quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

As principais armadilhas do governo Lula

Fontes: Rebelião/Socialismo e Democracia [Imagem: Manifestantes fascistas invadem a sede do Congresso, na Esplanada dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil]

Por Fernando de la Cuadra
https://rebelion.org/

Neste artigo, o autor analisa as medidas adotadas pelo governo Lula frente aos golpes para refletir sobre as principais tarefas do governo - que levam à desbolsonização do país- levando em conta os limites que governam dentro quadro da Frente Democrática que levará a muitas renúncias programáticas.

Não há opinião consensual quanto à resposta dada pelo atual governo aos atos de vandalismo e destruição ocorridos no passado domingo, dia 8 de janeiro de 2023. Há quem defenda que a reação das autoridades foi adequada, detendo parte do invasores da Plaza de los Tres Poderes, registrando suas principais lideranças e tentando descobrir a teia de conexões e articulações que se armaram até desembocar nos atos bárbaros amplamente divulgados pela mídia e redes sociais.

No entanto, há quem defenda que o que tem sido feito até agora pelo governo do presidente Lula da Silva é insuficiente para desmantelar o projeto insurgente da extrema direita brasileira, que também contou com o apoio de movimentos de perfil neofascista que existem em outras latitudes do planeta. De fato, apesar de algumas diferenças, a ocupação de prédios públicos em Brasília trouxe à tona, quase imediatamente, os tristes acontecimentos ocorridos em 6 de janeiro de 2021, com o assalto ao Capitólio da capital dos Estados Unidos.

O governo recém-empossado se vê em um tremendo dilema para conter os chamados grupos radicais de Bolsonaro que se recusam a reconhecer a vitória de Lula nas urnas. Inspirados por vários gestos de seu líder, agora refugiado em Miami, esses militantes vêm se coordenando há muito tempo, preparando as condições para que as Forças Armadas desempenhem um golpe sob o argumento de restabelecer a paz e o governo do direito em um contexto de crise institucional.

A estratégia desenvolvida por esses setores sediciosos - em parte através das redes e em parte diretamente dos acampamentos montados fora dos quartéis - envolve a criação de um cenário de ingovernabilidade no país (com bloqueio de estradas, bombardeios de aeroportos e refinarias de petróleo, caos urbano etc. .) de forma que as Forças Armadas utilizem o artigo 142 da Constituiçãoque os autorizasse a intervir em caso de situação de desordem social e insegurança das instituições da República. No entanto, o texto da Carta Fundamental de forma alguma autoriza as Forças Armadas a atuar como Poder Moderador em caso de agitação social -como afirmam os subversivos da extrema-direita- mas seu papel e dever consiste em defender a democracia e o regime republicano instituições de apoio às decisões do poder civil.

De todo modo, uma hipótese golpista não é de todo despropositada, considerando todos os privilégios que os três ramos das Forças Armadas tiveram durante o governo do capitão reformado e a enorme participação em sua administração, chegando a ser recrutados para diversas funções. 8 mil membros desta corporação. Isso implicava que os militares, marinheiros e aviadores recebiam um duplo salário, como militares e como funcionários da estrutura governamental. Os militares brasileiros tiveram mais poder durante o governo Bolsonaro do que em todo o período da ditadura passada (1964-1985).

Golpistas na esplanada dos três poderes em frente ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Portanto, a estratégia da extrema direita -apesar do fracasso de sua tentativa de golpe no último domingo- provavelmente consistirá em criar permanentemente a sensação de caos instalada no país, com ataques e terrorismo doméstico de baixo escalão destinados a colocar sempre em guarda instituições e gerar um clima de incerteza e medo na população.

Até mesmo o ministro da Defesa indicado por Lula declarou antes do assalto das hordas de Bolsonaro que as pessoas que estavam acampadas em frente ao quartel do Exército eram "patriotas" bem-intencionados que nada mais faziam do que expressar seus sentimentos e ideais políticos, como em qualquer democracia. Mas hoje sabemos o quanto dessas ideias de levante foram incubadas, processadas, planejadas e executadas a partir das conspirações eclodidas nos referidos campos. E não só isso, uma parcela importante do Congresso eleito no ano passado é de extrema direita, algo que a imprensa e alguns cientistas políticos não querem reconhecer. Dá vergonha de dizer que determinado senador ou deputado é de extrema-direita, quando é totalmente evidente que seu pensamento e comportamento são típicos daquela ideologia.

