segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

"A Venezuela é hoje a bola da vez do embate ideológico na América Latina", diz pesquisador

Cientista político avalia a conjuntura política e econômica venezuelana após a posse da nova formação da Assembleia Nacional, cuja maioria agora é formada pela oposição.
Por Simone Freire, Da Redação // http://www.brasildefato.com.br/
A Venezuela vem sendo um dos países foco de tensão política nos últimos anos. Em meio a uma crise na economia, com a queda no preço do petróleo, o decreto de "emergência econômica" feito pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, é apenas um dos embates entre chavistas e oposição.

Do lado político, a nova formação da Assembleia Nacional em 2016, cuja maioria agora é formada pela oposição - após mais de 16 anos de prevalência de chavistas -, evidenciou a fragilidade institucional da Revolução Bolivariana, avalia o cientista político, Pedro Paulo Bocca.

Em um cenário em que 112 dos 167 parlamentares pertencem à aliança opositora Mesa de Unidade Democrárica (MUD) tornará o Parlamento muito mais agressivo, o que significa um alerta para a esquerda no país, avalia Bocca. "É, mais do que nunca, necessário aprofundar a formação política, o trabalho popular e retomar a hegemonia no país".

O especialista ainda avalia a cobertura da imprensa brasileira acerca da realidade venezuelana. Para ele, é difícil cobrar coerência e imparcialidade na análise internacional em todos os sentidos, mas "a situação piora quando falamos da Venezuela, que é hoje a bola da vez do embate ideológico no continente, como foi Cuba por muito tempo".

Confira a entrevista:

O que significa a nova formação da Assembleia Nacional, que tomou posse em janeiro deste ano, para a atual conjuntura do país?

Sem dúvida o maior significado dessas eleições – e da conseguinte posse da Assembleia Nacional – é a fragilidade institucional da Revolução Bolivariana. Mesmo após um processo rico de 17 anos, a derrota nestas eleições pode colocar tudo a perder.

Podemos esperar uma Assembleia muito agressiva em todos os campos, desde o simbólico, que já está marcado pela retirada das fotos de Hugo Chávez que estavam penduradas no Parlamento; até na política mais concreta, fazendo de tudo para aumentar a instabilidade do governo Maduro e impedi-lo de governar pelos meios institucionais.

É um passo muito importante para aqueles que desejam o fim da Revolução Bolivariana, e um sinal de alerta para a esquerda do país. É, mais do que nunca, necessário aprofundar a formação política, o trabalho popular e retomar a hegemonia no país.

Dada a instabilidade política, há chances de podermos reviver a violência dos protestos de 2014?

É sempre uma possibilidade, afinal, conhecemos bem a direita latino-americana. Mas me parece que as principais lideranças da oposição ao presidente Maduro têm apostado em uma tática mais institucional de desestabilização e ofensiva.

Esta tática se mostrou vitoriosa nas eleições parlamentares e agora o grande objetivo é a remoção constitucional do presidente, através do Referendo Revogatório que deverá ser convocado nos próximos meses. Em caso de uma vitória do Maduro, neste processo, é possível que a tática oposicionista se volte uma vez mais para a violência civil, mas hoje a impressão é de que estas ações têm sido mais isoladas.

Há conquistas sociais do país que podem sofrer sérias consequências com um parlamento dominado pela oposição?

Sem dúvida. A tendência é que a Assembleia Nacional dificulte o processo de governabilidade, atacando especialmente as políticas sociais, com o objetivo de enfraquecer a figura de Maduro nos setores mais pobres que se beneficiam dessas políticas.

Mais do que prejudicar as políticas sociais já existentes, este novo cenário pode impossibilitar o aprofundamento delas ou a criação de novas ações. Caso a oposição consiga derrubar Maduro e eleger um novo presidente, aí a situação piora ainda mais e a tendência é um retorno neoliberal muito parecido, ou até pior, do que está vivendo a Argentina.

Em relação à economia e à inflação, qual poderia ser a saída para o governo de Nicolás Maduro?

O governo bolivariano está pagando nos últimos anos por, na minha opinião, seu maior erro nestes 17 anos, que foi a manutenção do modelo econômico venezuelano de dependência do petróleo e pouca produção interna de alimentos e bens fundamentais de consumo. Essa situação estrangula as possibilidades do governo, e dificulta que a população se desenvolva para além das políticas públicas sociais que foram aplicadas.

A saída, e isso depende muito da condição política e por isso é cada vez mais complicado, é avançar no processo de radicalização da Revolução Bolivariana. Diminuir a força da burguesia do país e investir em uma economia mais produtiva e menos dependente da importação de alimentos e produtos básicos. Isso pode se dar, por exemplo, através da criação de mais cooperativas de produção, como estão pensando os cubanos nas novas reformas.

Qual a avaliação da cobertura da imprensa brasileira?


É difícil cobrar coerência e imparcialidade na análise internacional de uma imprensa que não exercita esses princípios nem em suas coberturas cotidianas de seu próprio país. A situação piora quando falamos da Venezuela, que é hoje a bola da vez do embate ideológico no continente, como foi Cuba por muito tempo. Neste sentido, não é de se espantar que nossa imprensa centre sua cobertura na mesma lógica da imprensa da oposição venezuelana e as grandes redes de notícia internacionais, como a CNN, que tem sido extremamente panfletárias. Felizmente, temos veículos que buscam outras análises e visões sobre o que se passa na Venezuela, especialmente na internet, e é importante que esses veículos sejam fortalecidos.

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