por Mauro Santayana
O caminho encontrado pelos
Estados Unidos para ampliar a sua espionagem no mundo pode ser definido com um
vocábulo bem brasileiro: tratou-se e se trata de uma grande lambança. Dominada
a República pelo fundamentalismo mercantil (a expressão é de Celso Furtado), o
governo de Washington, já a partir de Bush, terceirizou a mais grave obrigação
dos estados nacionais – a segurança de suas fronteiras e de seus povos. Depois
de contratar mercenários para os combates, passou a contratá-los para definir a
estratégia internacional do país.
Espionar os eventuais inimigos é
uma prática universal, desde que se desenharam as fronteiras políticas. Os
espiões têm que ser recrutados com extremo cuidado, a fim de que se garanta a
sua lealdade. Ainda assim, os riscos são imensos, porque não há só a
espionagem; existe também a contra-espionagem. Por isso mesmo, o mais famoso
agente-duplo do mundo, o britânico Harold Russel Kim Philby, que chefiava uma
das seções mais poderosas do MI6, era também o chefe da espionagem soviética no
Reino Unido. Philby deu um sério conselho aos jovens que sonham com o
romantismo e as emoções da espionagem: trabalhassem sempre por dinheiro, porque
nunca saberiam a quem estariam realmente
servindo.
Contratar empresas privadas para
cuidar da segurança nacional pode ter sido a principal “lambança” de
Washington, mas não foi a única. E contratar exatamente a Booz Allen pode ter
contribuído para que a lambança fosse ainda maior, já que, a veracidade e a
importância das informações recolhidas não devem ter sido de muita ajuda à
Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
Por falar nisso: há alguns anos,
essa mesma Booz Allen, que levou 25 milhões de dólares do governo Fernando
Henrique, para identificar “os gargalos” regionais que impediam o desenvolvimento
do país, foi encarregada de planejar a reforma do Serviço de Promoção Comercial
do Itamaraty. A empresa apresentou o seu projeto, seguido à risca pelo governo:
reduzir ao máximo os funcionários contratados e as atividades do setor, de
forma a eliminá-lo, na prática. Seguramente essa conclusão interessava aos
EEUU. As embaixadas e os consulados americanos, pelo mundo a fora, têm duas
tarefas primordiais: espionar e exercer o seu papel de braço avançado do
comercio exterior e no apoio às suas multinacionais.
A obsessão norte-americana pelo
controle do mundo, mediante seus agentes, e da corrupção de servidores públicos
dos países periféricos, torna seus serviços de inteligência altamente
vulneráveis. É impossível fiar-se na fidelidade de trinta e cinco mil pessoas, entre
servidores de carreira e pessoal contratado, no caso, pela Booz Allen, para
colher informações e propor providências ao poder executivo.
Sabemos, agora, que somos dos
países mais vigiados pelos norte-americanos. Aos nossos protestos, eles
respondem com a mesma cantilena: irão
entender-se com os “parceiros e aliados” mediante os canais diplomáticos
usuais.
Diante dos fatos, cabe-nos agir
com lucidez e a urgência. Se é impossível blindar as comunicações eletrônicas,
vulneráveis aos hackers, oficiais ou não, e a satélites espiões, devemos, pelo
menos, criar sistema autônomo para as
comunicações oficiais brasileiras. Devemos fortalecer com rapidez a nossa
Telebrás. É necessário adquirir, de fornecedor confiável (melhor seria se fosse
de um dos Brics), sistemas de satélites próprios, de rádio e cabo nossos, que
sejam operados por oficiais brasileiros.
Em momentos como estes vê-se a
falta que faz uma empresa estatal de telecomunicações própria. Essa companhia
existe, e se chama Telebrás. Havia uma sua subsidiária que cuidava de nossos
satélites, a Embratel, que foi entregue ao mexicano Slim. A Telebrás foi
esquartejada e seu mercado entregue aos estrangeiros.
Há outro fato, da mesma ou de
maior gravidade: os Estados Unidos mantiveram (ou ainda mantêm?) sistema de
rastreamento das comunicações de satélites em Brasília, ao que se informa sem o
conhecimento das autoridades brasileiras.
De passo em passo, de desastre em
desastre, a credibilidade dos Estados Unidos despenca. Eles continuam a ser
temidos. Mas deixaram de ser confiáveis.
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