quarta-feira, 5 de outubro de 2022

O verdadeiro propósito…


Sergey Bogatyrev [*]
https://www.resistir.info/

Ao anoitecer, à noite e pela manhã, o que é mais complicado, estava em silêncio, a pensar...

A minha cabeça estava cheia de perguntas, teorias, respostas e conselhos. Mas o mais importante é o que não conseguia compreender: por que é que [o desacordo dentro dos corredores do poder na Rússia com a forma como o Ministério da Defesa está a lidar com a operação militar na Ucrânia - SZ] veio a público?

Não acredito que Kadyrov e Prigozhin[1] não tenham um canal para comunicar com Putin contornando Gerasimov. Não acredito que Putin não tenha "o seu próprio pessoal" no Ministério da Defesa ou que não crie um canal duplo – ou triplo – para informar do que está a acontecer. Sim, uma análise banal das fontes abertas deixa claro que nem tudo é fascinante na nossa "Cidade Esmeralda" verde oliva...

Ou seja, é um disparate que "apelos públicos" ao povo sejam uma tentativa de romper o bloqueio de informação em torno do Presidente. Então, qual é o objetivo? O objetivo é óbvio – preparar a opinião pública para certos eventos que se avizinham. Três versões vêm-me à mente.....

Versão 1:

Um "plano puramente militar" – cuja essência é simples, atrair as FAU (Forças Armadas da Ucrânia] a um ataque ao "seu território", a casa, onde, como eles dizem, os muros ajudam. E atacar, atacar e atacar. Sim, este processo deve ser constantemente alimentado – para que o inimigo avance sobre a foice sem se importar com perdas é preciso dar-lhes uma "vitória".

Kiev adora selfies à custa de banhos de sangue, portanto que as façam! A Napoleão Moscovo chegou a ser dada pelas mesmas razões. Mas o seu exército foi-lhe tomado. Inflar a "traição" relativa ao Ministério da Defesa também pode fazer parte desta armadilha. Não posso assegurar que seja exatamente este o caso. Não tenho conhecimento das perdas das partes, se estiver certo então as FAU deveriam ter um múltiplo a mais.

Se esta versão estiver correta, então um grande contra-ataque usando o que resta do exército do inimigo é uma questão de tempo. A favor desta versão:
- Liman e, antes disso, Izyum e Balakleya não receberam reforços significativos, embora houvesse reservas decentes. Elas ainda estão lá.
- Uma camada inteira de armas não é utilizada, embora elas estejam lá e até tenham sido aproximadas.
- A infraestrutura ucraniana não está a ser destruída, é como se deixássemos deliberadamente as FAU "avançarem".

Uma explicação para isto através de uma discussão:

Há imbecis no Estado-Maior, o destino dos fracos de espírito. Até um idiota entende que quanto maior for o martelo, mais forte é a pancada.

Versão 1.1 (suplemento):

Sim, perdemos o Izyum, Liman, etc. E então? Será que a Ucrânia venceu? Não. Perdemos a guerra? Não. E se tivéssemos capturado Kharkov, Kiev, Lvov e Odessa, teríamos vencido? Também não. Os anglo-saxões não teriam ido a lado nenhum. Teriam simplesmente atirado os polacos e os bálticos para debaixo dos nossos pés, a seguir alemães, franceses e espanhóis. Seria a sua versão da "Versão 1", só as apostas seriam mais altas. Não Balakleya, mas Kharkov, não Izyum, mas Kiev. Não Liman, mas Lvov. Não Lisichansk, mas Varsóvia.

É possível jogar este jogo em conjunto. Ianques e britânicos também o podem fazer. Eles têm a experiência das duas Guerras Mundiais. Não vão nem piscar um olho se a Europa e a Rússia se matarem mutuamente, viriam depois e liquidariam o "vencedor". Nada de novo e, se assim for, então a guerra atual não é sobre a captura e retenção de territórios.

Portanto, absolutamente para o inferno com qualquer bandeira que esteja sobre Liman, esta ou aquela cidade num dado momento! Só importa "quantas vidas e equipamentos esta bandeira custou" para as partes. Aquele que venceu é o maior perdedor, mesmo se tiver levantado a sua bandeira... na aldeia seguinte.

Versão 2 – “A grande guerra de recursos”:

Assim, decidimos que não são os territórios em hectares quadrados puros e assentamentos individuais que constituem o valor desta guerra. E deveríamos derrotar não a Ucrânia e Kiev, mas Bruxelas e Washington. Mas se assim for, o caminho militar é ao longo da "auto-estrada" Krasny Liman – Izyum – Kiev – Bruxelas – Londres – Washington. Se isto é basicamente um disparate, então como é que vamos VENCER? E vamos vencer, sem qualquer dúvida.

