http://www.brasil247.com/ JAIME AMPARO
ALVES
"Não parece razoável o que
estão fazendo com o Lula". A frase do tucano Luís Carlos Bresser-Pereira
poderia ser o sinal da tão esperada distensão política, mas não é por um único
motivo: Lula não é adversário, é inimigo. Ao adversário se estende a mão,
reconhece-se a sua dignidade humana e se respeita as regras do jogo. Lula nunca
foi aceito. Desde o primeiro dia do primeiro mandato, Lula tem sido submetido a
um ataque sistemático. A Folha de S. Paulo investigou uma tal propensão
genética da família Silva ao álcool, a Revista Veja já celebrou o 'câncer do
presidente' e o Globo já apresentou Lula como presidiário em suas charges. Tudo
isso sem falar na violência sanitarizada dos telejornais da Globo com seus
apresentadores cinicamente consternados com a corrupção no país, enquanto a
empresa segue mergulhada em fraudes fiscais. Na ausência absoluta de padrões
éticos jornalísticos, nos resta perguntar se a raiva irracional de William
Waack contra Lula, Hugo Chavez e Cristina Kirchner, por exemplo, não seria o
caso de tratamento psiquiátrico.
No fundo no fundo, até os
incendiários Aécio Neves e Carlos Sampaio sabem que "não é razoável"
como a imprensa trata o ex-presidente Lula. Mas Lula da Silva foi longe demais
em sua loucura política de desafiar o establishment; e olhe que, para aqueles
de nós frustrados com o PT, Lula fez muitas concessões e perdeu a oportunidade
de fazer as mudanças radicais que o Brasil tanto precisa; entre elas, a urgente
e cara ley dos médios, a reforma agrária, e a justiça tributária. Inútil chorar
o leite derramado aqui porque segue derramando. O governo Dilma Rousseff segue
implacável no mesmo script com o agravante de que em sua tecnicidade Dilma nega
a política, se afasta do povo e afasta de vez a esperança na tão sonhada virada
de mesa do primeiro governo, do segundo, do terceiro, do quarto.
Ainda que Lula tenha alimentado
os seus próprios predadores na esperança inútil de que fazendo concessões
estratégicas, a elite permitiria um governo popular, ir às ruas defendê-lo é um
dever de todos aqueles com um mínimo de educação politica e de perspectiva
histórica. A perseguição implacável que sofre é um indicativo das suas
virtudes, não dos seus defeitos. Lula não é atacado porque fez menos do que o
Brasil precisa, mas sim porque ousou arranhar a centenária estrutura
hierárquica do país trazendo os pobres para o debate nacional. A não ser que as
forças políticas de esquerda corroborem com o moralismo dirigido do
conglomerado policial-midiático segundo o qual o PT é o partido mais corrupto
da história, a perseguição implacável a Lula deveria despertar uma
solidariedade política estratégica. A mensagem é clara aqui: se Lula, com suas
concessões pragmáticas, se converteu em inimigo mortal, imagine a máquina de
guerra que seria montada contra um hipotético governo muito mais à esquerda?
Talvez o tratamento editorial da Globo ao presidente venezuelano Hugo Chavez –
o sorriso mal disfarçado dos apresentadores da Globo News com a sua morte - nos
dê uma milésima dimensão de como seria o terror midiático a um projeto político
radical que as forças mais à esquerda do PT defendem e que o Brasil
urgentemente precisa.
Que a imprensa trate Lula como
inimigo é explicável e deveria até fazer bem ao ego do ex-presidente. Ter a
mídia como inimiga é um termômetro importante. O que não é razoável é o
silencio das esquerdas com a violência politica da qual o ex-presidente é
vitima, como se os movimentos sociais e os partidos neste espectro políticos
não fossem os próximos da fila. Eles virão por nós!
