação independe para a gente apurar o crime”, afirma.
No dia 5 de março, o TSE deve apresentar a redação final das normativas deliberadas a partir das discussões desses grupos.
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