terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Não erre o caminho

Comunidade de São Cristóvão, Salvador-BA

Nonato Menezes

Não erre o caminho, senão você poderá sair carregado. Carregado, quero dizer, morto ou morta. Esta não é uma narrativa para ajudar a construir o medo, pois o temor já existe há bastante tempo. E assim a vida se desenrola em boa parte do Brasil.

Na maioria das grandes cidades brasileiras há regiões, quase bairros inteiros, em que o Estado Oficial não entra, lugares onde as pessoas que não fazem parte “daquela comunidade”, e são desconhecidas das “lideranças” locais, se entrarem por engano podem sair numa ambulância ou direto para o necrotério.

Tem sido assim no Rio de Janeiro e em Salvador, para citar apenas duas cidades de grande visibilidade. Tem ocorrido com turistas estrangeiros, de outros estados, de cidades diferentes e até com pessoas da mesma região.

Podem ser crianças, adultos, idosos, mulheres etc., não importa, basta ser desconhecido. Pode estar trabalhando, à passeio ou simplesmente ter apenas errado o caminho. Entrar nessas regiões, em qualquer hora do dia ou da noite é se submeter a alto risco de morte. Há regiões em Salvador, por exemplo, que a partir de certa hora da noite, toque de recolher já faz parte da rotina e as atividades comerciais só acontecem mediante pedágio, ao estilo máfia nova-iorquina da década de 1930.

A polícia, quando entra, é no modo invasão como numa guerra, onde todos ali são inimigos em potencial. Não há alvos específicos, afinal, “guerra é guerra” e quem não se proteger poderá ter a vida perdida, inclusive no redemoinho do “efeito colateral”. Há casos, porém, que os próprios agentes do Estado, para adentrarem num ambiente que o julgam perigoso, negociam o acesso com as "lideranças" da comunidade. Caso contrário, não entram, ou, se entram, somente com o recurso da violência. 

O censo de 2022 identificou aproximadamente 16,4 milhões de pessoas vivendo em favelas distribuídas em 656 cidades brasileiras o que corresponde a mais de 8% da população nacional. Em Salvador, a quinta maior cidade brasileira em população, de dez moradores, quatro estão nas favelas e os dados recentes mostram tendência de crescimento do número de pessoas, da pobreza e da violência.

Considerando as necessidades básicas dessa população como moradia, transporte, saneamento, educação, saúde etc. fica evidente o gigantesco problema a ser discutido e enfrentado por toda sociedade. Deveria ser esta, portanto, uma questão a ser discutida nas escolas, universidades, partidos políticos, sindicatos, governos municipais, estaduais, federal. Nas casas legislativas municipais, estaduais e federal onde o tempo destinado às discussões sobre bijuterias é luxuoso, problema como este parece não existir.

É o desprezo à joia do universo dos nossos problemas, tão floreado em momentos eleitorais, mas negligenciado no normal cotidiano da vida brasileira.

Mas, se nas instituições e na sociedade em geral faltam iniciativas sérias até para o debate sobre essa questão tão relevante, nos veículos de comunicação o tema fervilha, não como algo preocupante e carente de solução, mas como “produto” vendido e consumido pelo menos três vezes ao dia. Descrever mais que noticiar tem sido a cantilena da mídia conservadora.

As televisões em particular destinam o tempo excessivo para vender miséria em programas específicos. Na cata por audiência vale tudo, menos tratar do que é necessário e relevante para sociedade, expondo a fictícia ilusão de que esse rio já não estivesse transbordando.

A TV Globo, a que tem a maior cobertura nacional, ainda que não tenha programa específico para vender miséria, usa seus telejornais para catar audiência, ampliando o tempo de “notícias” sobre homicídios, roubos, assaltos etc. Tudo exposto de maneira repetitiva e com cruel riqueza de detalhes.

A TV Bahia, por exemplo, não noticia o fato, ela o descreve com dispensável minúcia, num flagrante e pobre violação da ideia de jornalismo. Quanto mais pavoroso o crime mais ênfase aos pormenores, essa temperada com entonação piedosa e piegas dos repórteres.

Toda essa circunstância é muito sinistra, pois o medo provocado pelo espetáculo da violência sugere um negócio lucrativo para governantes e empresários. Daí a inquietante sensação de que o dinheiro é o caminho, senão não haveria tanta inércia, estupidez e extraordinário pouco caso com a situação de quem tem a obrigação de coibi-la.



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