Não é uma incongruência defender
o legado de Lula da Silva e criticar o pragmatismo político que nos trouxe ao
momento atual. Tampouco se trata de relativização moral porque o que está em
questão aqui não é provar sua inocência. Tarefa inútil. Há neste momento toda
uma estrutura estatal, incrivelmente sob o comando do ministro da Justiça do
PT, para encontrar um 'crime' praticado pelo ex-presidente. Perguntar não
ofende: quem de nós sobreviveria a tamanha cruzada policial-midiática? Não me
refiro a uma checagem de antecedentes criminais ou a uma varredura em contas no
exterior, mas a todo um aparelho policial estatal orientado a encontrar um crime,
um arranhão na biografia, um desvio na conduta dos filhos, dos vizinhos, dos
amigos.
Não há tempo a perder. Se há
alguma lição a se aprender do julgamento do 'mensalão' é que a defesa de Lula
da Silva deve acontecer nas ruas e nas mídias sociais porque é perda de tempo
lamentar a inimputabilidade tucana sob a plutocracia judiciária. Juízes,
promotores e delegados têm alma, classe social e partido político. Senão, como
explicar as aberrações jurídicas com assento na suprema corte e com suas
retóricas anti-petistas nos e fora dos autos? Leigos nos assuntos legais, eu e
meu sobrinho de sete anos sabemos que "não é razoável" que um juiz
falastrão utilize suas prerrogativas (e o nosso dinheiro!) para militância
político-partidária e que seja endossado pelo silêncio ensurdecedor dos seus
pares. Mania de perseguição? Nas mãos petistas um cartão corporativo, uma
tapioca, uma canoa de lata ou o empréstimo de um sítio em Atibaia têm mais peso
policial-midiático do que um apartamento na Avenida Foch, no centro de Paris,
um helicóptero com 450 toneladas de cocaína, as fraudes do metro paulistano, ou
cinco milhões de dólares em bancos suíços.
A tentativa de assassinato da
biografia da figura mais marcante da vida política nacional contemporânea tem
um outro significado importante. Com o assassinato político de Lula abre-se
caminho para o desmonte da política soberana do pré-sal e para o retrocesso nas
conquistas sociais como o Bolsa Família e as cotas raciais nas universidades
públicas. É o que está por trás da violência contra Lula da Silva e é o que
deveria nos unir em sua defesa.
A história haverá de colocar em
seus devidos lugares dois presidentes, em dois brasis e com duas trajetórias
distintas. Um, o presidente sociólogo, poliglota, membro da Academia Brasileira
de Letras, descendente de imigrantes portugueses, frequentador dos círculos
acadêmicos norte-americanos - levou a cabo um criminoso programa de
privatizações do patrimônio público e alienação da soberania nacional. O outro,
o presidente nordestino, metalúrgico, sem formação superior, e sem etiquetas no
falar - resgatou a esperança de milhões de brasileiros submetidos à humilhação
da fome e da seca. Nossos netos lerão nos livros de história sobre um
presidente semi-analfabeto, que abriu as portas do ensino superior para milhões
de jovens condenados por um presidente-sociólogo a repetir os passos dos seus
pais envelhecendo fora das universidades. A história não poderá apagar o nome
do presidente nordestino que, não sendo poliglota como o presidente-sociólogo, inseriu
o Brasil como país soberano na cena política mundial. Talvez quem hoje tenha 20
anos de idade ou nasceu sob o governo do PT não tenha um parâmetro para
comparar o que era a vida dos mais pobres há uma década. Eu tenho. Como jovem e
membro da Pastoral da Criança, durante os últimos resquícios da teologia da
libertação no interior da Bahia, eu conheci de perto a fome, a desnutrição e a
morte. Pesávamos crianças raquíticas, de pais raquíticos, com salários
raquíticos. Era morte produzida pelas políticas sociais do presidente sociólogo
e sua turma. Agora eles perseguem a capa do jornal matutino com Lula da Silva
algemado. Talvez ganhem a foto, mas perderão o sono. Somos Lula! #LulaEuConfio
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