domingo, 4 de outubro de 2020

Antes de ir para o novo mundo de 2084, Jimi partilha seus pertences, por Sebastião Nunes

Muito esperançoso de que o coronavírus nos ajude contra o velho, gordo, mal alimentado e sedentário (quatro fatores de risco) Imperador do Norte, segue mais um capítulo da série que pretende reunir dois mundos no futuro 2084.

         Por Sebastiao Nunes

Antes de ir para o novo mundo de 2084, Jimi partilha seus pertences

por Sebastião Nunes

Enquanto retiniam guitarras, cuícas, agogôs, chocalhos, pandeiros, tamborins, caixas, repiques e surdos, Jimi Hendrix, boa praça que era, achou por bem repartir suas estimulantes riquezas com os novos amigos. Lembra quais eram?

Pelo sim, pelo não, vale o repeteco: anfetamina, cocaína, heroína, ópio, haxixe, LSD em pó, em pasta e líquido, mescalina, curare, GHB, crack, RH-34, ecstasy, cogumelos bravos, poppers, DMT, merla, oxi, uísque, cachaça e vinhos diversos etc.

Assim, solicitou educadamente ao craque das pernas tortas que abrisse mais que depressa a matula e distribuísse o conteúdo ao povaréu.

O ex-vivente Sérgio Sant’Anna, transformado em testemunha ocular da história, mais que depressa aceitou haxixe, uísque e cocaína, além de ópio para rebater.

O idem Luís Gonzaga Vieira, modesto, optou por cachaça e vinho.

O idem Lobato, de formação evangélica, de cujos sentimentos de culpa não se livrava, embora boquirroto, fantasista sexual, pecador virtual e pornógrafo nos longos papos que levava com os amigos que o visitavam no cubículo farmacêutico no qual pontificava, tudo recusou e mais recusaria se mais lhe fosse oferecido.

Garrincha atendeu aos pedidos, inclusive os do próprio Jimi, que pediu heroína, LSD, anfetamina, uísque e vinho tinto. Já ele próprio, o que faz-que-vai-mas-não-vai-e-foi, ficou mesmo na branquinha, da qual abraçou um litro cheio, que não largou.

SEGUE A GANDAIA

Ah, não, ainda não: São Pedro e os arcanjos, enfurnados na carnavalesca folia, decidiram dar um basta na lambança para também refestelar. Não teria Jimi de limitar a distribuição do farnel psicotrópico se, animado pela oferenda, o arcanjo Gabriel não convocasse imediatamente as forças de primeiro escalão celestial e infernal para que participassem da orgia.

Vieram então, surgidos do quase nada, Satanás, Lúcifer, Belzebu, Tinhoso, Cão, Chifrudo, Jurupari, Mafarrico, Satã e o Príncipe-das-trevas, entre outros.

Dos teístas, além de Gabriel, que ladeava São Pedro, compareceram Miguel, Rafael, Baraquiel, Uriel, Jegudiel, Fanuel e Salatiel, acompanhados de…

Nesse ponto, sorvendo uma cachacinha, ponderou Vieira:

– Não te parece, fraterno Lobato, que faltou originalidade a Deus no momento de nomear auxiliares diretos? Não é esquisita a presença de tanto EL nos nomes da tropa de elite?

– Deve ser hebraico – intrometeu-se Sérgio, cujo cérebro desfrutava dos divinos efeitos da mistureba que havia solicitado. – Haverá algum sentido oculto.

– Ipsum factum est – alardeou Vieira, gastando um pouco de seu latinório.

Nesse momento, dirigindo-se a São Pedro, que chafurdava e até mesmo delirava, protestou o aclamado guitarrista:

– Recuso-me, nobre Guardião da Porta do Paraíso, a seguir com a distribuição prometida. Desse jeito, me zeram o estoque em menos de um dia!

– Lembre-se de que aqui não existe dia ou noite – ponderou São Pedro, saindo pela tangente. – Neste imenso hall de entrada, cujos limites nossos olhos não alcançam, o tempo não existe, como queria Einstein, e não me canso de repetir para as vossas cabeças duras: AQUI O TEMPO NÃO EXISTE. Entendeu?

AGORA SIM, SEGUE A GANDAIA

Seguia tão arretada a gandaia carnavalesca promovida pelos quaquilhões saltitantes de imortais-mortais-imortais, que até Deus, pouco dado a curiosidades, abriu as cortinas do empíreo para bisbilhotar. Depois de muito olhar e reolhar, decidiu-se por palpitar um pouco, o que em nosso caso é muito, vindo de quem vinha:
– Não é à toa que o Brasil não tem futuro, e nunca teve.

De uma boceta de ouro extraiu uma pitada de pó, que aspirou com volúpia e, depois de espirrar duas ou três vezes, continuou, dirigindo-se a Stephen Hawking, que lhe ficava à direita:

– Viviam no imenso território brasílico uns naturais pacíficos e ordeiros, que só entre si guerreavam e, só por folgarem e festejarem, promoviam banquetes com carnes de inimigos mortos em honestas e acordadas escaramuças.

Sorveu nova pitada da boceta e continuou:

– De uns tempos para cá, vieram os portucalenses, trazendo com eles tudo o que não presta, como excessiva ambição, demasiada luxúria, despudorada inveja, funesto ciúme etc. Dizimaram com arcabuzes, varíola, guerra e intriga os naturais, apossando-se da terra e dos bens existentes.

Hawking anuiu, piscando o olho esquerdo. Continuou Deus:

– Desde então os mais desatinados e malvados dentre eles passaram a controlar o país e assim deu no que deu. Quanta tinta, palavra e sangue já correram para dizer o que agora redigo? Nem Eu mesmo sei.

Magoado calou-se e, com um suspiro, passou a fitar em silêncio o nada.

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