Vivemos em um mundo em que as incertezas, descendentes ou ascendentes, se transformam cada vez mais em incertezas abissais.
Boaventura de Sousa Santos // www.cartamaior.com.br
Diz Espinoza que as duas emoções básicas dos seres humanos são o medo e a esperança. A incerteza é a vivência das possibilidades que emergem das múltiplas relações que podem existir entre o medo e a esperança. Sendo diferentes essas relações, diferentes são os tipos de incerteza. O medo e a esperança não estão igualmente distribuídos por todos os grupos sociais ou épocas históricas. Há grupos sociais em que o medo sobrepuja de tal modo a esperança que o mundo lhes acontece sem que eles possam fazer acontecer o mundo. Vivem em espera, mas sem esperança. Estão vivos hoje, mas vivem em condições tais que podem estar mortos amanhã. Alimentam os filhos hoje, mas não sabem se os poderão alimentar amanhã. A incerteza em que vivem é uma incerteza descendente, porque o mundo lhes acontece de modos que pouco dependem deles. Quando o medo é tal que a esperança desapareceu de todo, a incerteza descendente torna-se abissal e converte-se no seu oposto: na certeza do destino, por mais injusto que seja. Há, por outro lado, grupos sociais em que a esperança sobrepuja de tal modo o medo que o mundo lhes é oferecido como um campo de possibilidades que podem gerir a seu bel-prazer. A incerteza em que vivem é uma incerteza ascendente na medida em que tem lugar entre opções portadoras de resultados em geral desejados, mesmo que nem sempre totalmente positivos. Quando a esperança é tão excessiva que perde a noção do medo, a incerteza ascendente torna-se abissal e transforma-se no seu oposto: na certeza da missão de apropriar o mundo por mais arbitrária que seja.