quarta-feira, 12 de julho de 2017

Muito alto, muito perto, por Fernando Horta


Muito alto, muito perto

por Fernando Horta

No dia 1º de maio de 1951, Getúlio Dornelles Vargas discursava para os trabalhadores após voltar a presidência, desta vez por meio de eleição. O último mandato de Vargas não seria terminado em função de seu suicídio e é marcado pela aproximação do presidente das massas trabalhadoras. No texto original do pronunciamento, Vargas faz apelos à sindicalização e ao apoio a ele, pois sabia que o parlamento tinha a maioria nas mãos da oposição. A UDN (partido de oposição bastante violenta na época) tinha conquistado a maior quantidade de cadeiras e Vargas tinha consciência de que além desta oposição interna, também experimentaria a internacional. Afora a linguagem da época, o conteúdo do discurso é bastante atual:
“Ouço o clamor dos vossos apelos mais prementes; calam-me fundo na alma o desamparo, a miséria, a carestia da vida, os salários baixos, o dinheiro que não chega para as necessidades mais inadiáveis, a luta contra a doença, o desespero dos desvalidos da fortuna e as reivindicações da maioria do povo, que vive na esperança de melhores dias. É profundo, sincero e incansável o meu esforço para atender a esses reclamos e achar solução para essas dificuldades que vos afligem.

(...)

Chegou, por isso mesmo, a hora de o governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos, como forças livres e organizadas. As autoridades não poderão cercear a vossa liberdade nem usar de pressão ou de coação. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento de ação política.

(...)

Medida de grande relevância, que é um dos pontos fundamentais do atual programa governamental, é a extensão dos benefícios da legislação trabalhista ao trabalhador rural, principalmente no que diz respeito à assistência médico-social, moradia e educação dos filhos, salário mínimo, direito à indenização e estabilidade no emprego.”

Talvez ainda não lhe tenha sido dito, mas foi sepultado no Brasil, após votação no senado, um grupo de leis que tem origem em lutas ainda no século XIX. Os primeiros sindicatos foram fundados em 1881 na Bahia. Em Salvador, a Associação Tipográfica da Bahia, a Liga Operária Bahiana e a Companhia de Operários Livres União e Indústria. As lutas trabalhistas, que começaram pelas reivindicações mais básicas como jornada de trabalho, descanso semanal e proibição do trabalho infantil estão sendo destruídas pela “flexibilização” que, no fundo, servirá como porta para retirar ainda mais direitos, uma vez que temos um exército de desempregados no Brasil.

Todas as greves e as discussões ocorridas no Brasil a partir de 1910, com ênfase em 1917 trouxeram direitos que – bem ou mal sobreviveram ao Estado Novo, à Ditadura Militar, à primeira onda neoliberal de Collor e à segunda de FHC. São, portanto, mais de cem anos de lutas, a maioria marcadas a sangue, que foram destruídas pelas votações deste ano. Eu não compreendo a inércia da classe trabalhadora brasileira. Talvez tenham se convencido de que não são trabalhadores, são “colaboradores”. Tenham se convencido que “tudo o que vem do comunismo é ruim” e por alguma associação bizarra entre ignorância e porcas leituras de internet, ligou legislação trabalhista a comunismo. São muitas as teses sobre esta apatia quando um governo ilegítimo ataca quase 200 anos de manifestações, mortes, prisões e agressões aos trabalhadores e trabalhadoras que lutaram pelos direitos que hoje entregamos de mão beijada. Com aplausos.

Não, senhores e senhoras; seus filhos não serão “empreendedores”. Não são palestras e repetições de fragmentos de teorias econômicas liberais que terão o condão de permitir que seus filhos sejam futuros milionários. A verdade é que por um individualismo de extremo egoísmo as proteções sociais que seus pais e você gozaram para chegar até aqui não existirão para seus filhos. Somos a primeira geração de brasileiros a desamparar nossos filhos. E fazem isto enganados por um sonho de meritocracia que não só não tem correspondência em local nenhum do mundo, como no Brasil não há mínima possibilidade de ocorrer.

Hoje foram as leis trabalhistas. Seus filhos e netos expostos cada vez mais à barbárie de um capitalismo pós-industrial num país que nunca completou efetivamente sua industrialização. Amanhã a previdência, e logo após o desmonte dos sindicatos e da educação pública. Simplesmente acabando com todo e qualquer caminho que poderia levar à alguma mobilidade social. Pobre e trabalhador no Brasil acabaram de virar uma casta. Nascendo nela não haverá chance de modificar. Nos EUA, por exemplo, os sindicatos foram desmontados nos anos 60 e, desde então, NUNCA HOUVE aumento real no salário médio do trabalhador de lá. E a produtividade já cresceu 400%.

Agora compare todos os direitos que estão tirando dos seus filhos com o que prevê a nova LOMAN, por exemplo. O poder judiciário vai dar aos seus membros um valor mensal, até que seus filhos façam 22 anos, de mais de cinco mil reais a título de “auxílio educação”. Na meritocracia com a qual te enganaram nossos filhos não terão nenhuma ajuda do Estado ... os filhos das elites (econômicas ou burocráticas) viverão das benesses deste mesmo Estado. O fosso entre eles, no futuro, será intransponível.

Mais do que reverenciar as lutas do passado, era preciso defender o nosso futuro. As futuras gerações não mereciam a traição que lhes estamos deixando. Tenho certeza que se Vargas vivo estivesse teria atirado contra os legisladores ao invés de mirar em seu peito. A vilania e desonestidade dos atuais parlamentares vai ser paga pelo seu filho e pela sua filha, que terão uma vida muito mais desamparada. Todos o caminho que você pensou ter trilhado para facilitar o deles foi anulado por parlamentares que continuam a manter os seus privilégios.

Você pode voltar a assistir um blogueiro mal-intencionado a dizer-lhe que tudo vai melhorar, ou ler fragmentos de escritos econômicos de austríacos do século XIX mal interpretados por jovens sem formação própria no Brasil. Pode convencer-se do que quiser, seus filhos viverão numa sociedade de castas e lhe cobrarão isto no final da vida. E gritarão muito alto e muito perto para vencer a nossa surdez ...

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