domingo, 7 de março de 2021

Mensalão: como Joaquim Barbosa antecipou todos os abusos da Lava Jato, por Luis Nassif

Joaquim Barbosa. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Por Luis Nassif
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Um dos episódios mais esdrúxulos do chamado “mensalão” foi o inquérito contra Henrique Pizolatto, colocado pelo PT na Diretoria de Marketing do Banco do Brasil. A maneira como a Procuradoria Geral da República, com o então procurador Antonio Fernando de Souza, e o Ministro Joaquim Barbosa, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), conduziram o processo representou definitivamente a abertura da jaula, por onde saíram depois os tigres famintos da Lava Jato.

Utilizaram todo o ferramental empregado, posteriormente, pela Lava Jato: uso intensivo da mídia contra os dissidentes, sonegação de provas à defesa, criação de narrativas sustentadas em provas falsas. Os Ministros que ousavam divergir da interpretação eram alvos de campanhas da mídia e de escracho em aeroportos.

O episódio central foi o suposto desvio de R$ 75 milhões da Visanet. A lógica “lavajatiana” de Joaquim Barbosa consistiu no seguinte:

1. Tratar a Visanet como se fosse uma empresa pública, apesar de ter como acionistas, além do BB, vários bancos privados.

2. Tornar responsável pela conta o diretor de marketing do BB, Antonio Pizzolato, único quadro petista no banco.

Com esses dois pontos, conseguiu criar a trama para chegar no Palácio do Planalto. A partir daí trazer a interpretação distorcida do “domínio do fato”, tão distorcida a ponto de gerar protestos do próprio criador do conceito, Claus Roxin. A livre interpretação em nada diferiu das inovações penais criadas posteriormente por Deltan Dallagnol e Sérgio Moro.

Foi um escândalo maior do que a própria Lava Jato, porque perpetrado diretamente por um Ministro do STF e o próprio Procurador Geral da República, e avalizado pelo pleno do Supremo, debaixo da campanha opressiva da mídia.

As falsas provas

Havia duas provas irrefutáveis de que não houve desvio de recursos.

Uma, um relatório da Pinheiro Neto, maior escritório de advocacia do país, atestando que os recursos foram efetivamente aplicados em campanhas da Visanet.

Outro, um laudo da Polícia Federal, com as mesmas conclusões, e que Joaquim Barbosa manteve sob sigilo absoluto durante todo o julgamento.

Os advogados dos réus limitaram-se a tentar, por vias legais, obter o inquérito da Polícia Federal. Mas Joaquim Barbosa negou durante todo todo o processo. Ou seja, um Ministro do Supremo negando acesso dos réus a provas, e sendo convalidado pelo pleno da casa.

Por outro lado, a atuação dos advogados de defesa soou incompreensível.

Quando estourou o escândalo da Visanet, conversei com alguns diretores do BB. Constatei a antipatia generalizada contra Pizzolato, mas também outras informações relevantes:

1. Como o Banco do Brasil é uma organização blindada, com princípios de compliance, pelos quais há instancias de decisão, e todas elas são colegiadas, Pizolatto não conseguiria emplacar nenhuma proposta pessoal, mesmo que tentasse.

2. Visanet era uma empresa com participação acionária de vários bancos. Portanto, nem Pizolatto nem o BB tinham a palavra final.

3. Principalmente: não houve desvio de recursos da Visanet.

Mas como justificar que o STF tivesse endossado a tese do desvio de R$ 73,8 milhões?

O julgamento pela 20ª Vara Cível de Brasilia

Na sentença sobre o caso, que tramita na 20a Vara Cível de Brasilia, a juíza Thaissa de Moura Guimarães, resume os critérios utilizados pelo STF para considerar irregulares os recursos repassados pela Visant à agência de propaganda:

“a ausência de submissão, pelo requerido Henrique Pizzolato, às alçadas competentes e aos órgãos se controle (Comitê de Administração das Diretorias de Marketing e Comunicação e de Varejo, Comitê de Comunicação e Conselho Diretor) antes de determinar os repasses antecipados de recursos da ordem de R$ 73.851.536,18 para as contas da DNA. Em relação a esse valor, o STF já concluiu não ter sido prestado nenhum serviço e que as notas fiscais apresentadas pela agência e acima mencionadas não eram idôneas, não descreveram o serviço ou objeto de contraprestação e ‘não havia qualquer documento entre as partes vinculando a necessidade de prestar serviços em decorrência dos valores transferidos’” (fl. 52359)”.

Agora, um laudo encomendado pela juíza ao perito Fernando Cesar Guarany, e pela defesa ao perito Luiz Carlos Souza e Silva, demonstram a maneira como Antônio Fernando de Souza e Joaquim Barbosa manipularam as provas, para poder atingir o alvo político.

