Senhor José Antônio Reguffe,
De início, informo-lhe
duas coisas: o porquê de não utilizar o tratamento “excelência” e minhas
convicções políticas.
Mesmo tendo muito
claro ser o tratamento de “excelência” tão caro a vocês, os componentes do
parlamento brasileiro, não o utilizei por questão de justiça. Esse pronome de
tratamento, derivado do qualificativo excelente, significa, entre outras
coisas, grandeza e elevação. Dessa forma, não faz sentido algum o seu emprego em
referência à quase totalidade dos políticos brasileiros, visto a conduta ignóbil
e desleal com que vocês tratam a política e a confiança do povo.
Senhor senador,
qualquer pessoa minimamente informada sabe que a estratégia utilizada pela grande
imprensa deste país e seus lacaios é a velha e surrada prática de desmoralizar
o oponente para convencer a consciência ingênua de milhões de brasileiros de
suas mentiras. Essa arma milenar foi sempre utilizada pelos que não têm
argumentos honestos e nem vergonha na cara, como é, agora, o caso das ações dos
políticos deste país. Neste momento histórico, a síntese desta canalhice pode
ser resumida pela expressão: “isto é conversa de petista”.
Por isto, senhor
senador, informo-lhe que não sou, e nunca fui filiado ao Partido dos
Trabalhadores. Minha formação política no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e
a militância sindical contribuíram muito para uma boa capacidade de análise e
julgamento, que uso para minhas escolhas na vida.
Sempre fui um crítico
dos partidos trabalhistas. Em todos os seus governos mundo afora, eles erraram,
e erraram muito. Contudo, para não ser injusto e desleal como são as elites e a
maioria dos políticos conservadores deste país, reconheço nesses governos
enormes avanços, sobretudo em favor dos mais espezinhados e marginalizados pelo
Estado e o capital.
A partir destas
considerações gerais, vamos, senhor senador, ao ponto central que me motivou escrever-lhe.
Não o conheço
pessoalmente. Vi-o três ou quatro vezes pela televisão, falando de suas
propostas para o exercício do mandato de senador da república. Para resumir a
conversa, confiei a você o meu voto. Alias, não só votei, mas divulguei sua
candidatura e fiz campanha no meu círculo de influências. Como é democrático,
só lhe dei um voto, mas foi um voto com a qualidade de que trata a epigrafe
deste texto.
Lembro-me de que
quando falava com as pessoas que havia um político diferente em Brasília;
cidade quase prostituída pela classe política, cidade cuja história política desonra
seus moradores; alguns companheiros de batalha me alertaram: “engano seu Omar,
ele é um político como a maioria dos outros e vai te surpreender negativamente”.
Sendo eleitor que
acompanha o candidato em que vota, tenho acompanhado seu trabalho parlamentar.
Ouvi alguns de seus discursos e algumas manifestações suas no senado e na mídia.
Como a maioria dos
brasilienses, tenho severas críticas ao imobilismo e à incompetência do atual
governo do Distrito Federal, mas me causou surpresa, seu rompimento com ele, o
qual, a meu juízo, se deu de forma absolutamente intempestiva e inoportuna.
Da mesma forma, não
pude entender seu rompimento unilateral com o partido pelo qual foi eleito, até
porque, como é postura comum entre vocês políticos, você julgou de menor
importância a obrigação de dar maiores explicações a seus eleitores. Seu abandono ao partido a mim pareceu uma
decisão oportunista, visto que ela carece, até hoje, de explicações mais
consistentes e de justificativas mais persuasivas. Sua atitude, senhor Reguffe,
fez-me lembrar do que havia ouvido antes a respeito de minha opinião sobre sua
conduta política. Nesse episódio, o senhor se igualou à maioria dos políticos. Ainda
mais, tal decisão pode até ter sido legal, já que foi permitida por uma lei
aprovada pelo parlamento, usando, é verdade, o mais puro casuísmo, como é do
gosto de vocês. Contudo, não resta dúvida de que ela, a atitude, foi imoral, já
que a referida lei é mais uma demonstração da capacidade de engodo e trapaça
que caracteriza a classe política, sobretudo a atual.
Por último, chego ao
fato que me deixou decepcionado e me fez sentir vítima de logro; seu voto no
julgamento do processo de afastamento da Presidenta da República.
Economizarei verbo e argumentos
comprobatórios de que a Presidenta não cometeu crime de responsabilidade como
querem as elites brasileiras, a grande imprensa e a grande maioria dos políticos
alojados no congresso e em outros setores da vida nacional. Os fatos e as
análises de grandes juristas deste país já cumpriram esta tarefa. Só os três
seguimentos citados, cuja conduta histórica sempre foi a conspiração e o
golpismo, não aceitam as verdades. Se servir de consolo para a sua e as outras
consciências, se é que essa gente a tem, nossa história republicana não os
deixa sozinhos. O regime republicano é filho de um golpe e parece ter o infeliz
destino de viver à sombra da vil inconfidência.
Foi com profunda decepção que assisti sua
patética tentativa de justificar a sua afronta à Constitucional Brasileira. Mais
ainda, senhor senador, senti-me tratado como um imbecil com sua tentativa de
justificar tamanha ignominia com argumentos absolutamente descontextualizados. Não
consigo entender como é que uma pessoa que se diz séria pôde ombrear com tantos
ladrões, tantos corruptos profissionais e até alguns assassinos para tentar legitimar
um crime inventado. Goebbels não tinha razão senhor senador, a mentira repetida
mil vezes não vira verdade. A desculpa que tem sido usada de forma reiterada
por vocês que desrespeitaram a vontade da maioria do povo é a de que o
congresso julga politicamente. Isto é de um cinismo que dói em minha alma.
O senador em que
votei prometeu a seus eleitores autonomia política, defesa da democracia e
discernimento do que é certo ou errado. Como é da natureza da maioria dos
políticos do Brasil, o senhor prometeu; prometeu, mas não cumpriu. A mim só há
uma explicação para tal mudança de postura: ou senador foi cooptado pelo poder
dos mais fortes ou farpeado pelo apego ao poder, ou as duas coisas. Quem vai
saber? Fora disto, não há justificativa para uma ação golpista de quem foi
eleito para defender a nossa Constituição.
Sou um cidadão de
setenta e três anos. Na caminhada já enfrentei muitos desafios em defesa da
liberdade política, dos que mais necessitam e da moralidade deste país.
Assusta-me quando
você, com sua atitude golpista, dá guarida e eco à voz dos que foram tangidos
pela mídia golpista, abertamente conduzida pelo jornal e pelas redes de rádio e
televisão Globo, cuja vocação é, e sempre foi a defesa intransigente dos golpes
e das ditaduras militares e civis, clama pela volta da ditadura militar e pelo
golpe na Constituição Federal.
Por fim, senhor
senador, termino esta carta com as seguintes observações: Não tenho nenhuma
presunção de que ela vá influenciar seu modo de pensar e agir, afinal sou dono
de apenas um voto e isto vale pouco, ou
nada, para os políticos deste país. Contudo, meu voto é a minha identidade. É o
guardião de minha liberdade e do meu caráter.
Taguatinga, DF, 23 de maio de 2016
Omar dos Santos
Omar dos Santos é professor aposentado da Secretaria de Educação do Distrito Federal
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