'Machado retirou do eixo de suas narrativas o pitoresco, o local, atendendo não uma peculiaridade decorrente da condição histórica brasileira na divisão internacional do trabalho, mas do mais profundo que existe no ser humano'
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Machado de Assis
Por Jorge Alberto Benitz
O titulo do debate Machado de Assis versus Roberto Schwarz já era tendencioso. Mesmo assim me dispus a assistir. Envolvido que estava com a leitura da obra machadiana pensei que algo poderia ser aprendido. Lá chegando, observei que o local estava tomado por estudantes. Nada preocupante. Só que tal fato acusava um descaso geral dos adoradores de Machado que, pelo que sei, são muitos e estão muito mais situados em uma faixa etária mais rodada. Em suma, não me surpreendi com a presença dos jovens e sim com a ausência dos contumazes admiradores de Machado de outras faixas etárias.
Como cheguei atrasado, não sabia se o palestrante estava falando pró ou contra o crítico. Alias, tudo era pouco claro: os três sujeitos na mesa, de quem tinha informação apenas do rol de títulos acadêmicos, a platéia. Aos poucos fui tomando pé da situação. Muitos pontos não ficaram claro até o fim. O que importa é que me dei conta de que o sujeito que estava falando defendia Roberto Schwarz. O que parecia ser mediador, nos momentos iniciais, exercia esta função com certa isenção. Assim que começou a se desenvolver mais o debate, transpareceu a sua total falta de isenção, a qual tratarei mais tarde.
No momento, que o primeiro debatedor desenvolvia a sua defesa de Roberto Schwarz pensei ser necessário ponderar algo, justamente, quando ele discorria acerca do caráter eclético e irônico de Brás Cubas. Como ele não explicitava com ênfase o caráter da ironia, ponderei que o discurso de Brás Cubas visava ao afirmar uma sentença para logo desqualifica-la, consciente ou inconscientemente, defender a sua indefensável condição escravista, isto é, aquelas idéias vindas do centro cultural europeu eram por ele conhecidas mas em solo brasileiro elas sofriam uma inflexão, só servindo para tiradas cultas de salão e não como ferramentas para o cotidiano que exigia, digamos, outra tratativa mais dura e preocupante ao nosso peculiar jeito de ser.
Talvez, por não saber bem que tipo de debate era aquele e se aqueles jovens eram estudantes de cursinho pré-vestibular ou universitários da Faculdade de Letras, meu desconcerto, que me colocava como estranho no ninho, se materializou na voz embargada e balbuciante que não pude conter quando intervi, no inicio. Às vezes, percebo que meu comportamento remete para o estereotipo do louco da plateia. Isto fica mais evidente em uma província pouco dada a debates com a plateia, que parece ter sua razão de ser no papel único e exclusivo de claque.
Passada a intervenção do primeiro debatedor pró-Schwarz, o outro que assumia a condição de crítico do crítico falou da impostura e impropriedade deste que indevidamente remeteu para a critica ao regime escravista, de favor, de paternalismo toda a analise machadiana quando ao seu juízo, amparado por um estudo recente que analisa Borges e Machado, asseverando que este ultimo apenas se vale da, desde sempre, usada tessitura narrativa, buscada na tradição literária, que reza ser inerente a condição humana a existência de dominados e dominadores em todos os quadrantes, independente de peculiaridades regionais e de regimes políticos. Para exemplificar este argumento, ele busca, em um trecho extraído de Tchecov, um paralelo.
Irritado, eu novamente me pronuncio dando conta de que deste modo ele relativizou tudo. Não existe capitalismo, feudalismo, colonialismo, só o homem ahistórico? –disse em tom irônico. Em resposta, o crítico de Schwarz disse que era isso mesmo. Borges e Machado retiraram do eixo de suas narrativas o pitoresco, o local, atendendo não uma peculiaridade decorrente da condição histórica da Argentina e do Brasil na divisão internacional do trabalho, mas do mais profundo que existe no ser humano, independente de pais ou região que habita. A partir daí, notei que o coordenador do debate começou a se alinhar de forma mais aguda junto ao crítico de Schwarz e a elevar o tom que vinha até então em compasso de racionalidade e objetivi dade, típicos de uma discussão acadêmica.
Como não tenho pretensão de fazer um relato fiel e pormenorizado do episódio, valho-me apenas da memória que, às vezes falha, lembro que neste diapasão mais exaltado da discussão eu falei em tom de indagação a uma afirmação qualquer, que não mais me recordo, aos dois críticos de Schwarz: Vocês não estão criticando o Schwarz apenas porque ele é marxista? Nenhuma resposta houve. Nem haveria porque daí seria por a nu a agenda secreta deles. Nesta altura da coisa, dei-me conta de que ali estavam dois críticos que não fariam feio naqueles Institutos de Estudos Liberais, que costumo chamar de Instituto de Estudos de Herdeiros. Era visível que toda aquela aguerrida crítica bebeu na fonte dos contuma zes críticos da esquerda que tomara vulto midiático com Paulo Francis e depois seguiram seu curso com Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor e numa escala menor arrebanharam os Rodrigos Constantinos e Lobãos da vida.
O coordenador – que impostava sobremodo sua voz, conferindo um efeito de autoridade e arrogância a alguém que parece disso se valia por índole e, talvez, também, para se fazer respeitar mesmo sendo tão jovem – para fechar com chave de ouro o debate, demonstrando ter trazido um ultima pedra para ser lançada, estrategicamente, no final, disse, em estudado tom exaltado, algo com este teor ou próximo disso, se minha memória não me trai “ De mais a mais, não merece respeito e consideração este sujeito que não é mais do que um austríaco, que pensa em húngaro e fala em português.” O húngaro fica por conta de Lukács, acredito. Risadas gerais, um começo de aplauso que logo se esvaiu num rec uo, talv ez, em respeito ao primeiro debatedor, defensor de Schwarz, que, provavelmente, era um professor muito querido e respeitado entre os presentes.
Confesso que a graça do dito me escapou. Talvez, por conta da referencia cifrada da filiação a Lukács. Típica tirada que agrada o circulo de especialistas que se vêem assim distinguidos por compartilharem um conhecimento de poucos. No geral é uma tirada fraca, chupada da velha piada que diz ser o argentino um italiano, que pensa que é inglês e fala espanhol.
Questões ideológicas a parte, me agrada este tipo de debate que mantém vivo o interesse pela literatura. Saúdo este tipo de iniciativa que demonstra ser um acerto a despeito do desacerto ideológico. É interessante e saudável observar a luta de todos pelo legado de Machado De Assis, demonstrando que ele traz consigo um valor maior e mais duradouro que ultrapassa todas as demais questões e idiossincrasias e que, portanto, pode ser lido por todos com deleite e proveito. Estilo que dialeticamente revela o embate do seu lado conservador como figura publica e o chamado ideal do eu lacaniano do Machado escritor que abrange ideais emuladores, balizas intelectuais e culturais que não se submetem as determinações de classe social, racial, ideológica do meio em que viveu.
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