Voltemos à condenação do STF, e aos pontos principais da perícia encomendada pela própria juíza.

O primeiro ponto era que Pizzolato sequer seria responsável pela movimentação do fundo:

Segundo o laudo do perito da juíza, Pizollatto não era o “Gestor do Fundo de Incentivo”, a pessoa indicada pelo banco como responsável pelas movimentações do fundo. Ou seja, um dos pontos centrais da acusação que quase derrubou um governo e preparou o caminho para o impeachment do segundo, era falso: Pizzolato sequer era o gestor da conta.

Segundo o laudo, Pizzolato não apenas não integrou o Comitê Gestor do Fundo de Incentivo da Visanet, como também não integrou o Comitê de Administração da Visanet.

Na resposta a esse quesito, o laudo constatou.

“De acordo com o Laudo 2828/2006-INC constante no id 39312727 – Pág. 80/122, as Notas Fiscais foram encaminhadas pelo Incentivador BB à CBPM- Visanet:

* a) NF 029061, no valor de R$ 23.300.000,00, encaminhada em 12/05/2003 pelo Gerente Executivo, Sr. Douglas Macedo;
* b) NF 033997, no valor de R$ 6.454.331,43, encaminhada em 17/11/2003 pelo Gerente Executivo, Sr. Douglas Macedo;
* c) NF 037402, no valor de R$ 35.000.000,00, encaminhada em 04/03/2004 pelo Gerente de Divisão, Sr. Léo Batista dos Santos;
* d) NF 039179, no valor de R$ 9.097.024,75, encaminhada em 18/05/2004 pelo Gerente de Divisão, Sr. Léo Batista dos Santos. “

Em nenhum momento aparece qualquer indicação de responsabilidade de Pizzolatto.

Em relação às acusações do STF, de que nenhum serviço foi prestado pela agência, pelo fato dos serviços não estarem detalhados nas propostas encaminhadas à Visanet, diz a perícia de Guarany:

Sim, era permitido dar encaminhamento sem a apresentação do detalhamento da proposta. Consta do formulário padrão, utilizado no encaminhamento das quatro Propostas de Ações de Incentivo (JOB), o seguinte item a ser preenchido:

“Detalhamento das ações em anexo: ( ) Não ( ) Sim”

A alternativa “Não” foi assinalada nos quatro casos sob exame. Ou seja, não havia detalhamento das ações em anexo, como demonstrado no id 39312727 – Pág. 79/86.

Indagado sobre o relatório da Pinheiro Neto Advogados:

Sim, este Sumário Executivo, de 09/02/2006 (id 39312770 – Pág. 111/117), trata das despesas realizadas sob solicitação do Banco do Brasil referentes às faturas emitidas pela DNA Propaganda em 2003 e 2004, com vistas à determinação de sua dedutibilidade das bases de cálculo do IRPJ e CSL da CBMP- Visanet, com o valor de R$ 73.851.356,18.

Este Sumário apresenta 15 eventos (8 de 2003 e 7 de 2004) cujas despesas foram consideradas indedutíveis. A dedutibilidade ficou condicionada à apresentação de documentação faltante (id 39312770 – Pág. 111/117).

A perícia da 20ª Vara Federal

O perito dos acuados, Luiz Carlos e Silva, chega às mesmas conclusões.

Diz ele:

Em relação ao pagamento dos gastos:

Em primeiro lugar, é equivocada a afirmação de que notas técnicas foram consideradas “frias” pelo STF. Em segundo lugar, também é equivocada a afirmação de que a Perícia judicial validou notas fiscais “frias”. As notas fiscais analisadas e validadas pela Perícia foram emitidas por empresas brasileiras notoriamente conheci- das, como a exemplo: TV Globo Ltda., TVSBT Canal 4 de São Paulo S.A., S.A. O Estado de São Paulo, Três Editorial Ltda (Isto é), Universo Online Ltda – divisão Bol, S/A Correio Brasiliense, Yahoo do Brasil Internet Ltda., entre inúmeras outras. É irrefutável que todas as notas fiscais foram validadas pela Perícia, mediante a comprovação do vínculo despesa/pagamento com os recursos do Fundo de Incentivo Visanet, lembrando que esses re- cursos não estavam disponíveis em conta corrente de livre movimentação, se encontravam em conta vinculada da DNA Propaganda Ltda. no Banco do Brasil, em Belo Horizonte.

Não há dúvida, portanto, que os serviços prestados pelas inúmeras e notórias empresas, em prol dos cartões Visa/Ourocard, foram pagos com os recursos do Fundo Visanet.

