sexta-feira, 15 de junho de 2018

Cadê a alegria que estava aqui?


Omar dos Santos*

Tenho certeza de que o longínquo 29 de julho de 1958 foi o dia mais feliz de minha vida. Da minha, e acredito, que da grande maioria do povo brasileiro. Nesse dia, a seleção brasileira venceu por goleada a decisão da Copa do Mundo, ganhando da seleção da Sécia por goleada. 

A importância do feito foi tão grande que transcendeu a esfera do futebol para atingir todos os demais setores da vida nacional. É preciso lembrar que nossa seleção tinha, até ali, uma história de insucessos e nunca havia ganhado uma copa do mundo, apesar de ter participado de todas. Na tradução de Nelson Rodrigues, o fato serviu para acabar com o “Complexo de Vira-lata” que acometia o nosso futebol.

Coincidência ou não, depois da conquista futebolística e de outras áreas na década de 50, o povo brasileiro, que sempre foi reconhecido pelos estrangeiros como um dos povos mais alegres e simpáticos do mundo, parece ter aumentado em muito sua confiança e sua fé no futuro do país. É que apesar dos revezes e traições que a história costuma nos impor, sempre soubemos aproveitar os momentos de conquistas, realizações como lenitivo de nossos sofrimentos e incentivo para a luta para transformar nossa dura realidade.

Nesta perspectiva, é de surpreender ao mais arraigado dos pessimistas a situação política, socioeconômica e cultural que estamos vivendo. A fase atual é de tal forma grave que nem o futebol e o carnaval estão sendo capazes de combater o desânimo, a desilusão e o ceticismo que tomou conta do povo brasileiro. Nem mesmo a mídia, sempre liderada pela Globo, consegue arrancar sorriso e suspiros dos brasileiros em face a eventos como carnaval, férias escolares, campeonato nacional, copa do mundo e outros, nos quais nosso povo, tradicionalmente, “fazia a festa”.

Aqui levanto uma questão: O que está acontecendo? 

A meu julgamento, o que está ocorrendo é a manifestação de que o povo, como poucas vezes, está tomando consciência do verdadeiro estado em que nossas elites colocaram este país. Consciência de sua história de poder e da natureza deletéria da grande maioria dos que mandam no Estado.

Uma das grandes diferenças da atual crise com as que se repetem ao longo de nossa história, é que o remédio enfiado “goela abaixo” das classes menos abastadas e dos trabalhadores, definido como a única alternativa de “salvação da pátria”, substantificado e substancializado pelo golpe na Presidenta Dilma, pela prisão de Lula sem nenhuma prova concreta, pela revogação da CLT e pela cruel reforma da educação entre outras maldades contra o povo, o fez entender que não dá mais e que só ele, o povo, pode mudar o estado em que se encontra o Brasil. Estamos diante da clássica máxima: “O remédio está matando o doente”.

O atual invasor do Planalto exagerou no cumprimento do papel embostelado que justificou sua escolha como “feitor” desta vasta fazenda em que os capitalistas nacionais e internacionais tentam transformar nosso país.

Assim, é de se ter saudades dos tempos alegres em que vibrávamos com nossa seleção e fomos tão felizes. O desânimo que chega a quase prostração em relação à festa mais esperada por nosso povo é mais uma criação do embusteiro e pau-mandado que nossa mídia e elite chamam de presidente. Foi ele quem inventou esta tristeza que fere o peito e a alma de cada um de nós. 

Vamos lembrar o que Chico Buarque vaticinava em outra noite escura como a de agora, vendo alguns versos do poema Apesar de Você. 

Hoje você é quem manda/ falou, tá falado não tem discussão, não./A minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado/E inventou de inventar
Toda a escuridão/Você que inventou o pecado/Esqueceu-se de inventar/O perdão

Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Eu pergunto a você
Onde vai se esconder/Da enorme euforia

(...) Quando chegar o momento/Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro (...)

Você que inventou a tristeza/Ora, tenha a fineza
De desinventar/Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada/
Nesse meu penar

Apesar de você/Amanhã há de ser/Outro dia/Inda pago pra ver
O jardim florescer/Qual você não queria (...)


Omar dos Santos é professor aposentado. Mora em Brasília

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