http://resistir.info/ por João Vilela
A notícia caiu como uma bomba por
estes dias: o gigante financeiro alemão Deutsche Bank corre o risco de
colapsar. É um choque de frente para toda a direita neoliberal e para todas os
seus sonhos e expectativas, um mundo que se arruína e naufraga, deixando um
cortejo de suplicantes gemendo e chorando a sua perda. Um banco, para mais
privado, para mais alemão, para mais empreendedor, para mais proactivo, e
dinâmico, e acostumado a bater punho, esfarelar-se assim, sem mais nem menos.
Teria maus gestores? Mas se todos sabemos que só o Estado, porque não tem a
noção de estar a gerir o que é seu, é mau gestor! Teria havido incompetência
dos supervisores? Mas se sabemos que só os supervisores portugueses são
incompetentes! Há-de ter sido culpa dos trabalhadores alemães, esses calaceiros
que vivem acima das possibilidades e depois não pagam os empréstimos que pediram.
Mas acaso não nos disseram que os calaceiros éramos nós, os trabalhadores
portugueses? E que por nossa culpa o Estado devia dinheiro que pediu emprestado
para construir escolas, e os bancos deviam ao estrangeiro para comprarmos
férias em Cancun, e que lá fora, onde os protestantes eram comedidos e regrados
(sim, eu ouvi o Viriato Soromenho Marques sair-se com esta), não havia
situações assim?
A realidade tem o condão de
derrotar qualquer explicação ficcional que a burguesia e os seus lacaios tentem
apresentar para a dinâmica interna do capitalismo. E essa dinâmica, que é de
queda tendencial da taxa de lucro, sobreprodução, crise, e aprofundamento da
exploração dos trabalhadores para que a bola continue a girar, é a verdadeira
causa das falências de bancos, sejam o BPN e o BANIF, sejam o Lehman Brothers e
o Deutsche Bank. Dinâmica perfeitamente irracional, contraditória, escusada,
fruto de um regime social que o desenvolvimento das forças produtivas tornou
não apenas obsoleta e desnecessária, mas de facto corrosiva e destrutiva em
termos sociais: a propriedade privada dos meios de produção, a exploração do
homem pelo homem, o modo de produção capitalista.
A despeito de um anti-sovietismo
e de um reaccionarismo absurdos ao equiparar fascismo e comunismo como regimes
irmanados na definição de "totalitarismos", Hannah Arendt disse uma
frase lapidar sobre o marxismo: "os marxistas não inventaram a luta de
classes, porque os factos não se inventam". E a luta de classes prossegue
sempre, com maior ou menor intensidade, com mais ou com menos organização, com
mais ou com menos ilusões nas instituições da burguesia. E esta sabe disso: não
por acaso se dedica, dedicou, e vai sempre dedicar a assalariar dirigentes do
proletariado, a infiltrar as suas organizações com bufos e provocadores, a
intoxicar ideologicamente os trabalhadores, a explorar as divisões mesquinhas
(étnicas, religiosas, geracionais, de género, de orientação sexual, de
qualificações, etc.) que os separam.
Os padres que na célebre
"Pirâmide do Capitalismo" são os que enganam o povo, foram hoje
substituídos por televisões, jornais, rádios, e toda uma parafernália
comunicacional onde o entulho reformista tem largo tempo de antena, diário e
bem pago. A equiparação aos padres é particularmente feliz, se pensarmos que,
como os padres, a sua função é alimentar e manter crenças idealistas, autêntico
pensamento mágico, como seja a tese de que ganhar eleições mete medo a alguém
ou torna os milhares e milhares de polícias, oficiais, funcionários de topo do
aparelho de Estado, juízes, cobradores, etc., gente acostumada a manter o
capitalismo diariamente, em diligentes construtores de um socialismo que toda a
vida combateram. É tão lícito aceitar que com uma eleição o Estado burguês se
torna Estado proletário como acreditar em feitiçarias de varinha mágica,
milagres do Cristo Jesus ou curas por imposição de mãos. O tipo de raciocínio é
o mesmo nos três casos.
Porque a verdade se mete pelos
olhos dentro, o proletariado acaba, inevitavelmente, por atirar borda fora quem
o pretende arrastar para o reformismo à força, e por tomar em mãos as suas
tarefas históricas. Veja-se a Grécia, onde o Syriza ganhou as eleições, e
todavia se sucedem as greves, os cortes de estradas, as gigantescas
manifestações de massas desembocando já em conflito aberto com um aparelho de
Estado que, marimbando-se para o facto de ter a esquerda (pretensamente)
radical no seu comando, sabe que lhe compete defender a burguesia e reprime, em
armas, a torrente da luta popular. Tal trajecto pode ser acelerado, como
sabemos desde o Manifesto do Partido Comunista, se aos proletários se
associarem os comunistas, sua vanguarda, desmontando as hesitações e ilusões
reformistas que ainda subsistam, e guiando ao triunfo os trabalhadores. É esse
o papel que, na Grécia, tem sido desempenhado pelos camaradas do PC da
Grécia.
É esta a atitude e a palavra de
ordem que cumpre assumir nesta hora em que, com a falência próxima de um
gigante financeiro do centro imperialista europeu, a exploração se vai agravar:
saiam das nossas costas, burguesia! Saiam das nossas costas, lacaios
reformistas! Chega de pesarem sobre os nossos ombros como parasitas, de sugarem
o nosso sangue, de nos amarrarem as mãos quando queremos desembaraçar-nos! É já
tempo de irem ter com os padres e xamãs da vossa laia, tentar discutir os
passes de mágica e os espiritualismos obscurantistas que vos animam a todos, e
deixarem sossegado o proletariado, a quem só uma visão materialista dialéctica
da realidade interessa. Levem daqui o vosso mundo de conto de fadas onde a
harmonia serena entre classes é possível num prado verdejante regido pelo pacto
social e pelos princípios gerais do direito. Esse mundo fantasioso é só uma
cortina cor-de-rosa (em rigor, uma cortina amarela) que vocês põem em volta de
uma coisa bruta e feia chamada legalidade burguesa, que existe para servir a
classe exploradora, tal como vocês. Os trabalhadores serão livres e deixarão de
ser explorados e oprimidos. Ainda que vocês não queiram.
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