sábado, 15 de fevereiro de 2025

Um horizonte sombrio na América Latina e no Caribe

Trabalhadores rurais em luta por reforma agrária, equilíbrio ambiental e segurança alimentar (Foto: Alais Alanna/MST)

Entre a crise ambiental e o impacto da fome

Sergio Ferrari  

Cataclismos naturais, exacerbados pelo aquecimento global, continuam a atingir todo o planeta. Mais uma vez, nos últimos anos, a América Latina sofreu o efeito da inclemência climática. O horizonte da região continua obscurecido devido ao baixo crescimento, à crise social e à perda de confiança dos cidadãos na democracia.

Mudanças climáticas abruptas e eventos climáticos extremos atingiram novamente a produção agrícola e afetaram a produtividade, confrontando o continente com as consequências do aumento da fome e da desnutrição. Em 2023, a fome afetou 41 milhões de pessoas na região, e uma em cada dez crianças menores de cinco anos sofreu de desnutrição crônica.

O Relatório das Nações Unidas, Panorama Regional da Segurança Alimentar e Nutricional 2024, que acaba de ser publicado, explica que as mudanças climáticas, bem como eventos extremos -secas, inundações e furacões-, afetaram a produtividade agrícola, interromperam as cadeias de abastecimento de alimentos e causaram aumentos nos preços dos alimentos (https://news.un.org/es/story/2025/01/1536046).

Essa realidade faz da América Latina e do Caribe a segunda região do mundo mais exposta a situações climáticas severas, atrás apenas da Ásia. Pelo menos 20 países do continente, 74% dos analisados, enfrentam uma alta frequência de eventos extremos. De acordo com as Nações Unidas, esses eventos colocam em risco as conquistas regionais da década anterior na redução da fome e da desnutrição.

De acordo com esse relatório, elaborado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre 2019 e 2023 (período que inclui o impacto da pandemia de COVID 19) a prevalência de desnutrição aumentou 1,5 pontos percentuais em todos os países afetados por extremos climáticos. Segundo o relatório, esse impacto negativo dos fenômenos naturais é exacerbado pelo agravamento de elementos estruturais, como conflitos locais e internacionais, desaceleração econômica e crises de todos os tipos, que se somam a fatores subjacentes, como altos níveis de desigualdade e falta de acesso a dietas saudáveis. Nos países com recessão econômica, sublinha o relatório, os sectores mais vulneráveis da população são particularmente afetados porque são menos capazes de se adaptar a essas situações agravantes.

Fome não é fatalismo

Os 41 milhões de latino-americanos e caribenhos afetados pela fome em 2023 representam uma ligeira queda de 2,9 milhões em relação a 2022 e 4,3 milhões em relação a 2021. No entanto, existem disparidades notáveis entre as sub-regiões. Por exemplo, durante os últimos dois anos, a taxa de fome aumentou no Caribe, com 17,2% atualmente, enquanto permaneceu relativamente inalterada na Mesoamérica (inclui o sul do México, a Guatemala, El Salvador e Belize, parte da Nicarágua, Honduras e Costa Rica), onde afeta 5,8% de sua população.

Em termos de insegurança alimentar moderada ou grave, o continente também apresentou progressos pelo segundo ano consecutivo (menos 19,7 milhões do que em 2022), sendo que em 2023 ficou abaixo da média global pela primeira vez em dez anos. No entanto, os números totais reais permanecem dramáticos: mais de 187 milhões de pessoas (de um total de 630 milhões) experimentaram insegurança alimentar. De acordo com o relatório das Nações Unidas, essa ligeira tendência de queda é explicada pela recuperação econômica de vários países sul-americanos, além de programas de proteção social, esforços econômicos pós-pandemia e novas políticas específicas destinadas a melhorar o acesso aos alimentos.

A insegurança alimentar afeta as comunidades rurais e as mulheres de forma mais pronunciada. Em relação à desnutrição, o relatório observa que em 2022 o atraso no crescimento afetou 11,5% das crianças menores de 5 anos, percentual abaixo da média global (22,3%). No entanto, a tendência é preocupante, considerando que o progresso experimentado na região da América Latina e do Caribe desacelerou nos últimos anos.

A impossibilidade econômica de acesso a dietas saudáveis é um dos sintomas mais preocupantes. Corolário disso, o aumento do sobrepeso e da obesidade, condições que aumentam o fator de risco para doenças não transmissíveis. Embora uma dieta saudável seja a base para a saúde, o bem-estar, o crescimento ideal e o desenvolvimento humano, em 2023, 50% da população caribenha não podia pagar por esse direito básico. Tampouco a Mesoamérica (26,3%) e a América do Sul (26%). À luz dessas disparidades, o relatório pede aos Estados que priorizem as populações vulneráveis expostas a eventos climáticos extremos.

Por sua vez, os principais movimentos sociais rurais internacionais, como a Via Campesina, continuam exigindo uma melhor distribuição da terra e a promoção de um modelo agroecológico de produção que garanta a soberania alimentar. Essa proposta se opõe ao agronegócio, baseado em grandes propriedades e voltado exclusivamente para a exportação.

