sábado, 5 de dezembro de 2020

Brasil, BRICS e a defesa do Sul Global

Reprodução

Bruno Lima Rocha Beaklini (*)

Apresentação do texto para um público maior

Este artigo foi originalmente publicado para um portal especializado em temas do Grande Oriente Médio e o Mundo Islâmico. Faço um exercício de projetar nosso país através de uma Política Externa Independente (PEI), onde o Brasil estaria mais vinculado às populações árabes e também as islamizadas. Quase tudo o que consta no texto abaixo é evidência absoluta e precisaria de uma racionalidade na chancelaria brasileira, mas oriunda de uma hegemonia decolonial em nossa sociedade, algo que é estratégico para nosso destino, mas muito distante ainda. Enfim, peço que encarem como um exercício de análise preditiva, não apenas de retórica, mas de pensar o Brasil no Sistema Internacional a partir do Sul Global.

Introdução

Raras vezes na história da humanidade sai algo de positivo a partir do centro nervoso do capital financeiro e dos parasitas especulativos. A ideia dos BRICS pode ser uma rara exceção neste sentido, ao menos no plano discursivo. O acrônimo foi formulado por Jim O’Neill, então economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs (a mesma instituição de Henry Hank Paulson, central na bolha imobiliária de 2007 e 2008, nos balanços fraudulentos e na transição negociada com o Partido Democrata quando Obama foi eleito), em estudo de 2001, intitulado “Building Better Global Economic BRICs”. À época, ainda chamados de “mercados emergentes”, os três grandes países do eixo eurasiático (Rússia, Índia e China), em companhia do Brasil, eram vistos como um universo de oportunidades para a expansão capitalista. O termo-conceito BRICs fixou-se como categoria da análise nos setores mais relevantes dos meios econômico-financeiros, empresariais, acadêmicos e de comunicação.

O agrupamento em si, surge em 2006, incorporado à política externa de Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul adentra em 2011, por ocasião da III Cúpula, quando se adota a sigla BRICS em definitivo. Longe de ser uma aliança formal, o fato de que grandes países se agrupem para observarem interesses comuns e trazerem consigo parte das regiões onde exercem influência direta, pode significar muito no grande jogo.

Em novembro de 2020, o presidente brasileiro Jair Messias Bolsonaro participou da 12ª Cúpula dos BRICS, a primeira realizada de forma virtual. Como em todos os percalços de sua política externa, o chanceler Ernesto Araújo, o assessor especial para assuntos internacionais, Filipe Martins e o filho, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seguiram os caminhos erráticos e irresponsáveis. Note-se que todos os citados são fãs declarados do auto intitulado filósofo Olavo de Carvalho (cuja única expertise é como astrólogo). O suposto guru é entusiasta de uma “guerra cultural anti-globalista” e defensor do Ocidente contra as demais “civilizações”. Não pode sair nada de positivo com esse tipo de influência na política externa nacional.

Nessa reunião de cúpula, Bolsonaro insinua uma aproximação com a Rússia a partir de sua idolatria por “homens fortes”, no caso, trocando de herói imaginário, sai Trump e entra Putin. Na mesma reunião, a posição da China foi discreta e distante, sendo que o Estado confucionista é o maior parceiro comercial do Brasil. Na semana seguinte, o filho que esteve cotado para ser embaixador brasileiro nos EUA defende a proposta de Mike Pompeo para a implantação de um sistema de telecomunicações 5G, com tecnologia sob o controle dos Estados Unidos. O incidente diplomático prossegue, minando as chances de uma posição madura, altiva e ativa do Brasil no Sistema Internacional.

Infelizmente, os passos dessa diplomacia baseada na ficção vão pela contramão das potencialidades do país. Uma das saídas para o Brasil, em escala internacional, é ampliar a participação em projetos estratégicos e afirmar parcerias nesse sentido. Um apontamento básico é fortalecer a posição do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS, www.ndb.int) e, assim, retomar as atividades do Banco do Sul como instrumento dos países sul-americanos através da também esvaziada União dos Países do Sul (Unasul). Com isso conseguiríamos financiar projetos conjuntos de envergadura – como na exploração do Pré-Sal brasileiro – e interconectar nossos territórios, desde que respeitando a soberania popular e o direito ancestral dos povos tradicionais e originários. Ao mesmo tempo, fortaleceríamos posições evidentemente anti-imperialistas em nosso continente, como as da Venezuela, bem como ocorre com o Irã, que sofre bloqueio econômico e atentados terroristas do Mossad.

