O material didático autorizado pela Ditadura Militar nos convencia de que ficar sob influência da Rússia era algo muito ruim. Os países liderados pelos EUA tinham liberdade para se desenvolver.
Por uma educação livre dos fantasmas do passado e dos demônios evangélicos
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Aprendi durante a década de 1970, quando estava no ginásio, que existia uma organização internacional chamada COMECON. Esse era o nome do pacto econômico dos países socialistas. A principal característica do COMECON, segundo o que me foi então ensinado, era a cruel especialização das economias nacionais dos países satélites da Rússia para atender os interesses predominantes dos russos que queriam impedir o desenvolvimento econômico dos seus parceiros.
Cuba, por exemplo, estava condenada a produzir açúcar e era obrigada a comprar armamentos produzidos na Rússia. Como os produtos industrializados têm maior valor agregado, os cubanos estavam condenados a se dedicar a uma monocultura de exportação. Cuba era muito pobre porque gastava mais com as importações do que conseguia receber com suas exportações para o COMECON.
Também aprendi que a Rússia era muito mais rica do que seus parceiros, pois concentrava as indústrias mais sofisticadas. Os países dominados pelos russos no leste europeu produziam, no máximo, insumos industrializados que eram utilizados pelas indústrias russas. Alemães orientais, ucranianos, bielorrussos, poloneses, albaneses, tchecoslovacos, húngaros, búlgaros etc… vendiam peças e eram obrigados a importar produtos “made in Rússia”.
Além de não dominarem ciclos industriais produtivos completos os satélites controlados pelo Kremlin também mantinham uma balança comercial deficitária com Rússia. O livro texto que era usado na escola pública naquela época, citava dois exemplos: o do relógio de pulso e o da máquina fotográfica.
Um país fabricava do COMECON fabricava ponteiros e engrenagens, outro se dedicava à manufatura de pulseiras de couro e um terceiro produzia a carcaça. Todas essas partes eram enviadas para a Rússia. Lá os relógios eram montados para ser exportados muito mais caro para os países que haviam fornecido as peças indispensáveis para sua fabricação. O mesmo ocorria no caso das máquinas fotográficas.
Obviamente nenhum estudante de ginásio naquela época tinha condição de saber se o que era ensinado sobre o COMECON correspondia à realidade. O material didático autorizado pela Ditadura Militar nos convencia de que ficar sob influência da Rússia era algo muito ruim. Os países liderados pelos EUA tinham liberdade para se desenvolver. No Brasil, por exemplo, existiam fábricas de relógios e de máquinas fotográficas. O fato de a esmagadora maioria dos brasileiros não ganharem o suficiente para comprar esses produtos na década de 1970 não era objeto de debate. O capitalismo era bom e o socialismo era ruim, ou pelo menos essa deveria ser a nossa percepção da realidade.
De maneira geral, naquela época a imagem de russos e norte-americanos construída pela escola pública reforçava o que nós podíamos ver na televisão. Como nós víamos apenas seriados de TV “made in USA”, o resultado era o reforço pedagógico de preconceitos ideológicos difundidos através da indústria cultural. Do outro lado da cortina de ferro algo semelhante provavelmente ocorria.
Porque estou me dando ao trabalho de lembrar essas coisas da minha infância? Primeiro, porque é preciso mostrar que há sempre um abismo entre a fantasia e a realidade.
Apesar de supostamente estar numa posição melhor do que os satélites da antiga URSS o Brasil não se tornou um país desenvolvido. De fato, o capitalismo só conseguiu transformar nosso país num exportador de alimentos e de minérios. As indústrias mais sofisticadas (aquelas que produzem armamentos inteligentes, supercomputadores e Inteligência Artificial, etc…) estão todas nos EUA e na Europa. Os produtos que nós exportamos são mais baratos do que aqueles que nós exportamos, portanto, o Brasil virou uma espécie de grande Cuba do COMECON neoliberal.
Na década de 1970 a China tinha um parque industrial mais ou menos tão sofisticado quanto o brasileiro. Hoje os chineses estão muito mais desenvolvidos do que nós. A razão disso: o regime comunista investiu mais na educação do que o nosso regime supostamente democrático. Como Bolsonaro está tirando dinheiro da Educação para dar às Igrejas Evangélicas o resultado previsível será um retrocesso ainda maior. Se o bolsonarismo não for derrotado, daqui há 40 anos nós estaremos em situação pior do que estávamos quando eu era criança.
Os países que pertenciam à URSS não enriqueceram. Mas eles têm duas vantagens em relação ao Brasil. A primeira é geográfica. Em virtude da proximidade, eles atraem mais turistas espanhóis, ingleses, franceses, alemães, italianos, etc.. do que o nosso país. A segunda é cultural. Na década de 1970, nós brasileiros recebemos uma educação muito pior do que aquela que foi proporcionada aos alemães orientais, ucranianos, bielorrussos, poloneses, albaneses, tchecoslovacos, húngaros, búlgaros, etc…
Proporcionalmente, os países sob a influência da URSS formavam muito mais cientistas, engenheiros, físicos, químicos, etc… do que os países periféricos dos EUA. O acúmulo de conhecimento faz a diferença quando se trata de desenvolver novos produtos e processos produtivos. Isso explica, por exemplo, porque as inovações tecnológicas continuam se desenvolvendo mais rápido em alguns países do leste europeu do que no Brasil.
O segundo motivo para eu ter falado sobre minha infância é político. De maneira geral, as pessoas que comandam o Brasil na atualidade têm mais ou menos a minha idade ou são mais velhas do que eu. A educação que elas receberam não foi muito diferente do que aquela que eu narrei. Todavia, é quase certo que muitas delas não conseguiram se desvencilhar dos preconceitos que adquiriram na infância. Isso fica muito evidente, por exemplo, quando vemos Bolsonaro, o general Mourão e outros atacarem o comunismo como se a URSS ainda existisse e representasse um perigo.
Jair Bolsonaro quer comprar mais armamentos sofisticados manufaturados nos EUA.
O Brasil conseguirá se desenvolver vendendo soja para comprar tanques M1 Abrams produzidos pela Chrysler Defense? A resposta é não. Sabemos que Cuba não se tornou uma potência econômica vendendo açúcar para comprar tanques T-80 produzidos pela UralVagonZavod na Rússia.
A persistência de uma ideologia militar ultrapassada e o predomínio do fanatismo religioso são as duas únicas coisas que ameaçam o futuro do nosso país. Se quisermos avançar teremos que exorcizar os fantasmas pedagógicos e ideológicos criados pela Ditadura Militar quando eu era criança e expulsar os demônios que os pastores evangélicos estão enfiando nas cabecinhas das crianças nesse momento.
O sistema educacional brasileiro tem que ser expandido e não destruído. Ao invés de incendiar florestas, precisamos formar mais cientistas capacitados para pesquisa-as a fim de extrair delas o conhecimento necessário ao desenvolvimento da indústria química e farmacêutica brasileira.
Os russos desenvolveram a vacina que possibilitará ao Brasil retomar as atividades econômicas interrompidas por causa da pandemia de COVID-19. Se fizemos o que é necessário a partir de agora, quando a próxima pandemia ameaçar o mundo estaremos em condições de produzir e exportar com lucro o medicamento que salvará vidas nos outros países. Mãos à obra.
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