Em janeiro passado, a reunião da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil ratificou a necessidade de implementar a reforma agrária popular. Ele considera isso "como uma forma possível de superar a destruição ambiental, a concentração de riqueza e a desigualdade social". O documento, assinado por 400 lideranças do MST dos 23 Estados do país, denuncia o modelo destrutivo do agronegócio e compromete o Movimento a avançar em dois pontos fundamentais até 2025. O primeiro, a defesa da terra, do território e dos bens comuns, opondo-se à "especulação sobre os lotes de terra da reforma agrária e a todas as formas de assédio capitalista em nossos territórios". O segundo, a produção de alimentos saudáveis para todos os brasileiros. Para isso, o MST considera fundamental "promover a agroecologia, respeitar a diversidade dos biomas, lutar contra os agrotóxicos e fortalecer a cooperação e a agroindustrialização camponesa para organizar a vida coletiva na produção, no trabalho e nas relações humanas".

Horizonte desanimador para este ano

Ao avaliar a realidade e as tendências continentais em 2025, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) identifica em um documento divulgado em janeiro os cinco fatores mais importantes que marcarão a dinâmica integral do continente: mudanças climáticas, fraco crescimento econômico, baixa produtividade, desigualdades estruturais e desconfiança no sistema e na política.

"A mudança climática", enfatiza o PNUD, "não é mais uma ameaça distante, mas uma realidade diária". E refere-se, como exemplo, às frequentes e severas secas que estão afetando diariamente a agricultura, o comércio e a geração de energia. Se a atual tendência climática se mantiver, o PNUD defende que, se não forem tomadas medidas adicionais, "estas pressões poderão comprometer a qualidade de vida e a resiliência da população". Sem mudanças significativas, quase metade dos países da América Latina e do Caribe em breve não terá água suficiente, com uma grave crise hídrica até 2080 (https://www.undp.org/es/latin-america/blog/cinco-tendencias-de-desarrollo-en-america-latina-y-el-caribe-para-2025#:~:text=Se%20espera%20que%20Am%C3%A9rica%20Latina,del%20FMI%2C%20octubre%202024%20).

Quanto ao crescimento econômico, o PNUD projeta 2,5%, um pouco acima do nível do ano anterior, mas ainda abaixo da média mundial. Esse ritmo de crescimento econômico lento, característico da região há décadas, dificultará os esforços para reduzir a pobreza. As famílias nas cidades, intimamente ligadas à dinâmica do mercado, são particularmente vulneráveis a choques econômicos. E embora a pobreza rural permaneça maior, a experimentada nas áreas urbanas está aumentando mais rapidamente, com as novas pressões sobre os centros urbanos que essa dinâmica traz consigo.

Em relação à baixa produtividade, um dos maiores obstáculos históricos ao crescimento da região, o PNUD recomenda que o continente se concentre na "criação de empregos e negócios baseados no conhecimento e na inovação, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)". Essa proposta se choca com a realidade política de muitos países, como a Argentina, onde o desmantelamento sistemático da ciência e da pesquisa no último ano e a redução significativa dos orçamentos educacionais vão contra o que especialistas internacionais recomendam como prioridade.

O quarto fator, as profundas desigualdades estruturais na região, está começando a se manifestar em novas situações, como a exclusão digital. A América Latina e o Caribe, de acordo com o PNUD, não poderão se beneficiar plenamente da digitalização e da inteligência artificial enquanto as famílias de baixa renda e as áreas rurais permanecerem desconectadas de uma infraestrutura básica, como a Internet. No campo da educação, essa lacuna agrava ainda mais o problema, como ilustram os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), com dificuldades significativas por parte dos alunos em dominar habilidades complexas, como matemática e ciências. Enquanto isso, as desigualdades sociais, como a carga desproporcional de cuidados que recaem sobre as mulheres, limitam sua contribuição econômica.

Por último, mas não menos importante, a desconfiança no sistema e na política é crítica. Segundo o PNUD, essa desconfiança resulta da persistente desigualdade que vem corroendo a confiança do público na democracia e em suas instituições. Quando o Estado não responde às necessidades e expectativas básicas das comunidades locais, elas tendem a prescindir dele, o que intensifica as divisões dentro de um mesmo país. Nessas circunstâncias de desconfiança em relação ao sistema democrático, muitas pessoas estariam dispostas a justificar soluções radicais, como um golpe de Estado, se isso pudesse melhorar as suas condições de vida e segurança.

Várias crises em uma, em um continente que, apesar de seu grande potencial natural, continua mancando, condenado cada vez mais a um papel secundário, agroexportador e dependente das mudanças de humor dos grandes centros de poder. Uma América Latina e Caribe que hoje correm o risco de perpetuar um modelo de dependência em vez de construir ativamente a autonomia na unidade.

Tradução: Rose Lima.



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