E não contra as FAU e a Ucrânia, mas contra toda a NATO e a UE com os Estados Unidos. Como é que isto pode ser feito? Obviamente, só há uma maneira. Através do colapso da economia ocidental! Não há outro meio!

O inimigo tem de gastar os seus recursos muito mais do que nós! Eles deveriam esgotá-los mais cedo! Recursos num sentido lato: gás, petróleo, armas, pessoas, etc. Os [obuseiros] "Cesar" franceses ou os [tanques] "Gepard" alemães que são destruídos no Donbass não são apenas uma peça militar irremediavelmente perdida das Forças Armadas Ucranianas, mas os milhões de quilowatts-hora de energia que foram necessários para a sua produção. E que não só as FAU perderam, mas também diretamente a França, a Alemanha ou a República Checa.

Uma tentativa de criar uma nova peça de equipamento em condições de escassez de energia e aos novos preços da energia para os países da NATO é como ter sexo com uma cascavel – e num papel passivo também.

Sim, o processo não é rápido – levará tempo, mas estrategicamente é correto. Não temos nenhum outro método para alcançar diretamente a garganta do inimigo, através da Ucrânia, senão através da energia. Portanto, é necessária esta mesma Liman não através de hectares de território mas sim através de quilowatts-horas consumidos.

Estou mais do que certo que as FAU durante a ofensiva, sob a artilharia e a aviação das Forças Armadas da Federação Russa, apinhadas em Liman, realmente sofreram perdas muitas vezes maiores do que a Rússia. Traduza-as em quilowatts-horas, e quilowatts-hora a preços da UE, e pergunte-se:

“As FAU e a NATO “venceram” claramente perto de Krasny Liman?

Pessoalmente, não estou seguro...

Numa guerra assim, territórios também são avaliados em termos de recursos e energia potencial. Sim, é cínico, mas é por isso que a Crimeia, Kherson, Zaparozhye, Donbass já estão na Rússia – estas são regiões rentáveis em termos de recursos. Izyum, Liman, etc. foram trocados pela vida dos ucranianos e dos quilowatts-hora da NATO.

E não preciso choro nos comentários abaixo deste texto sobre pobres e pacíficas pessoas que foram abandonadas e traídas pelas "más" Forças Armadas da Federação Russa. Já aprendi esta tática das psyops governamentais ucranianas. A guerra é uma merda cínica, não um círculo macramé. Mas isto é um barril de mel, uma mosca na pomada será o próximo...

Versão 3 – “Sócio-estrutural”:

Isto é, a criação deliberada de "condições de vida desconfortáveis" para indivíduos ou grupos sociais inteiros que os forçarão a abandonar a sociedade russa, ou as estruturas e instituições sociais do Estado russo. Não há qualquer dúvida de que este é um factor importante para o pleno desenvolvimento do país. Esta abordagem é mais eficaz e generalizada do que a utilização de instrumentos de aplicação personalizados.

Na verdade, precisamos de derrotar não a Ucrânia e nem mesmo a UE, juntamente com os EUA. A vitória sobre eles virá por si só, se fizermos o essencial seremos capazes de nos compreender a nós próprios! Encontrar elos fracos e podres, áreas defeituosas. Substituí-los, consertá-los, deitá-los fora.

Não há nem bem nem mal nisto. Não há necessidade de amontoar na cabeça brasas incandescentes de vergonha ou trombetear hinos de louvor, para ir a extremos.

Só é preciso fazer com que o SISTEMA funcione! As estruturas empresariais mais bem sucedidas realizam periodicamente testes de stress sobre uma variedade de tópicos. Ficará surpreendido, mas quase sempre surgem erros, enganos e confusões. Por vezes são significativos, outras vezes não. Às vezes a pessoa responsável por isto é expulsa para fora da empresa como uma rolha de uma garrafa de champanhe. Por vezes, recebem uma bofetada na cabeça, outras vezes um bónus.

A “Operação Militar Especial” também é um teste de stress! Só que à escala do maior estado do mundo em área. Efetuado PELA PRIMEIRA VEZ em 80 anos! Pensa você que deveríamos ser capazes de fazer tudo ser percalços? Não – isso seria uma fantasia. Contar com isso é estúpido. Mas também é um crime manter silêncio ou varrer tal coisa para debaixo do tapete, porque o valor de um teste de stress está precisamente em identificar e corrigir erros, quem impedir isto é um criminoso!

