Em 2005, Alain Diabanza, da República Democrática do Congo,
nadou do Marrocos a Ceuta, cidade autônoma espanhola, após morar em um bosque
durante meses
Rafael Duque
enviado especial a Málaga (Espanha)
Em 2002, Alain Diabanza criou coragem para deixar a
República Democrática do Congo em busca de uma vida melhor. Recém-graduado em
pedagogia, Diabanza dava aulas em uma escola em Kinshasa, capital do país.
Cansado das condições precárias nas quais vivia e com medo de lutar por
melhorias sociais devido à repressão do governo de Joseph Kabila, no poder
desde 2001, o jovem congolês foi para Angola para juntar dinheiro para o maior
desafio de sua vida.
Após quase dois anos trabalhando como professor de francês
em Luanda, Diabanza comprou uma passagem de avião para o Marrocos. Durantes
meses, reuniu informações e preparou um plano que o levaria do país africano à
cidade espanhola de Ceuta, onde pediria proteção internacional.
Ao contrário da maioria dos imigrantes, que tenta pular a
cerca que separa o Marrocos da cidade autônoma espanhola em terras africanas,
Diabanza e um grupo de seis pessoas decidiram tentar a sorte pelo mar. Os sete
imigrantes entraram em uma noite de inverno nas águas do Mediterrâneo e chegaram
ao território espanhol nadando.
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, o congolês conta como
se organizam os diferentes grupos de africanos que pretendem atravessar a
“fronteira europeia”, a sensação que teve ao chegar à Espanha nadando e o medo
que os imigrantes têm da polícia marroquina e espanhola.
O que aconteceu para
você precisar sair do seu país?
Alain Diabanza – Bom, meu país se chama República
Democrática do Congo, mas, ao contrário do nome, não há democracia. Temos uma
ditadura e também a situação econômica não favorece nenhuma pessoa que queira
ter uma vida digna. E isto [...] me obrigou a sair do meu país.
Quando você decidiu
sair?
Eu saí de Kinshasa em 2002. O que eu fiz foi ir primeiro a
Angola, e de Angola fui para o Marrocos. Do Marrocos, entrei na Espanha. O
trajeto eu fiz mais ou menos em três anos.
Por que demora tanto?
Porque não tinha meios para pagar minha passagem de avião
para chegar diretamente na Espanha. As pessoas têm que saber que eu não sou da
classe alta lá no Congo. Minha família é uma família humilde. Eu tive que ir
para Angola, onde trabalhei para conseguir minha passagem para o Marrocos.
[...] E no Marrocos eu tentei primeiro pular a cerca [da fronteira], mas não
consegui. Logo, nadei para chegar à Espanha.
Você nadou? Como foi
isso?
Bom, estávamos em um grupo de sete amigos. Seis pessoas e
eu, sete. Nós fomos a Fnideq, que é uma cidade que está exatamente ao lado de
Ceuta. A separação que há entre Ceuta e Fnideq é só uma cerca. A cerca que
vemos todos os dias na televisão. E [na continuação] da cerca tem um muro que
entra até o mar. Efetivamente é uma praia só, mas são duas praias diferentes,
separadas. Se você nada de uma praia até a outra você está na Espanha, e foi
isso que nós fizemos.
Como foi a
preparação?
Passei oito meses no Marrocos. E, de lá, recebíamos
informação. No Marrocos eu morei primeiro em Rabat, que é a capital, e lá
recebemos as informações de todas as possibilidades para entrar na Espanha. A
mais favorável, pelo o que eu tinha visto, era a de nadar. Mas nós nos
preparamos, é verdade. Tínhamos que comprar boias de braço para nadar
facilmente e também uma câmara de ar para flutuar em caso de alguém se cansar.
