Por Jornal GGN
A relação entre o sofrimento, tédio, esperança e desejo para o caminho da felicidade
por Saulo Barbosa Santiago dos Santos [1]
É comum vermos pessoas falando sobre felicidade, alguns dizem que ela não existe, outras afirmam que nada mais é do que a média de momentos felizes e tristes, no final das contas, todos se interessam pela felicidade e é preciso pensar neste assunto com muita cautela para não causar confusões porque há outras situações que se relacionam, diante disso, o objetivo do texto é analisar as relações entre o sofrimento, tédio, esperança e o desejo para se chegar à felicidade.
Desde os tempos mais antigos a felicidade faz parte da reflexão filosófica, não por ser mais um tema meramente debatido, mas por que a felicidade é o objetivo da filosofia e filosofia significa amor à sabedoria, logo, felicidade e sabedoria andam juntas devida à relação direta que ambas têm, pois quando falamos em sabedoria, estamos falando numa felicidade pela verdade.
Para uma pessoa sábia a felicidade não é suficiente se não estiver atrelada à busca da verdade e à lucidez, sem isso, estaremos falando em sensações quimicamente controladas que se assemelham à felicidade, mas não é a felicidade, no sentido filosófico, que almejamos. Sabemos que há determinadas drogas, lícitas ou ilícitas, que deixa alguém em estado aparentemente feliz tanto quanto o corpo puder tomá-las, mas isso não é felicidade porque não está relacionada com alguma verdade e muito menos à sabedoria, afinal, nem estará lúcido para isso.
O objetivo da filosofia é a felicidade, mas a filosofia não fornece um regulamento dizendo, passo a passo, como chegar até ela. Primeiro que seria necessário a submissão e o fim da liberdade da pessoa, segundo que isso não existe, a felicidade de um pode não servir para outro, pau que dá em Chico nem sempre dará em Francisco, como diz o ditado. Vemos muito isso nos livros de autoajuda onde dizem devemos colocar o pé direito no chão quando acordar e depois começar a cantar “Patience” dos Guns’n roses para começar o dia feliz, isto não é felicidade e tampouco sabedoria, no máximo, pode-se se sentir bem porque coisas assim servem para iludir (se não iludisse não venderia tanto) e deixá-lo dependente à ilusão (para continuar a vender mais).
Devemos entender que muitas ilusões estão sob engodo da felicidade, o problema é que ficaremos preso à reflexão do ilusório. Se devemos refletir sobre algo, não é por que isso trás felicidade, mas sim por que se busca a verdade, ou o limite dela, por mais difícil que seja. Uma pessoa sábia jamais escolherá um caminho falso para ser feliz, pelo contrário, preferirá uma caminho que tende ao verdadeiro, mesmo que isto o traga tristeza, em outras palavras, seria preferível uma tristeza verdadeira do que uma felicidade falsa.
Por que a sabedoria é necessária à verdade, precisamos realmente dela? Sem dúvidas, de outra forma seríamos infelizes, ansiosos, angustiados, etc., indefinidamente. O leitor poderia afirmar que é muito fácil falar em filosofia, buscar a felicidade, sabedoria, quando estamos na zona de conforto. O que diremos daquelas pessoas que estão passando sede na região mais árida do nordeste ou os palestinos que estão sendo massacrados pelos israelenses, como elas buscarão felicidade nestas condições? Pois bem, levamos à outra questão, só falamos em felicidade quando estamos, de alguma forma, bem, seguros, saudáveis e em condições humanamente aceitáveis, não há o que falar sobre isso quando o mais urgente para alguém é sobreviver perante o caos.
Por que ainda existem pessoas que são infelizes quando estão numa boa condição de vida? Porque lhes falta sabedoria. Claro, esta sabedoria é aquela humanamente viável, pois, por mais que alguém seja sábia, jamais será feliz no momento que perde, por exemplo, um filho, esposa ou mãe (desconheço qualquer pessoa que diga estar feliz quando enterra alguém que ama). Sabedoria, nos termos do texto, é aquela da música da banda brasileira “Os titãs” quando eles falam que “é preciso saber viver”, aprender a viver, e nunca é cedo ou tarde demais para isso, só precisa filosofar e buscar ser feliz.
