Cientista
político avalia a conjuntura política e econômica venezuelana após a posse da
nova formação da Assembleia Nacional, cuja maioria agora é formada pela
oposição.
Por
Simone Freire, Da Redação // http://www.brasildefato.com.br/
A Venezuela vem sendo um dos
países foco de tensão política nos últimos anos. Em meio a uma crise na
economia, com a queda no preço do petróleo, o decreto de "emergência
econômica" feito pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, é apenas um dos
embates entre chavistas e oposição.
Do lado político, a nova formação
da Assembleia Nacional em 2016, cuja maioria agora é formada pela oposição -
após mais de 16 anos de prevalência de chavistas -, evidenciou a fragilidade
institucional da Revolução Bolivariana, avalia o cientista político, Pedro
Paulo Bocca.
Em um cenário em que 112 dos 167
parlamentares pertencem à aliança opositora Mesa de Unidade Democrárica (MUD)
tornará o Parlamento muito mais agressivo, o que significa um alerta para a
esquerda no país, avalia Bocca. "É, mais do que nunca, necessário
aprofundar a formação política, o trabalho popular e retomar a hegemonia no
país".
O especialista ainda avalia a
cobertura da imprensa brasileira acerca da realidade venezuelana. Para ele, é
difícil cobrar coerência e imparcialidade na análise internacional em todos os
sentidos, mas "a situação piora quando falamos da Venezuela, que é hoje a
bola da vez do embate ideológico no continente, como foi Cuba por muito
tempo".
Confira a entrevista:
O que significa a nova formação
da Assembleia Nacional, que tomou posse em janeiro deste ano, para a atual
conjuntura do país?
Sem dúvida o maior significado
dessas eleições – e da conseguinte posse da Assembleia Nacional – é a
fragilidade institucional da Revolução Bolivariana. Mesmo após um processo rico
de 17 anos, a derrota nestas eleições pode colocar tudo a perder.
Podemos esperar uma Assembleia
muito agressiva em todos os campos, desde o simbólico, que já está marcado pela
retirada das fotos de Hugo Chávez que estavam penduradas no Parlamento; até na
política mais concreta, fazendo de tudo para aumentar a instabilidade do
governo Maduro e impedi-lo de governar pelos meios institucionais.
É um passo muito importante para
aqueles que desejam o fim da Revolução Bolivariana, e um sinal de alerta para a
esquerda do país. É, mais do que nunca, necessário aprofundar a formação
política, o trabalho popular e retomar a hegemonia no país.
Dada a instabilidade política, há
chances de podermos reviver a violência dos protestos de 2014?
É sempre uma possibilidade,
afinal, conhecemos bem a direita latino-americana. Mas me parece que as
principais lideranças da oposição ao presidente Maduro têm apostado em uma
tática mais institucional de desestabilização e ofensiva.
Esta tática se mostrou vitoriosa
nas eleições parlamentares e agora o grande objetivo é a remoção constitucional
do presidente, através do Referendo Revogatório que deverá ser convocado nos
próximos meses. Em caso de uma vitória do Maduro, neste processo, é possível
que a tática oposicionista se volte uma vez mais para a violência civil, mas
hoje a impressão é de que estas ações têm sido mais isoladas.
Há conquistas sociais do país que
podem sofrer sérias consequências com um parlamento dominado pela oposição?
Sem dúvida. A tendência é que a
Assembleia Nacional dificulte o processo de governabilidade, atacando
especialmente as políticas sociais, com o objetivo de enfraquecer a figura de
Maduro nos setores mais pobres que se beneficiam dessas políticas.
Mais do que prejudicar as
políticas sociais já existentes, este novo cenário pode impossibilitar o
aprofundamento delas ou a criação de novas ações. Caso a oposição consiga
derrubar Maduro e eleger um novo presidente, aí a situação piora ainda mais e a
tendência é um retorno neoliberal muito parecido, ou até pior, do que está
vivendo a Argentina.
Em relação à economia e à
inflação, qual poderia ser a saída para o governo de Nicolás Maduro?
O governo bolivariano está
pagando nos últimos anos por, na minha opinião, seu maior erro nestes 17 anos,
que foi a manutenção do modelo econômico venezuelano de dependência do petróleo
e pouca produção interna de alimentos e bens fundamentais de consumo. Essa
situação estrangula as possibilidades do governo, e dificulta que a população
se desenvolva para além das políticas públicas sociais que foram aplicadas.
A saída, e isso depende muito da
condição política e por isso é cada vez mais complicado, é avançar no processo
de radicalização da Revolução Bolivariana. Diminuir a força da burguesia do
país e investir em uma economia mais produtiva e menos dependente da importação
de alimentos e produtos básicos. Isso pode se dar, por exemplo, através da
criação de mais cooperativas de produção, como estão pensando os cubanos nas
novas reformas.
Qual a avaliação da cobertura da
imprensa brasileira?
É difícil cobrar coerência e
imparcialidade na análise internacional de uma imprensa que não exercita esses
princípios nem em suas coberturas cotidianas de seu próprio país. A situação
piora quando falamos da Venezuela, que é hoje a bola da vez do embate ideológico
no continente, como foi Cuba por muito tempo. Neste sentido, não é de se
espantar que nossa imprensa centre sua cobertura na mesma lógica da imprensa da
oposição venezuelana e as grandes redes de notícia internacionais, como a CNN,
que tem sido extremamente panfletárias. Felizmente, temos veículos que buscam
outras análises e visões sobre o que se passa na Venezuela, especialmente na
internet, e é importante que esses veículos sejam fortalecidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12