E não é fácil entrar porque não se faz de dia, se faz precisamente durante a
noite. Nos preparamos, saímos [de Rabat] e nos escondemos em uma montanha que
está bem aí [indica local perto da fronteira]. Do lado do Marrocos, existe um
corpo policial que se chama guarda marroquina e do lado da Espanha tem a guarda
civil. Então, o truque é entrar na água o mais longe possível da cerca, do muro
que entra até a praia. Quanto mais perto do muro, mais segurança tem. E quanto
mais longe, menos segurança. Nós entramos mais ou menos às duas da madrugada,
se não me falha a memória. Nos escondemos e esperamos um momento oportuno, que
era quando a guarda marroquina fosse rezar. Porque a cada ‘x’ horas eles rezam,
como manda a lei muçulmana. Durante este momento, saltamos na água, nadamos e
avançamos. [...] Entramos a uns dois quilômetros da cerca [...] e nadamos até o
limite que separa a Espanha do Marrocos. Quando entramos na Espanha, fomos
resgatados pela guarda civil. Eles nos haviam visto e veio um barco que ao
final nos resgatou e nos levou ao hospital.
Você já sabia nadar?
Sim, eu aprendi a nadar no meu país. Quando eu cheguei, na
verdade, eu pensava que tinha que cruzar desde o Marrocos até a Espanha [parte
peninsular], que são 17 quilômetros até Algeciras, mas não era o caso. Quando
vi [a fronteira], porque fomos ver durante o dia, nos escondemos em uma
montanha para ver o lugar, um marroquino nos explicou. Ele disse ‘olha o local,
é apenas nadar da praia até a praia da Espanha’. Como eu sabia nadar, pensei
que seria fácil para mim. Ainda mais com um grupo de mais seis pessoas, te
motiva mais.
Você tinha dito que
conseguiu entrar nadando na segunda tentativa. Como foi a primeira?
A primeira tentativa não foi tentativa, tentativa. Era para
ver a cerca. Temos duas possibilidades, de um lado temos a cerca e do outro
temos o mar. [...] Eu vi [a cerca] e pensei que era muito mais difícil [pular]
que nadar. Há grupos que vão para pular a cerca e nós, naquele dia, fomos
unicamente para o mar, para nadar. Estávamos apenas nós, não havia outro grupo.
Você teve que pagar
algo para atravessar a fronteira?
Para atravessar a fronteira eu não paguei nada. Mas, paguei
algo: pagamos a pessoa que se pode chamar de delator, o cara que nos explicou
mais ou menos o local. Foi um marroquino que nos explicou isso.
Quanto?
Mais ou menos 35 ou 40 Euros [entre R$ 108 e R$ 124].
Mas também se paga
para atravessar a cerca, não?
Acontece muita coisa lá. Paga-se para tudo. Lá no Marrocos,
quando uma pessoa chega, não chega para morar na cidade. Ela chega para morar
no bosque. Quando eu cheguei lá, vi uma pequena organização, feita de acordo
com os países de origem. Por exemplo, existe uma comunidade de congoleses, de
senegaleses, de malineses, de camaroneses e de nigerianos. Existem muitas
comunidades, mas no mesmo local. E lá existe um modo de vida, temos que
construir casas, são casas de árvores e de plástico com um pouco de vegetação
para proteger do frio e da chuva. Esta organização demanda dinheiro, mas não é
como uma máfia, é para organizar as coisas. Além disso, a organização utiliza
delatores marroquinos, que temos que pagar. Os delatores marroquinos também
ajudam a seguir o caminho que leva até a cerca com as pessoas que pulam a cerca
ou até o mar com as pessoas que cruzam pela praia. Este dinheiro é uma
arrecadação para pagar estas pessoas, mas eu não chamaria de máfia porque uma
máfia existe para enriquecer, mas este [dinheiro] é para uma organização nossa.
Então sim, pagamos algo. Eu lembro que as pessoas que pulavam a cerca naquela
época tinham que pagar uma quantidade de dinheiro. Hoje em dia estão pulando,
mas, em 2005, não pulavam todos. Alguns pulavam e outros cortavam a cerca. Um
marroquino chegava com uma máquina que cortava um buraco e as pessoas passavam
diretamente. [...] Quando cheguei lá [no bosque] havia no total umas mil pessoas
vivendo ali.
