sábado, 4 de dezembro de 2021

A direita não consegue acertar a fantasia

(Foto: Agência Brasil)

"Moro, Doria e Ciro são políticos incomodados pela incapacidade de se tornarem outra coisa que não um arremedo de Bolsonaro", escreve Moisés Mendes

Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia
https://www.brasil247.com/

Ciro Gomes ficou engraçado com a fantasia de funkeiro apresentador do programa Ciro Games na internet. É o casual hip hop produzido e enfiado num cabra que já não sabe mais em que lugar da cintura carrega a peixeira.

Ciro de funkeiro é o estágio avançado do teatro confuso armado pelo esforço da representação na direita. Ciro representa o quê hoje? O que Sergio Moro representa e expressa? Em que papel se coloca João Doria?

Desde as aparições de Sergio Moro de gravata em jogos de futebol, em Brasília e no Rio, ao lado de Bolsonaro (nos bons tempos em que eram patrão e empregado), eles não sabem o que fazer com suas dúvidas semióticas.

A confusão é grande. Como eu falo, com que roupa eu vou, que sinais eu passo nesse mundo que o bolsonarismo tornou ainda mais precário e confuso? Como engrosso a voz?

Moro aparecia de gravata nos estádios, e com o nó bem apertado, para não se desfazer da fantasia de justiceiro arrumadinho. Tirar a gravata era arriscado demais para um cara esquemático.

Hoje, terá de repensar o figurino lavajatista, que talvez já não funcione como na caçada a Lula. Ampliou-se para ele e para toda a direita e a extrema direita uma dúvida atroz sobre a melhor fantasia.

Se ficarem com as velhas vestes do centro, tentando ser o que os tucanos fingiram que eram por um bom tempo, serão vistos como quem não é nada hoje.

O eleitor da direita, desde o golpe, o fim do PSDB e a ascensão de Bolsonaro, exige clareza de posições básicas e rasas.

Na linha do bandido bom é o morto, não tenho ladrão de estimação, fechem o Congresso, a vacina é um perigo, os militares são guardiões da Constituição, minha bandeira jamais será vermelha.

O bolsonarismo tirou os meios tons da política e condenou nomes como Ciro, Doria e Moro a serem imitadores de Bolsonaro. Mesmo Doria, o maior inimigo dele depois de Lula, em muitas coisas terá de imitar Bolsonaro, e não só no antilulismo.

Mas, ao mesmo tempo, é preciso vestir algumas fantasias alternativas, como essa de Ciro como funkeiro. Ciro caminha em direção ao ultraconservadorismo e se diverte com a representação de um tiozão que joga game.

Um gamer funkeiro vestindo moletom com capuz e os cordões planejadamente dependurados. Poucas fantasias são mais falsas num cara sem cintura, mesmo que ninguém possa dizer que os gamers sejam progressistas e muito menos esquerdistas.

Ciro Gomes só tenta rejuvenescer seu eleitorado, o que é um desafio para todos eles. O jovem a ser alcançado hoje não tem mais conexões com as trincheiras e as inquietações do século 20.

Mas até nessa área Lula parece estar melhor. É provável que nenhum dos candidatos da direita conseguisse a façanha de Lula na entrevista de quinta-feira ao Podpah de Mítico e Igão.

Lula e a dupla quebraram a internet, na maior audiência de uma entrevista ao vivo em todos os tempos no Brasil.

E Lula poderia ter ido de moletom, como na fantasia de Ciro, mas apareceu com um blazer cinza claro sobre uma camiseta escura. Estava com vestimenta sóbria numa arena de alto risco, pelo atrevimento dos anfitriões.

Preferiu se resguardar, para não cair na armadilha do traje de suburbano descolado, mesmo tendo sido um deles.

Lula não se fantasiou de Mítico e Igão para falar com os influenciadores e a gurizada de uma audiência que nunca teve antes, nem se referiu a eles como mermão.

Lula transmite, por ser genuíno, o que a direita não consegue mais com a turma que está aí como terceira via. Só Bolsonaro não age sem disfarces e vacilações, porque é Bolsonaro.

Quando tenta se fantasiar de alguma outra coisa, Bolsonaro fraqueja e se revela como é, um fascista capaz de mandar cartinhas a um ministro do Supremo para poder continuar sendo fascista.

Moro, Doria e Ciro Gomes são políticos incomodados pela incapacidade de se tornarem outra coisa que não um arremedo de Bolsonaro como antilulistas, anticomunistas, antiPT e antitudo.

Eles não são variantes de Bolsonaro, como alguns dizem, porque variantes são saltos aperfeiçoados, são evoluções do vírus original.

Nenhum deles é melhor do que Bolsonaro, nem mais contagioso ou perigoso. Todos estão muito mal vestidos e mal enjambrados.

(O texto não trata das hipóteses Rodrigo Pacheco, Luiz Henrique Mandetta e outros, porque ainda não estão no jogo e, se estivessem, seriam variantes de Guilherme Afif Domingos.)

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