Estrategicamente, o "plano astuto" para limpar a sociedade funciona bastante bem:Os traidores rematados ou estão sentados na prisão ou fugiram do país;
- Alguns homens de negócios correram para o seu dinheiro no Ocidente, outros trouxeram o dinheiro para a Rússia;
- Algumas "estrelas" foram para o hospital e para o inferno com os outros;
- Com o início do anúncio da "Operação Militar Especial", e a seguir da mobilização, a sociedade regurgitou um grande número de covardes e patifes;

Em geral, este ano todos mostram o que realmente valem. Agora, na minha opinião, o assunto deveria se estendido a tolos e idiotas – e não só no exército.

Oito meses é um período de tempo mais do que suficiente para olhar para o "caminho de combate" de cada oficial, oficial e general e analisá-lo pessoalmente quanto à sua aptidão profissional.

E não preciso de ouvir frases como "E antes isto era impossível?".

Estive envolvido em segurança pessoal durante 12 anos e posso afirmar com responsabilidade plena: “Só a atividade prática mostra o nível real de treino!” Nenhuns testes, verificações de serviço, exercícios dão um quadro completo. Os tolos disfarçam-se muito bem. Sim, infelizmente já aprendemos isso...

Borisov – organizou mal a ordem de defesa do Estado e foi rebaixado. O antigo vice na retaguarda do Ministério da Defesa, Bulgakov, revelou-se fraco e incompetente. Coisas semelhantes continuarão a acontecer.

Além disso, objetivamente, o Ministério da Defesa precisa de uma "mudança geracional". Pode-se apreciar a experiência de generais com mais de 60 anos, mas a maior parte deles estupidamente não sabe como trabalhar com um computador ou quaisquer gadgets modernos. E pode-se esperar que eles digitalizem o campo de batalha e a guerra centrada em redes? Eles precisam ter lápis de cera, lápis de cor e mapas em papel – eis o que se passa! Já não é assim que as guerras são travadas.

E já é tempo de uma camada muito significativa da liderança militar russa se reformar. Se pensa que pode ser útil – então tenha a posição de "conselheiro". E isto não é uma pedra no jardim do Ministério da Defesa – é apenas que agora está em foco. Isto aplica-se a todos os departamentos da Rússia, onde pessoas com mais de 60 anos dominam.

Kadyrov, Prigozhin, muitos oficiais superiores e jovens generais entendem isto, mas não podem fazer nada. Qualquer agência de aplicação da lei é uma "irmandade combatente de anciãos" que se agarram a uma cadeira por uma razão banal. Eles não sabem fazer nada e ninguém precisa deles na vida civil!

Se não considerar "casos notórios", quando os "melhores" chegam à sua posição não através de trabalho árduo, então TODAS AS AGÊNCIAS DE APLICAÇÃO DA LEI trabalham a uma velocidade pela qual, numa estrutura empresarial normal, seria atirado pela janela no máximo dentro de uma semana. O nível de flexibilidade é próximo de zero!

A menos que uma pessoa tenha experiência em negócios e Kadyrov, Prigozhin têm. Não me surpreende nada que tais pessoas estejam ausentes do "sistema de tomada de decisões" do Ministério da Defesa e em outras estruturas.

Portanto SIM! Concordo definitivamente em que:
- a) é necessário um rejuvenescimento radical do pessoal de comando nas agências de aplicação da lei;
- b) a diluição deste "clube fechado de pensionistas" com sangue fresco de outros departamentos.

Precisamos de verdadeiros elevadores sociais dentro do sistema militar. Na esfera civil, isto está de alguma forma a acontecer: a Escola de Governadores, Líderes da Rússia, etc, etc. Não existe tal coisa em qualquer departamento siloviki [2].

Em consequência, há por todo o lado o auge da velhice, a qual simplesmente está atrasada mas não quer humilhar-se e admiti-lo. A "Operação Militar Especial" mostrou que eles simplesmente não podem acompanhar o ritmo e terem o tempo para se adaptarem a um ambiente em mudança rápida.

E não se trata de Lapin, Kadyrov ou Prigozhin. Tudo é muito mais complicado. E, sim, estes estábulos precisam de ser varridos.

Podemos vencer sem isto? Provavelmente sim! E o facto de estas questões terem começado a ser levantadas é correto.

Isto é muito mais importante do que a vitória sobre a Ucrânia. Resolveremos problemas e venceremos por toda a parte! Derrotaremos qualquer um!

03/Outubro/2022

NT
[1] Evgeny Prigozhin, proprietário da Wagner PMC.
[2] siloviki: nome pelo qual são chamados agentes dos serviços de segurança russos.
[*] Analista, russo.
O original encontra-se em www.stalkerzone.org/the-true-purpose/
Este artigo encontra-se em resistir.info

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