No início do texto foi dito que todos se interessam pela felicidade, pois, se há interesse, então, há desejo em tê-la. Quem não deseja ser feliz? Até o homem mais infeliz do mundo, sob uma arma apontada contra si deliberadamente, deseja felicidade. Eis que surge um problema: o desejo.
Só desejamos aquilo que nos falta, e esta falta nos faz sofrer. Para dar fim a este sofrimento, buscamos o que queremos e, se conseguir, o desejo, o prazer e o sofrimento acabam, damos lugar ao tédio. Darei um exemplo pessoal para compreender isso. Minha filha mais velha tinha um celular com mais de 4 anos de idade, para os padrões da exigente adolescência, já estava obsoleto. Como faltavam 20 dias para o aniversário dela, prometi um celular novo. Foram 20 dias de espera, angústia e sofrimento pelo celular, pois bem, ganhou o presente e rapidamente instalou os jogos que antes não podia e tirou diversas fotos com a super câmera do aparelho, o gosto foi tanto que dormia com o presente. Semanas depois, o celular já tinha caído, arranhado e muitas vezes perdia, ela disse que já não era mais novidade, acabou aquele gosto que tinha. O tédio é quando não estamos mais felizes por aquilo que desejávamos e agora temos.
Não sejamos tão pessimistas a vida não é tão infeliz a este ponto, nem sempre é sofrimento e tédio, esperança e angústia, calma, estamos além disso. Se mudarmos o entendimento sobre desejo, e devemos mudar, a ideia de felicidade na vida toma novas perspectivas, desta vez, mais otimista. Há prazer e alegria quando desejamos o que não nos falta, por isso, não devemos confundir desejo com esperança, são coisas diferentes e é necessário diferenciá-las para entender.
O desejo está relacionado à ação, é aquilo que faz as pessoas se moverem, seja qual motivo for, e existem três meios para se desejar: a esperança, o amor e a vontade. Porém, entre estas três ocorrências trataremos somente a esperança como objetivo do texto, caso contrário, se tornará longo.
Há esperança no desejo, todavia, não é obrigatório sentirmos desejo quando temos esperança. Esperança é desejar aquilo que não possui e muito menos ter controle sobre ela, além disso, nem sempre relaciona-se ao futuro, mas pode, também, estar atrelado ao presente e ao passado. Todo esperança requer desejo, mas nem sempre há desejo na esperança.
Tudo bem, é complicado, mas a partir de um exemplo, ficará mais fácil, vejamos. No dia 18 de fevereiro de 2021 foi lançado a Marte o rover da Nasa chamado Perseverance, seu objetivo explorado este planeta. A questão da esperança está toda aí, no pouso da missão porque somente 50% destas missões feitas são acertadas. Quando o rover já estava prestes a adentrar no planeta os entusiastas pensavam: “espero que todos os equipamentos funcionem bem”, é uma esperança relacionada ao presente. Há um segundo detalhe, desta vez é em relação ao passado, assim que o rover entra no planeta ele terá 7 minutos para fazer o pouso, estes minutos se chama “Sete minutos de terror” porque há diversos aparelhos responsáveis e se qualquer um deles que falhar, o rover será destruído e toda a missão, que durou quase uma década, será fadada ao fracasso. As informações do rover até a Terra duram 20 minutos para chegar, logo, não saberemos em 7 minutos se pousou corretamente, então pensaremos: “espero que todos os equipamentos tenham funcionado”, ou seja, nossas esperanças estavam no passado. Nem sempre a esperança está vinculada ao futuro, nem sempre remete-se a isso, passado e presente podem se entrelaçar, entretanto, só esperamos aquilo que não conhecemos. Não sabíamos se o rover da NASA pousaria em segurança, por isso, só restou a esperança nele, simplesmente não podíamos fazer algo, exceto desejar impotentemente.
Se o objetivo da vida é ser feliz é porque desejamos felicidade e a via para chegar à felicidade é através da verdade, tendo a sabedoria como ponte. Desta maneira, podemos entender que vida tem um ciclo, e não necessariamente se resume ao sofrimento e o tédio, mas também vivenciamos o desejo e a esperança dos momentos que ela nos proporciona.
[1]Formado em filosofia e especialista em educação. Guarda Civil especialista em segurança público. Email: angrasbss@gmail.com. (http://lattes.cnpq.br/4806007933719126)
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