A ocorrência de três eventos num mesmo
domingo ilustra alguns dos principais impasses políticos vividos pela Venezuela
nos dias de hoje.
Pedro Silva Barros – Carta Maior
Foi inaugurada na última sexta (14), em Caracas, a X Feira
Internacional do Livro da Venezuela (Filven). Trata-se do maior evento de
difusão cultural de um país que expandiu enormemente o acesso à literatura nos
últimos anos.
A coincidência desses três eventos diz muito sobre o que
acontece na Venezuela desde que Hugo Chávez chegou ao poder.
Em 1999, primeiro ano do governo Chávez, a Venezuela se
refundava por meio de uma Assembleia Constituinte e Dudamel, aos 18 anos, era
indicado para ser diretor da orquestra juvenil da Venezuela. O sistema de
orquestra juvenil da Venezuela não é obra chavista, mas cresceu enormemente nos
últimos quinze anos, conta com mais de 100 orquestras e 300 mil jovens tocando.
Completou 39 anos mês passado. Dudamel, que atualmente rege a orquestra
filarmônica de Los Angeles, esteve em Caracas para a comemoração, criticou os
protestos violentos e realizou um concerto pela paz na sede da chancelaria
venezuelana.
O momento decisivo do chavismo foi a reversão do golpe de
2002. Quando a CNN anunciava que os venezuelanos apoiavam a queda de Chávez e
as ruas de Caracas estavam tranquilas, quando os golpistas cortavam o sinal do
único canal público de televisão, fechavam a assembleia nacional e destituíam a
suprema corte, a população das regiões mais pobres de Caracas cercava o palácio
do governo para exigir a volta do presidente eleito. Com o retorno ao poder, o
presidente Chávez desenhou uma série de programas sociais, que contaram com o
apoio decisivo de Cuba, particularmente nas áreas de educação e saúde.
Em 2003, foram lançadas a Missão Bairro Adentro, com
milhares de profissionais da área de saúde cubanos atendendo em áreas onde os
serviços médicos nunca haviam chegado, e a Missão Robinson, com o objetivo de
ensinar a ler e escrever a população analfabeta da Venezuela. Os programas receberam
ferozes críticas das tradicionais associações profissionais, mas sempre
contaram com grande apoio popular.
Em 2005 o programa já colhia frutos: a Unesco reconheceu a
Venezuela como território livre de analfabetismo. No ano em que a maior obra da
literatura hispânica completava o seu quarto centenário, o governo distribuiu
gratuitamente um milhão de exemplares de Don Quijote de La Mancha. Ainda foram
impressos 70 mil exemplares em inglês para serem distribuídos no Caribe e mais
5 mil em francês para o Haiti. Nos valores da época, cada exemplar custou
apenas US$ 1,67 ao governo bolivariano, que foram pagos a uma editora
espanhola. Para fechar o ano, em novembro, foi realizada a I Feira
Internacional do Livro da Venezuela.
A décima edição da Filven tem como país convidado de honra o
Brasil e o tema “perspectivas e desafios da edição pública na América Latina”.
Para além da região, destacam-se na Filven estandes da China, França, Espanha,
Irã, Catar, Palestina e País Basco. Na sessão de abertura, o embaixador do
Brasil junto à Venezuela, Ruy Pereira, anunciou que nosso país cooperará para o
estabelecimento de uma política de acesso a livros em braile, seguimento ainda
carente de políticas públicas, na Venezuela. Na mesma ocasião, o vice
presidente do país, Jorge Arreaza, após lembrar de uma das frases mais repetidas
por Hugo Chávez, “Como dizia José Martí, um povo culto é um povo livre”,
convidou os participantes das manifestações que perdem força, mas perduram há
um mês e estão longe de acabarem, a trocarem os “coquetéis molotoves” por
livros.
Embora esta manifestação específica dos oposicionistas
contra Cuba tenha ocorrido com tranquilidade, sem registros de violência, o
país segue polarizado. Na madrugada de segunda-feira (17), um capitão da guarda
nacional bolivariana foi assassinado no estado de Aragua com um tiro na cabeça
quando aparentemente tentava impedir a construção de uma barricada em uma
avenida da capital Maracay. Tanto o estado como a capital são governados pelo
chavismo e até agora não havia ocorrido atos de violência na região. Ao mesmo
tempo, o mesmo corpo de segurança ocupou a praça de Altamira, principal reduto
da oposição, e apreendeu bombas caseiras escondidas nos jardins (foto acima, do
site La Patilla). Não surpreende, porém, que a maioria dos que foram
alfabetizados pela Missão Robinson preferiram a Filven ao protesto contra Cuba.
Créditos da foto: Filven 2014 - Apresentação no estande do
Brasil (Foto: Pedro Silva Barros)
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