Sobre os supostos prejuízos do BB com os recursos, diz o perito:

A Visanet, legítima proprietária dos recursos do Fundo Visanet, informou ao Banco do Brasil que inventariou todos os documentos fiscais, planos de trabalho e comprovantes da execução das ações de incentivo e concluiu que o valor de R$ 68.259.922,34 foi utilizado em conformidade aos objetivos e premissas do Fundo de Incentivo Visanet. Quanto ao valor restante: R$ 5.591.433,84, informou que foi utilizado em campanhas cujas evidên- cias estavam relacionadas à marca “Banco do Brasil”, ao invés da marca Visa ou Ouro- card ou foi utilizado em campanhas cujas evidências não foram apresentadas tempesti- vamente (fls. 675 e 676).

Logo é evidente que o Banco do Brasil não sofreu qualquer perda ou prejuízo.

Assim, as divergências ficaram restritas a duas contas.

A primeira, ao Bônus de Veiculação sobre eventos não ligados diretamente a veículos de comunicação. Segunda, à contabilização de R$ 849 mil, que foram gastos em 2005 mas, segundo o perito da juíza, deveria ter sido contabilizado em 2004 – portanto, um problema contábil, não de desvio.

O caso do bônus de veiculação

Ficaram sem comprovação R$ 5,6 milhões, simplesmente porque se tratava da remuneração da agência de publicidade – um percentual sobre as campanhas planejadas.

No meio do caminho, a tese do desvio foi provisoriamente substituída pela do Bônus de Veiculação (BV), devolução que veículos fazem às agências que encaminham campanhas para eles – comprovando que os culpados foram definidos antecipadamente e, depois, se partiu para ver em que tipo de crimes poderiam ser enquadrados.

Em cima desse entendimento, na denúncia, a PGR reduziu os supostos desvios a R$ 2,9 milhões. Segundo a denúncia, havia recomendações expressas no contrato de que a DNA Propaganda não poderia reter os BVs.

Três Ministros afirmaram ser lícita a destinação da verba publicitária. Dentre eles, Luiz Fux, que deixou a maioria pró-condenação por suas óbvias relações com as Organizações Globo – maior pagadora dos BVs.

“O doutor falou, está falado”

É princípio básico de qualquer sistema jurídico a admissibilidade de novas provas que comprovem a inocência de réus condenados.

Depois de aprovar a contratação dos peritos, as questões formuladas, ao constatar que a perícia trazia elementos novos, que contrariavam as sentenças condenatória do Supremo, simplesmente decidiu anular as perícias, em uma demonstração do realismo fantástico em que se converteu a justiça brasileira.

Diz a juíza:

Decido.

Razão assiste ao Banco do Brasil quanto à alegação de que a Perícia não poderia modificar alguns entendimentos já sedimentados pelo acórdão do Supremo Tribunal Federal, sob pena de violação da coisa julgada.

Assim, não há como a perícia, nem tampouco este Juízo, divergir desse entendimento e deixar de reconhecer a ocorrência do desvio do montante R$ 2.504.274,88, visto que o valor individualizado pelo Supremo Tribunal Federal é a própria quantificação do dano elementar da conduta típica, não se tratando, pois de mero argumento. Sendo parte da caracterização das elementares do tipo, não pode ser rediscutido nesta seara, em razão do advento da coisa julgada. (…)

O voto do Relator, ao qual aderiram os demais Ministros, foi por condenar, por crime de peculato do art. 312 do Código Penal, consistente no pagamento sem causa de R$ 73.851.356,18 com recursos do fundo Visanet efetuado à DNA Propaganda pelo Banco do Brasil, os acusados Henrique Pizzolato, Marcos Valério, Ramon Hollerbach Cardosa e Cristiano Paz.

Novamente, vale aqui a ressalva no sentido de que a individualização do valor é a própria quantificação do dano elementar da conduta típica, não se podendo haver modificação quanto a esse valor em sede de liquidação, sob pena de afronta à coisa julgada.

Desta forma, em relação aos valores já reconhecidos no acórdão como elementares do tipo, quais sejam as quantias de R$ 73.851.356,18 e de R$ 2.504.274,88, deverá o il. Perito se limitar a sobre elas fazer incidir a correção monetária a partir do momento em que materializado o prejuízo ao Banco do Brasil.

Lembra o caso de um coveiro de Santa Rita de Caldas na gripe espanhola. Todo dia, ele saía com sua carrocinha e uma lista de óbitos da cidade, assinada pelo médico. Recolhia os corpos e jogava em cova coletiva, assistido por uma multidão da cidade, encantada com sua coragem.

Um dia, do fundo da cova, ouviu um gemido.

* Quem é?, indagou o coveiro.

* Sou eu.

* Qual o seu nome

* Fulano de tal.

Ele confere na lista do médico, o nome estava lá. Encerra a conversa, então, com uma pazada na cabeça do infeliz:

* Diacho de defunto besta, querendo discutir com o doutor.

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