sexta-feira, 18 de outubro de 2024

No Brasil, filme de propaganda neocon afirma que o wokeismo é culpa dos brasileiros e dos antisionistas


Bruna Frascolla

Como é possível o Brasil importar ideologias dos EUA, ter os mesmos problemas que os EUA, mas a causa principal é a pessoa de Florestan Fernandes?

Brasil Paralelo é uma grande empresa de mídia neocon do Brasil, criada em 2016, dedicada a fazer supostos vídeos de educação política. Um de seus últimos lançamentos é o documentário “Unitopia”. O primeiro episódio, com duração de mais de uma hora, está disponível gratuitamente no YouTube.

O assunto é a corrupção intelectual das universidades brasileiras. Na maioria das vezes, a abordagem dos neocons brasileiros consiste em uma denúncia vaga que culpa os comunistas. O documentário não foi exceção, mas sua imprecisão ainda era reveladora: ele pretende dizer que o grande problema da universidade é uma ideologia nociva (o comunismo) que causa racismo (contra judeus). Mutatis mutandis , é a mesma leitura que os wokes fazem de qualquer instituição que eles não dominam. Eles apenas trocam o comunismo pelo fascismo e o racismo contra negros pelo racismo contra judeus.

Na boca do neocon, e também no documentário, “comunismo” é um termo vago. Afinal, qual é a ideologia que causa hostilidade ao conhecimento e ao pensamento crítico nas universidades ocidentais? A ideologia da Nova Esquerda, também conhecida como política de identidade ou wokeismo. Essa ideologia é conhecida por ter uma tríade de vacas sagradas oprimidas: mulheres, negros e pessoas LGBT. Como resultado, tudo associado a esses grupos é bom, e tudo associado aos seus opostos (homens, brancos e cis/héteros) é ruim. Uma das consequências disso é a invenção do racismo woke contra pessoas brancas.

O melhor exemplo disso é o Evergreen State College, em Washington. Em 2017, os alunos decidiram que em um determinado dia os brancos não deveriam frequentar a universidade. O professor Bret Weinstein protestou contra isso e quis defender seu ponto de vista, mas foi silenciado pela multidão de alunos e acabou viralizando. Os alunos realmente acreditavam que ele era um supremacista branco de extrema direita e um nazista, embora fosse um judeu de esquerda. O que importava era sua pele branca, agravada por seu sexo masculino e heterossexualidade; e, se ele não quisesse se juntar ao mini-Apartheid, ele só poderia ser um radical de extrema direita. A faculdade não podia garantir sua integridade física, nem a de sua esposa (que também dava aulas lá) e ambos renunciaram.

Depois do caso Jordan Peterson em 2016 , acredito que o caso Evergreen, “estrelado” por Bret Weinstein em 2017, foi o mais memorável no mundo de língua inglesa. Assim como o de Jordan Peterson ocorreu no Canadá, o mais memorável nos EUA é o de Evergreen. No entanto, o caso não aparece no documentário. O que parece um exemplo de intolerância são os protestos muito recentes pedindo liberdade para a Palestina.

O caso Evergreen serve para ilustrar a gravidade da divisão racial nos campi dos EUA. Espaços exclusivos para não brancos não são incomuns nos campi daquele país. No Brasil, com todas as suas bizarrices, nunca ouvi falar disso. Parece-me que, da tríade woke, a que mais causa violência aqui é a LGBT, pois houve casos recentes de alunas com medo de serem socadas por travestis no banheiro feminino. Se tomarmos um período maior, no entanto, o que dá mais ocasião para espancamentos são os eventos de direita, o melhor exemplo sendo as exibições de um filme de Josias Teófilo em universidades federais no Brasil. Não é difícil ser espancado por esquerdistas em uma universidade brasileira, mas nunca ouvi falar de alguém que tenha sido espancado por ser branco.

O documentarista ignora que EUA e Brasil são países diferentes. A esquerda está longe de ser um monolito (se fosse, Bret Weinstein não teria problemas). No entanto, se confiarmos no documentário, parece que tudo é um só: Brasil, EUA, esquerda.

O documentário começa descrevendo a farsa de Sokal para mostrar o lamentável estado das universidades. Não menciona, no entanto, que Alain Sokal é um físico marxista muito vermelho, que chegou a dar aulas na Nicarágua sandinista. Assim como Bret Weinstein, ele é um judeu secular — judeus seculares tendem a ser de esquerda. Alan Sokal está vivo e escrevendo, residindo na Inglaterra. Seus artigos aparecem no The Critic, e ele escreveu um condenando a repressão às manifestações pró-palestinas, afirmando que os conservadores que se diziam a favor da liberdade de expressão são hipócritas. O argumento é baseado no infame On Liberty, de Mill, porque Mill era tão consensual nos EUA que até velhos marxistas nascidos lá o citam como um texto sagrado.

O caso Sokal se tornou seu livro Fashionable Nonsense, no qual Sokal condena os fundamentos intelectuais da New Left. O livro chegou ao Brasil não por meio de uma tradução de Olavo de Carvalho (um líder de culto neocon), mas sim pelo judeu comunista e antisionista Max Altman, cujo filho incitou os poucos protestos pró-Palestina que ocorreram nos campi brasileiros.