Na época em que você
chegou havia arame farpado nas cercas?
Sim, quando eu cheguei em 2005 havia arame farpado, na cerca
de Ceuta, mas não tinha em todos os lugares. Eu não tinha tentado, mas as
pessoas que tinham tentado uma ou duas vezes nos explicaram que tinha lugar
onde não havia arame farpado.
Havia gente machucada
nos acampamentos no bosque?
Sim, no acampamento tinha gente com machucados graves e
tinha também gente com a perna quebrada e com o braço quebrado. Na verdade,
passávamos muito mal. As condições de vida no acampamento eram muito ruins. Não
sei explicar, mas as condições do acampamento não são para uma vida humana. O
que acontece é que, quando uma pessoa chega ali, o objetivo é chegar à Europa,
na Espanha mais precisamente. Ela não vê o que está vivendo, vê o que vai viver
amanhã. É isso que motiva uma pessoa a seguir lutando. Porque quando olha para
trás, vê as condições do seu país. No caso do meu país, eu digo que é melhor
olhar adiante que olhar atrás porque meu país não me dá uma vida digna, meu
país não tem uma democracia que respeita os direitos humanos. Uma pessoa
olhando sempre para frente, sabendo que vai viver uma vida digna [...], é capaz
de sacrificar sua vida.
Existe muita
repressão por parte da polícia do Marrocos e da Espanha?
Sim, da polícia espanhola tem repressão. Bom, tinha, tenho
que falar no passado porque estou falando do meu caso. [...] Mas se pudermos
começar pelo Marrocos, eu te diria que [há] muita.
O que eles fazem?
Primeiro, no acampamento, eles chegam para destruir todas as
casas que as pessoas fazem, para despejar todo mundo. Quando prendem alguns
poucos, porque todo mundo sai correndo como uns animais para dentro do bosque,
primeiro eles lhe batem. Geralmente, nas mãos, nos joelhos e nos pés para que
não tentem pular a cerca outra vez. Escolhem os locais estratégicos para bater.
Depois eles te deportam, mas “te deportam” para Oujda, uma cidade marroquina
que fica perto da Argélia. E lá as pessoas também sofrem muito. A situação lá é
ainda pior. E, quando uma pessoa entra na Espanha, a guarda civil, de acordo
com os poucos [imigrantes] com quem falei, não bate diretamente, mas dá tiros
de bala de borracha. E isso te deixa feridas, te deixa marcas, dependendo de
onde atinge. Alguns chegaram [ao acampamento] com toda a pele queimada. [...]
Quando alguém pula a cerca e é pego pela guarda civil, é devolvido pro outro
lado imediatamente [...]. E quando te devolvem te dão um tiro de bala de
borracha para que você não tente voltar outra vez.
Quando você conversa
com os refugiados que chegam de Ceuta e de Melilla, percebe que algo mudou?
Imagina, são quase 10 anos desde que eu cheguei e sempre
estou em contato com a Comissão Espanhola de Ajuda aos Refugiados, com meus
conterrâneos e os africanos subsaarianos. Eu acho que não mudou nada, a
situação ainda piorou. Se as pessoas vêm até aqui é porque a situação em seu
país está ruim. Cada vez mais eu acho que as coisas na África vão mal. Enquanto
a coisa siga assim na África, continuarão vindo milhares e milhares de pessoas
à Europa. [...] Eu acho que não é levantando a cerca de Ceuta ou de Melilla que
vão acabar com a imigração. Para acabar com a imigração é preciso começar pelos
países [de origem], tem que começar pelos governos que estão lá. Muitas vezes
estes governos têm o apoio dos países da Europa. No caso do meu presidente [o
da República Democrática do Congo, Joseph Kabila], um ditador que mata e rouba,
estava na França há dois meses, convidado pelo presidente francês [François
Hollande]. Quando uma pessoa se sente apoiada, pensa que o que está fazendo é
bom. A mesma França que reclama porque vêm congoleses como imigrantes, apoia um
ditador que está reprimindo o seu povo. [...] Tem muita hipocrisia nisso.
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