Por isso, é sem dúvida urgente enfrentar a intimidação militar com absoluta convicção e rigor por parte da nova administração, sob pena de se tornar uma ameaça permanente à democracia e ao Estado de direito. O Presidente Lula conta hoje com o apoio das instituições e poderes da República e também da grande maioria dos habitantes, razão pela qual tem posição imbatível e oportunidade de fazer as mudanças necessárias dentro das corporações militares, enfrentando a contaminação golpista, alterando a estrutura de comando e colocando nos cargos-chave da hierarquia os fardados que têm sua confiança e a do governo.

Construir um amplo pacto democrático sem abrir mão do programa de governo

Nesse cenário complicado, o governo recém-instalado deve aprofundar seus laços com diferentes forças políticas para fortalecer as instituições democráticas e o Estado Democrático de Direito consagrado na Constituição de 1988. O dilema que se coloca nesse contexto é que é urgente consolidar o discurso contra o golpe de Estado, talvez ou muito provavelmente à custa de ter que abdicar de algumas das transformações mais importantes que estão definidas na agenda programática do novo governo: uma reforma tributária progressiva que se volta para uma maior arrecadação ao "penalizar" o maiores fortunas e aumento de impostos sobre grandes empresas; uma política social mais ampla e profunda determinada a eliminar a fome de 33 milhões de cidadãos; recuperar a contribuição das transferências para os segmentos mais pobres da população; reajustar os salários ao nível dos governos anteriores do Partido dos Trabalhadores; investir mais em educação, saúde, moradia, saneamento básico, infraestrutura, agricultura familiar, etc.

Muitas dessas medidas podem ser comprometidas se a principal tarefa for criar uma Frente Democrática muito ampla – inclusive com a direita liberal – para enfrentar a investida fascista que continua obscurecendo e ameaçando a vida política e social brasileira. Por exemplo, a complicada e exaustiva negociação para obter os recursos necessários para implementar o renovado Programa Bolsa Família dentro do Orçamento de 2023, exigiu muito compromisso político, renúncia programática e inclusão de políticos de direita no quadro ministerial do novo governo. Só assim foi possível aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que incluiria nas contas do próximo ano os valores para garantir o financiamento de uma política de transferência direta essencial, dados os altos índices de pobreza e fome que enfrenta atualmente a população mais vulnerável do país.

É preciso também “desbolsonizar” o país, entendendo por isso a destruição e superação da cultura de ódio, intolerância e violência que vem tomando conta do país nos últimos tempos sombrios. Os setores nostálgicos da ditadura, os representantes do agronegócio, o lúmpen empresarial, os pastores e crentes pentecostais, os madeireiros ilegais, os ocupantes de terras indígenas ou os grupos neofascistas, tornaram-se verdadeiras seitas irracionais que não se resignam a derrota de Bolsonaro nas urnas e pelo fato consumado de que Lula da Silva terá de governar o Brasil pelos próximos quatro anos. O pacto sedicioso entre esses grupos continuará sendo uma ameaça permanente se o governo e todas as forças políticas, As instituições institucionais e sociais são incapazes de desmantelar esta rede desastrosa de uma extrema-direita que tem o aval ou está diretamente associada às Forças Armadas e às forças policiais, para pairar como uma espada de Dâmocles sobre as instituições e a vida democrática nacional. Esta é uma tarefa urgente que o país não pode adiar sob o risco de sacrificar o seu futuro por várias décadas.

Fernando de la Cuadra é doutor em Ciências Sociais, editor do blog Socialismo y Democracia e autor do livro De Dilma a Bolsonaro: itinerário da tragédia sociopolítica brasileira (editorial RIL, 2021).

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