Tais protestos tendem a ser liderados por judeus de esquerda, porque Israel politiza os judeus. No Brasil, há poucos judeus (e muitos libaneses); então faz sentido que haja poucos protestos pró-palestinos aqui. Nos EUA, os protestos acabam reunindo judeus de esquerda e antissemitas de cabelo rosa. Isso é previsível por causa do modus operandi do wokeismo e porque os EUA, sendo um país racista, tendem a expressar tudo em termos de raça. Se o caso Evergreen tivesse acontecido depois de outubro de 2023, é possível que Bret Weinstein tivesse recebido insultos antissemitas; que ele foi acusado de ser homem, branco, cis, hétero e judeu/sionista.

A causa palestina só entrou na moda em 7 de outubro de 2023. A marcha woke sobre as universidades já dura uma década. Ainda assim, a Brasil Paralelo escolheu a causa palestina para representar a intolerância esquerdista. O espectador habitual da Brasil Paralelo é ignorante, acredita em propaganda e não sabe que há muitos judeus de esquerda. Se descobrirem que Israel foi fundado por socialistas com o apoio de Stalin, cairão desmaiados no chão. Essas pessoas de direita amam Israel e odeiam loucamente o Supremo Tribunal Federal, mas não sabem que seu ministro mais woke, Luís Roberto Barroso, é um judeu sionista de esquerda.

Vejamos as supostas causas do problema. O jornalista e cientista político Gabriel de Arruda Castro usa sua própria experiência em universidades norte-americanas (e somente nos EUA) para confirmar que lá é muito mais tranquilo do que na Universidade de São Paulo, por exemplo. Depois desse discurso hiperbólico, aparecem professores de universidades brasileiras com experiência administrativa. Pela forma como seus discursos são apresentados, parece que a culpa é toda de Florestan Fernandes, que seria uma espécie de líder que comandava ao mesmo tempo o político José Dirceu e o presidente Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, este último é apresentado com uma trilha sonora de terror e suspense, com a implicação de que ele é tão vermelho quanto Lênin.

Fica uma pergunta: como é possível o Brasil importar ideologias dos EUA, ter os mesmos problemas que os EUA, mas a causa principal é a pessoa de Florestan Fernandes? Ele trabalhava na alfândega?

É amplamente sabido, até pela direita, que Florestan Fernandes era um garoto-propaganda da Fundação Ford, assim como o “comunista” Fernando Henrique Cardoso. E todo mundo sabe muito bem que a Fundação Ford não é chinesa ou russa; é, antes, americana. Dada a pesquisa de Wanderson Chaves, discutida neste artigo, o fato é que a Fundação Ford estava a serviço da CIA. Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e outros foram financiados porque a CIA aprovou suas atividades, não a KGB.

Após a morte de Stalin, a CIA decidiu financiar uma esquerda compatível com o “Programa Doutrinário dos Estados Unidos”, que pode ser lido aqui . Basicamente, a CIA decidiu financiar uma esquerda liberal democrática, em vez de uma comunista.

No documentário, um professor brasileiro nos EUA conta uma história de censura liderada por um professor de religião, que a promoveu com muito sucesso no campus. O documentário não se aprofunda em nada. Se o fizesse, no entanto, descobriria que o liberalismo teológico é mais importante que o marxismo na formação da esquerda dos EUA. Mais precisamente, a mais importante é a Igreja Unitária, que espalhou o liberalismo teológico para outras denominações protestantes e até para o judaísmo. A esquerda brasileira e a esquerda norte-americana têm histórias muito diferentes. A raiz filosófica do wokeismo é uma certa denominação protestante (o unitarismo) que tomou conta de Harvard e da Fundação Rockefeller, e que secularizou sua filosofia. Não é marxismo. Nesse sentido, recomendo o livro Liberal Suppression, de Philip Hamburger.

Se o unitarismo praticamente virou doutrina de Estado, o marxismo foi, nos EUA, reprimido pelo macartismo. E aqui não posso deixar de apontar um erro primário do biólogo e jornalista Eli Vieira, que usa números absolutos para provar que o wokeismo é pior que o macartismo. Ele diz que, de 1947 a 1957, o número de professores universitários demitidos como comunistas ficou entre 100 e 150. De 2014 a 2023, a cultura do cancelamento teria causado a demissão de 150 a 200. Agora, ele omite que o número de universidades e professores mais que dobrou entre esses dois períodos; então, para dizer que o wokismo é pior, teria que ser uma demissão mais que duas vezes maior.

Parte da direita americana perguntou por que as universidades só tiveram suas doações cortadas quando toleraram o antissemitismo woke, mas nada aconteceu com elas quando toleraram o racismo woke contra brancos (além da misoginia feminista e da misoginia LGBT). Não sei de uma resposta satisfatória para essa pergunta. A Brasil Paralelo adota a mesma cegueira? A Brasil Paralelo pede dinheiro dizendo que não recebe financiamento governamental. Seria bom ressaltar: ela não recebe financiamento do governo brasileiro. Como ela esconde mais do que mostra, é bom perguntar de onde vem seu financiamento.

Entre em contato conosco: info@strategic-culture.su



 

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