Janio de Freitas
Ou há duas Marinas ou há dois Aécios; as propostas
definidoras dos respectivos governos não têm diferença
O catatau dado como programa de governo de Marina Silva e do
PSB, mas que contraria tudo o que PSB defendeu até hoje, leva a uma
originalidade mais do que eleitoral: na disputa pela Presidência, ou há duas
Marinas Silvas ou há dois Aécios Neves. As propostas definidoras dos
respectivos governos não têm diferença, dando aos dois uma só identidade. O que
exigiu dos dois candidatos iguais movimentos: contra as posições refletidas nas
críticas anteriores de Marina e contra a representação do avô Tancredo Neves
invocada por Aécio.
Ao justificar sua proposta para a Petrobras, assunto da
moda, diz Marina: "Temos que sair da Idade do Petróleo. Não é por faltar
petróleo, é porque já estamos encontrando outras fontes de energia". Por
isso, o programa de Marina informa que, se eleita, ela fará reduzir a
exploração de petróleo do pré-sal.
Reduzir o pré-sal e atingir a Petrobras no coração são a
mesma coisa. Sustar o retorno do investimento astronômico feito no pré-sal já
seria destrutivo. Há mais, porém. Concessões e contratos impedem a
interferência na produção das empresas estrangeiras no pré-sal. Logo, a tal
redução recairia toda na Petrobras, com efeito devastador sobre ela e em
benefício para as estrangeiras.
Marina Silva demonstra ignorar o que é a Idade do Petróleo,
que lhe parece restringir-se à energia. Hoje o petróleo está, e estará cada vez
mais, por muito tempo, na liderança das matérias-primas mais usadas no mundo.
Os seus derivados estão na indústria dos plásticos que nos inundam a vida, na
produção química que vai das tintas aos alimentos (pelos fertilizantes), na
indústria farmacêutica e na de cosméticos, na pavimentação, nos tecidos, enfim,
parte do homem atual é de petróleo. Apesar de Marina da Silva. Cuja proposta
para o petróleo significaria, em última instância, a carência e importação do
que o Brasil possui.
A Petrobras é o tema predileto de Aécio Neves nos últimos
meses. Não em ataque a possíveis atos e autores de corrupção na empresa, mas à
empresa, sem diferenciação. Que seja por distraída simplificação, vá lá. Mas,
além do que está implícito na candidatura pelo PSDB, Aécio Neves tem como
ideólogo, já anunciado para principal figura do eventual ministerial, Armínio
Fraga -- consagrado como especialista em aplicações financeiras, privatista
absoluto e presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique, ou seja,
quando da pretensão de privatizar a Petrobras.
A propósito, no debate pela TV Bandeirantes, Dilma Rousseff
citou a tentativa de mudança do nome Petrobras para Petrobrax, no governo
Fernando Henrique, e atribuiu-a à conveniência de pronúncia no exterior. Assim
foi, de fato, a ridícula explicação dada por Philipe Reichstuhl, então
presidente da empresa. Mas quem pronuncia o S até no nome do país, com States,
não teme o S de Petrobras. A mudança era uma providência preparatória.
Destinava-se a retirar antes de tudo, por seu potencial gerador de reações à desnacionalização,
a carga sentimental ou cívica assinalada no sufixo "bras".
Ainda a propósito de Petrobras, e oportuno também pelo
agosto de Getúlio, no vol. "Agosto - 1954" da trilogia "A Era
Vargas", em edição agora enriquecida pelo jornalista José Augusto Ribeiro,
está um episódio tão singelo quanto sugestivo. Incomodado com o uso feroz da TV
Tupi por Carlos Lacerda, o general Mozart Dornelles, da Casa Civil da
Presidência, foi conversar a respeito com Assis Chateaubriand, dono da
emissora. Resposta ouvida pelo general (pai do hoje senador e candidato a vice
no Rio, Francisco Dornelles): se Getúlio desistisse da Petrobras, em criação na
época, o uso das tevês passaria de Lacerda para quem o presidente indicasse. De
lá para cá, os diálogos em torno da Petrobras mudaram; sua finalidade, nem
tanto.
De volta aos projetos de governo, Marina e Aécio desejam uma
posição brasileira que, por si só, expressa toda uma política exterior.
Pretendem o esvaziamento do empenho na consolidação do Mercosul, passando à prática
de acordos bilaterais. Como os Estados Unidos há anos pressionam para que seja
a política geral da América do Sul e, em especial, a do Brasil.
Em política interna, tudo se define, igualmente para ambos,
em dois segmentos que condicionam toda a administração federal e seus efeitos
na sociedade. Um, é o Banco Central dito independente; outro, é a prioridade
absoluta à inflação mínima (com essa intenção, mas sem o êxito desejado,
Armínio Fraga chegou a elevar os juros a 45% em 1999) e contenção de gastos
para obter o chamado superavit primário elevado. É prioridade já conhecida no
Brasil.
Pelo visto, Marina e Aécio disputam para ver quem dos dois,
se eleito, fará o que o derrotado deseja.
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