Como se sabe, a presença do Brasil no cenário internacional através de uma Política Externa Independente (PEI) deve ser acompanhada de uma grande aliança com os países sul-americanos, latino-americanos e caribenhos. Na projeção brasileira, através do Atlântico Sul, poderíamos ter uma óbvia aproximação de vários países africanos, tanto os lusófonos, como a aliada África do Sul, como outros Estados africanos que têm o importante apoio da Agência Brasileira de Cooperação (abc.gov.br).

Assim como no domínio interno é necessário nos livrarmos da hegemonia do capital financeiro, seu controle dos postos-chave do Estado brasileiro e sobre a autoridade monetária, o mesmo deve se dar em nível internacional. O Brasil consegue operar como um pivô geopolítico e ter algumas projeções geoestratégicas, desde que tenhamos no cenário doméstico algum consenso nesse sentido. A formação de alianças regionais e o impulso nos BRICS podem ser fundamentais para reforçar a cooperação econômica entre pares (e não apenas como uma gigantesca mina a céu aberto ou uma plantation de grãos), criando um impacto econômico global para promover os interesses do Brasil (nossos aliados continentais) e do restante do grupo.

Também parece evidente a necessidade do país se preparar para a fase posterior ao controle econômico dos EUA do mundo como a primeira economia do mundo e sua substituição pela China. Temos espaço para negociações dentro da disputa sino-americana e podemos condicionar a compra ou instalação de serviços e cadeias de alto valor agregado ou conhecimento sensível, tentando conseguir transferências de tecnologias e instalação de parque industrial, seguindo o mesmo critério da compra de equipamento militar (quando tão relevante como o arsenal adquirido é incorporar o conhecimento agregado).

Os BRICS também podem vir a fortalecer a atuação do Brasil para liderar os esforços internacionais na defesa da democracia, liberdades fundamentais e direitos humanos. Neste sentido, formaria um espaço importante para superar a relação hipócrita com o Apartheid colonial promovido por Israel e o apoio incondicional dos Estados Unidos aos crimes contra Gaza e Cisjordânia. É importante tirar a “bandeira dos direitos humanos” do país que é o maior violador destes direitos, mantendo várias prisões ilegais, incluindo a famigerada masmorra de Guantánamo, que ocupa de forma ilegal o território soberano de Cuba.

É preciso aumentar a influência do Grupo dos BRICS no enfrentamento das diversas questões de segurança e combate ao terrorismo em nível internacional, brecando os intentos de aventuras com agressões imperialistas frequentemente cometidas pelos países membros da OTAN. O Brasil poderia cumprir um papel estratégico neste sentido, evitando corridas de tipo realismo regional (conflitos potenciais entre países vizinhos) e contrapondo a presença hegemônica das forças estadunidenses e britânicas no chamado Escudo Atlântico. Para tal, é preciso estabelecer convênios militares com os países que comungam do Oceano Atlântico em sua metade sul, aumentar a atividade da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas), uma iniciativa da ONU em 1986 e que tem em nosso país seu maior propulsor.

Considerando que o Brasil tem cerca de 16 milhões de cidadãos com origem árabe, e Rússia, China e Índia tem uma grande parcela de sua população islamizada, evidente que os BRICS devem projetar um papel efetivo nas questões dos países membros da Liga Árabe (lasportal.org) e Organização da Cooperação Islâmica (oic-oci.org) em todos os aspectos. O Brasil, em específico, tem vínculos históricos com o Líbano (nossa maior parcela de colônia árabe) e Síria, e deveria estar presente nos acertos de segurança regional e da UNIFIL, para precaver os dois países soberanos das constantes agressões do Estado Colonial de Israel. O mesmo se dá na defesa de um Estado Palestino livre, soberano e plenipotenciário, implicando recursos hídricos e extensão territorial. Por fim, os BRICS podem jogar um papel fundamental no Grande Oriente Médio, tanto em termos securitários, com a presença naval no Mediterrâneo, Mar Vermelho e Golfo Pérsico, como na garantia de reservas estratégicas, superando os index especulativos anglo-saxões do Brent e do WTI.

Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio (monitordooriente.com)

(*) Bruno Beaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini) é militante socialista libertário de origem árabe-brasileira e editor dos canais do Estratégia & Análise (estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com / canal no Youtube: estrategia e analise blog – https://www.youtube.com/channel/UCweS5s_1c0AvbXe5_iXYjKA / grupo no Telegram: t.me/estrategiaeanalise)

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