sábado, 25 de janeiro de 2025

dossiê piauí_umane - O COMPLEXO: PARTE IV_MÃOS À OBRA

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O leque de trabalhadores do SUS inclui uma grande variedade: médicos de diferentes especialidades, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde, agentes de combate às endemias, agentes indígenas de saúde e de saneamento, biomédicos, biólogos, fisioterapeutas, cirurgiões-dentistas, farmacêuticos, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, parteiras, esteticistas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, médicos veterinários, nutrólogos, cuidadores, mães sociais e técnicos, muitos técnicos – em enfermagem, em farmácia, em saúde bucal, em vigilância sanitária, de laboratório, em radiologia, em órteses e próteses, em óptica e optometria, em segurança do trabalho, em nutrição e dietética. Desse conjunto, 43% têm vínculo permanente com o SUS, e a maioria (57%) é terceirizada.










Soares é um dos 417 725 médicos do SUS, dos quais 111 557 têm vínculo permanente com o sistema, segundo os dados mais recentes, do Ministério da Saúde. O restante – a maioria – é terceirizado. Soares é um apaixonado pelo SUS. Ele diz que trabalhar no sistema público é o que lhe garante sanidade. “Sempre quis trabalhar com pacientes graves, doentes bem críticos”, afirma. “Além disso, operar pessoas humildes me dá uma grande satisfação, porque sinto que, naquele momento, eu posso ajudar a pessoa.” Na sua especialidade, a ajuda, em geral, é mesmo dirigida a pessoas mais pobres. No Brasil, as lesões físicas causadas por acidentes de trânsito ou por violência são tratadas principalmente pelo SUS, cujos hospitais são o destino preferencial das vítimas. “Trauma é doença de pobre e de bandido”, diz Soares. “Um baleado só será levado para o Sírio-Libanês, por exemplo, se ele tiver levado um tiro em alguma rua bem perto do hospital, e olhe lá.”



Há quatro anos, o médico costumava passar de 18 a 24 horas por dia no centro cirúrgico. Hoje não ultrapassa as 12 horas diárias. Seu corpo não aguenta mais que isso. Em janeiro de 2020, pouco antes de ser detectado o primeiro caso de Covid no Brasil, ele foi infectado pela bactéria hospitalar Streptococcus pyogenes, talvez por meio de uma agulha, durante uma cirurgia. Soares ficou 58 dias no hospital, catorze deles na UTI. No sétimo dia, seus pés começaram a necrosar. As suas mãos foram poupadas pela pyogenes, mas os dedos dos pés e os calcâneos (ossos do calcanhar) foram amputados. Com dificuldade para obter as próteses e fazer a reabilitação como deveria, em razão do lockdown, ele demorou um ano para reaprender a andar, algo que faz hoje com certa desenvoltura nos terrenos mais planos. “Estou vivo, e continuo na cirurgia geral. Tem um maluco aqui”, diz, referindo-se a si próprio.

Ele reconhece que muitos de seus colegas médicos evitam o SUS não exatamente por causa da falta de recursos, mas porque querem mais status e melhor salário. “Em São Paulo, trabalhando como cirurgião geral no SUS 100% puro, 60 horas semanais, com um plantão noturno eventual ou uma cobertura de fim de semana, dá para tirar um líquido entre 25 mil e 28 mil reais por mês.” O valor não condiz com as pretensões de muitos alunos dele. Alguns lhe perguntam o que fazer para ganhar na casa dos seis dígitos. Ele atribui essa ambição financeira em parte ao fato de muitos de seus alunos serem filhos de pessoas abastadas. Querem conjugar uma conta bancária robusta com consultórios em áreas nobres da cidade e celebrização no Instagram. Para Soares, porém, é ilusório querer atingir um patamar salarial superior a 100 mil reais mensais.



Apesar de tudo, a maior parte dos médicos é como o traumatologista Tadeu Soares. Considerando-se a totalidade dos médicos que vivem no Norte e no Nordeste, um enorme contingente deles trabalha no SUS. No Pará, por exemplo, os médicos do SUS correspondem a 81,7% do total de médicos do estado. Já em outras regiões do país, o total dos que trabalham no SUS continua expressivo, mas não tanto quanto no Norte, Nordeste e estados do Centro-Oeste, como Goiás e Mato Grosso do Sul. É o caso do Espírito Santo, onde 68,5% dos médicos atuavam no SUS em 2021 – índice alto, mas bastante inferior ao do Pará. Os números constam do artigo Heterogeneidade da distribuição dos profissionais de saúde no Brasil e a pandemia Covid-19, de autoria dos professores Anselmo Luís dos Santos, Marcelo Manzano e André Krein.



















Segundo dados da Demografia médica no Brasil, em 2022 o país tinha 13 888 psiquiatras – 2,8% do total de médicos atuando em todo o território nacional, sendo que mais de 50% trabalham na Região Sudeste. É um número de profissionais insuficiente para prover a demanda do SUS. O relatório Depressão e outros transtornos mentais, da Organização Mundial da Saúde, de 2023, aponta que o Brasil é o país com maior prevalência dessa doença na América Latina: 5,8% da população brasileira (11,8 milhões de pessoas) sofrem de depressão. O Ministério da Saúde estima que a taxa de depressão cresça mais de 15% nos próximos anos. Um dos motivos da alta incidência dessa doença no país é a dificuldade de acesso a um tratamento de qualidade na rede pública. Isso se deve em parte à falta de profissionais de saúde mental, que não se animam com o salário pago pelo SUS.

No governo Bolsonaro, as dificuldades nessa área aumentaram, com a extinção dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), no início de 2020. A equipe dos Nasf incluía psicólogos e psiquiatras, integrava as UBS e estava apta a diagnosticar problemas de saúde mental logo na raiz. Com o fim desse apoio, muitos pacientes têm diagnóstico tardio e precisam enfrentar a longa fila de espera para atendimento. O desmonte dos Nasf acabou por fragilizar a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), como é chamada a política nacional de saúde mental. Instituída em 2011, a Raps tem como objetivo criar, ampliar e articular pontos de atenção à saúde no SUS para pessoas com sofrimento psíquico e/ou com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. (Em julho de 2023, o Ministério da Saúde anunciou mais de 200 milhões de reais para a rede.)




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